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Masp: especialistas apontam cinco soluções para crise financeira

Combinadas, alternativas ajudariam a salvar a reputação e o futuro do museu que é um dos patrimônios e orgulho de São Paulo

Por Sandra Soares e Fabio Brisolla
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h33

Prestes a completar sessenta anos, o mais importante museu da América Latina, abrigado em um dos cartões-postais da cidade, enfrenta a ironia de ser, ao mesmo tempo, orgulho e vergonha para os paulistas. Com mais de

7 000 peças em seu maravilhoso acervo, avaliado em 1 bilhão de dólares, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) é dono de tesouros como uma coleção de doze telas do mestre impressionista Renoir e um lote de 73 peças das famosas bailarinas de bronze de Degas – obras, entre outras, constantemente requisitadas para exibições internacionais. Nos últimos tempos, entretanto, o Masp teve seu nome incluído em notícias vexatórias. O teto do magnífico prédio da Avenida Paulista projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi foi fotografado, no mês passado, com placas de alumínio soltas e quebradas. Em outubro, duas linhas telefônicas foram bloqueadas por falta de pagamento. Pouco antes, em maio, o pior de seus dramas: o museu sofreu um corte de energia elétrica por três dias em decorrência de uma dívida acumulada em sete anos de inadimplência com a Eletropaulo. Geradores entraram rapidamente em ação, mas não conseguiram evitar que a notícia repercutisse em jornais da Europa e dos Estados Unidos. Foi um rombo na reputação de uma instituição que depende de credibilidade para conseguir patrocínios e contratar exposições no exterior e também por aqui.

O buraco nas finanças do Masp é de 10 milhões de reais – além da pendência com a Eletropaulo, o museu deve 4 milhões de reais ao INSS e cerca de 2,5 milhões de reais a credores diversos. Sem dinheiro, o Masp se vê envolvido em uma espinhosa bola-de-neve. Não consegue investir em exposições de grande repercussão, como a Monet – O Mestre do Impressionismo, orçada em 5 milhões de reais e grande responsável pelo público recorde de 700000 pessoas registrado em 1997. Com uma programação de menor brilho, deixa de atrair visitantes e sofre as conseqüências nas bilheterias. Para piorar, hoje cerca de 70% dos quase 470000 freqüentadores (dados de 2006) chegam por meio dos chamados programas de inclusão social e não pagam ingresso.

Construído nos anos 40 e 50 graças à obstinação de seus fundadores, o empresário Assis Chateaubriand e o crítico italiano Pietro Maria Bardi, o Masp tem em seu comando, desde 1994, o arquiteto Julio Neves, autor de projetos como o da Daslu e o do edifício espelhado anexo à Casa das Rosas. A cada dois anos, presidente e conselheiros do museu (responsáveis por aprovar contas e decisões administrativas) são eleitos por um grupo de 68 sócios vitalícios. “São pessoas que fizeram doações ao museu”, diz Neves. Apesar de ter enfrentado oposição na primeira vez em que se elegeu para a presidência – quando derrotou o bibliófilo José Mindlin por apenas um voto –, Neves não teve adversário nas seis eleições seguintes. “É que ninguém quer carregar esse piano”, afirma (veja entrevista).

O piano ficou mais pesado depois do apagão do ano passado. Com a crise, diretores e conselheiros foram obrigados a se mexer para tentar salvar a imagem do Masp. Em agosto, Neves anunciou a contratação do crítico de arte José Roberto Teixeira Coelho para o recém-criado cargo de curador-coordenador, em reação às críticas de que o Masp teria estado sem curador nos últimos dez anos (o cargo era e ainda é ocupado pelo historiador da arte Luiz Hossaka, mais dedicado à conservação do acervo). Outra iniciativa foi encomendar à consultoria Deloitte um plano de ações que inclui a reformulação do modelo de gestão financeira. O trabalho deve ser concluído no segundo semestre. Veja São Paulo ouviu dezenove especialistas e mostra cinco medidas que, combinadas, ajudariam a solucionar o quebra-cabeça de problemas em que se transformou o Masp.

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1. Profissionalizar a administração

Dirigido pelo arquiteto Julio Neves desde 1994, o Masp possui em seu conselho deliberativo trinta membros, eleitos a cada dois anos por seus 68 sócios vitalícios. Quase todos são nomes estrelados, como o cardiologista Adib Jatene, o banqueiro Antônio Beltran Martinez, o secretário estadual de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, e o publicitário Nizan Guanaes. São essas pessoas que, valendo-se de suas boas relações, se encarregam – voluntariamente – de buscar recursos para o museu junto à iniciativa privada. No ano passado, isso significou 2,7 milhões de reais, quase um terço do orçamento total. Sem dúvida é uma fatia considerável do bolo, mas de um bolo com pouquíssimo fermento. Nos caixas do Metropolitan Museum, de Nova York, e da Tate Gallery, de Londres, entraram, respectivamente, 360 milhões de reais e 370 milhões de reais em 2006. Um outro exemplo sem gastar tantas milhas: a Pinacoteca do Estado, que contou com 13 milhões de reais no ano passado, metade desse valor subsidiada pelo governo. Boa parte dos museus internacionais é gerida por executivos e possui em seus quadros os chamados fund-raisers (captadores profissionais). O Guggenheim, que até 1992 contava com um único endereço, em Nova York, se expandiu desde que foi assumido, em 1988, por Thomas Krens, administrador formado pela Universidade de Yale. Hoje, soma cinco unidades (as outras ficam em Bilbao, Veneza, Berlim e Las Vegas). Os grandes museus, ao contrário do que faz o Masp, também disponibilizam em seus sites relatórios anuais com o balanço de contas e a descrição de suas principais realizações. “O Masp é uma caixa-preta”, diz o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil. Segundo ele, a prefeitura repassou para o museu 1,6 milhão de reais em 2006. “Não sabemos como o dinheiro é aplicado. Falta transparência.”

2. Ampliar a área do museu e explorar seus novos espaços

A sede do Masp, inaugurada em 1968, sempre se destacou pela magnitude de seu projeto. Com 11000 metros quadrados, o museu tem cinco pavimentos, sendo dois andares suspensos e três subsolos. O espaço é suficiente para exposições, mas pequeno para outras atividades como restaurantes, lojas e oficinas de arte. É com isso que muitos museus no exterior incrementam seu orçamento. Em Paris, a estrutura do Georges Pompidou, por exemplo, inclui três livrarias, dois cafés, restaurante, ponto-de-venda de suvenires e espaços que podem ser locados para festas. “O restaurante Le Georges, inaugurado em 2000, tem 330 lugares e está sempre lotado”, diz Joël Girard, conselheiro do Georges Pompidou para a América Latina. “Muitos visitantes vão ao museu apenas por causa dele.” O uso do combalido edifício vizinho Dumont-Adams, na esquina da Paulista com a Rua Professor Otávio Mendes, pode resolver a questão da falta de espaço. Em parceria com uma empresa de telefonia, a direção do Masp comprou o prédio e queria demoli-lo para erguer em seu lugar uma torre de 120 metros de altura, incluindo um restaurante com vista panorâmica no topo e uma imensa logomarca da patrocinadora. Por considerar que uma construção desse porte “ofuscaria” o museu, tombado pelo Patrimônio Histórico, a prefeitura não deu o aval para a obra. O caso foi parar na Justiça e a idéia acabou descartada pelo Masp. Uma segunda versão, no entanto, já foi apresentada à prefeitura. De acordo com o novo projeto, a reforma do Dumont-Adams custaria 10 milhões de reais. Cada um dos oito pavimentos seria transformado em espaço cultural. Patrocinadores pagariam 4 milhões cada um para batizar os andares por dez anos. Outras parcerias, como para a construção de um restaurante, garantiriam mais 11 milhões de reais pelo mesmo período.

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3. Licenciar produtos com a marca Masp

Entre 2004 e 2006, a Tate Gallery, de Londres, faturou cerca de 3,8 milhões de reais apenas com a venda de produtos de merchandising – de artigos de papelaria desenvolvidos especialmente para as grandes exposições a bolsas e outros acessórios criados por designers famosos. Trata-se de uma fonte de renda manjada e bem explorada não só pelos museus de fora. Os três pontos-de-venda do Museu de Arte Moderna (MAM), localizados em sua sede e nos shoppings Iguatemi e Villa-Lobos, arrecadam, juntos, cerca de 11% de sua receita anual. Ali é possível encontrar produtos de terceiros, além de 35 artigos com o selo da grife do museu, como chaveiros, canecas, bolas de golfe… Em dezembro, o Masp finalmente tirou a licença para lançar artigos com a própria marca. “Estamos negociando parcerias com possíveis fabricantes”, diz Julio Neves. Atualmente, a lojinha do Masp vende catálogos, livros, camisetas, objetos de decoração e cartões- postais – boa parte dos artigos é deixada lá sob consignação por seus produtores. O museu considera as vendas “irrisórias” e por isso não informa quanto o negócio fatura.

4. Criar uma sociedade de amigos do museu

Quase todos os grandes museus do mundo promovem programas para fidelizar seus freqüentadores. A idéia é garantir que eles os visitem com regularidade e dêem apoio, na forma de dinheiro, para financiar suas atividades. É o caso do Metropolitan Museum, de Nova York, com mais de 2 milhões de obras no acervo. Seu orçamento no ano passado ultrapassou os 360 milhões de reais – 13% desse valor foi bancado pelos mais de 120 000 membros dos catorze programas de admissão de sócios. Eles pagam uma taxa anual de 60 a 20 000 dólares em troca de descontos na loja virtual do museu, no caso da contribuição mais baixa, e de convites para participar de uma recepção oferecida pelo presidente da instituição. Também em Nova York, o Museu de Arte Moderna (MoMA) é outro que tira bom proveito desse tipo de ação. Cerca de 100 000 pessoas aderiram à sociedade de amigos do museu em 2006. Juntas, elas foram responsáveis por 14% dos 280 milhões de reais da receita do MoMA. O Masp não tem nada parecido. “Mas está nos nossos planos”, afirma Julio Neves. “Estamos estudando o modelo de uma sociedade de mantenedores do acervo, que seria composta de pessoas jurídicas.”

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5. Tornar as exposições mais atrativas

Com cerca de 7 600 obras em seu acervo, o Masp tem espaço para exibir menos de 300 delas no 2º pavimento, dedicado à exposição permanente. Quem visitou o local com regularidade nos últimos anos saiu com a impressão de ver quase sempre as mesmas peças. Desde a escolha do crítico de arte José Roberto Teixeira Coelho para o cargo de curador-coordenador, em agosto, isso vem mudando. Ainda que a passos lentos. Por iniciativa de Teixeira Coelho, o Masp realiza agora pequenas mostras temáticas a partir de sua própria coleção, diferenciadas pela cor da parede que lhes dá suporte (verdes, enquanto as demais são creme) e pelos textos explicativos que as acompanham. Atualmente, estão em cartaz ali um conjunto de onze quadros de Toulouse-Lautrec e outro com quatro telas de Cézanne. Trata-se de uma iniciativa simples e de baixo custo que colabora para tornar o museu mais convidativo ao público. “Como não temos muita verba, o jeito é usar a criatividade”, diz o novo curador. Contratado com a missão de “revisar e redirecionar o plano cultural” do Masp, Teixeira Coelho precisa, além de incrementar ainda mais a programação, melhorar urgentemente a iluminação das mostras. “Em muitos casos, a luz incide sobre as paredes claras e, refletida, prejudica a visibilidade dos quadros”, observa o designer Marcelo Dantas, responsável por ambientar a badalada mostra de Anish Kapoor, que passou pelo Centro Cultural Banco do Brasil. A adoção de um serviço de guia em áudio também ajudaria a deixar as obras mais compreensíveis para o público.

“Ainda não joguei a toalha”

Cumprindo seu sétimo mandato consecutivo como presidente do Masp, o arquiteto Julio Neves não enfrentou oposição nas seis últimas eleições. Ele diz que continua à frente do museu “por amor à causa”

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Como a crise financeira do Masp se agravou tanto?

A situação sempre foi complicada. O problema é que o corte da energia elétrica gerou uma visibilidade muito grande das nossas dificuldades.

Por que as contas de luz não vinham sendo pagas?

Até dez anos atrás a Eletropaulo nos fornecia energia gratuitamente. Aí ela foi privatizada e o apoio acabou. Para piorar, o valor da conta mais que dobrou depois que colocamos ar-condicionado no prédio todo. É a nossa maior despesa, cerca de 1,2 milhão de reais por ano.

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Os conselheiros não têm condições de levantar mais patrocínios?

Como você não pode remunerar os colaboradores, tem de se adequar ao tempo deles. A situação do Masp é atípica. Participei, em dezembro, de um seminário no Vaticano ao lado de representantes dos quinze maiores museus do mundo. Só eu não recebia salário.

Quanto o senhor acha que deveria receber?

Nesse caso não seria eu a ocupar o cargo. O Masp precisa ter à sua frente um executivo do nível de um diretor de banco para encontrar um modelo de auto-sustentação.

Então por que o senhor sempre se candidata ao cargo?

Por amor à causa. O entusiasmo é diretamente proporcional a esse sentimento. Continuo entusiasmado, ainda não joguei a toalha.

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