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Ex-funcionários relatam casos de assédio moral na Livraria Cultura

Reportagem ouviu depoimentos de antigos empregados que afirmam terem sido perseguidos por empresa que usava de "táticas de terror"

Por Ricardo Chapola, Matheus Prado
Atualizado em 25 abr 2019, 23h34 - Publicado em 25 abr 2019, 17h25

Após texto do site Passa Palavra que viralizou nesta semana, procuramos ex-funcionários de lojas da Livraria Cultura na capital. Eles relataram a VEJA SÃO PAULO nesta quinta (25) que foram vítimas de assédio moral durante o período no qual trabalham na rede.

Em uma série de depoimentos, mulheres e rapazes expuseram casos de perseguição, troca de hostilidades, cobranças desproporcionais e ameaças feitas por seus superiores durante o expediente. Muitos deles, inclusive, contam que tiveram traumas psicológicos por causa da postura da empresa.

“Sai de lá em dezembro de 2018, porque não aguentava mais. Fiquei com síndrome do pânico. Hoje, sou obrigada a tomar remédio tarja preta e ir ao psiquiatra”, afirma Cássia Izidoro Rogério, que trabalhou na unidade do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, por três anos.

Também bastante traumatizado com o que passou durante o tempo em que atuou na unidade do Shopping VillaLobos, na Zona Oeste, há dez anos, um ex-funcionário que preferiu não se identificar diz que o negócio utilizava táticas de terror contra seus empregados. “A Cultura sempre comprou o silêncio de quem era abusado com bons salários”, relata o rapaz, que também adquiriu síndrome do pânico. “Aliás, depressão e síndrome do pânico são um clássico depois de sair de lá.”

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Existem 132 ações trabalhistas tramitando na Justiça paulista contra a Livraria Cultura desde 2016. Esse número, entretanto, é maior, pois há histórias de assédio que datam de 2004.

Um dos episódios que mais marcou a experiência de Cássia na livraria ocorreu em 2016. Ela conta que o presidente da empresa, Sérgio Herz, convocou uma reunião com todo o quadro de funcionários. Nesse encontro, o empresário teria convidado quem estivesse descontente com o emprego a assinar uma lista. “O que ele disse era que quem colocasse o nome ali seria demitido, com todos os direitos pagos”, relata. Mas, segundo ela, não foi o que aconteceu.

“Lista negra”

Além de muitos terem sido demitidos sem receber suas garantias legais, a relação com nomes elaborada por Herz teria virado uma espécie de “lista negra”, usada por ele como base para perseguir seus funcionários. “A lista virou como se fosse um death note (livro da morte). Por meio dela, Sérgio escolhia no pé de quem iria ficar e também procurar motivos para demitir a galera por justa causa”, afirma Cássia.

Vigias sobre os funcionários eram recorrentes, de acordo com a mulher. Ela diz que o presidente monitorava alguns empregados pelas câmeras de segurança. De acordo com o depoimento, quando não advertia funcionários por deslizes que muitas vezes sequer tinham acontecido, Herz escalava gerentes para ficar na cola dos subordinados. “Os gerentes da loja me torturaram muito. Eles gritavam, humilhavam funcionários na frente dos clientes”, afirma. “Uma vez, vi um colega sendo suspenso porque foi acusado de não ter atendido uma cliente que passou por ele. Mas ele estava guardando um livro.”

Raquel Botelho, designer, trabalhou na loja de 2005 a 2007 e conta que as pressões começavam antes mesmo de virar empregado, durante o processo seletivo. “Eles faziam perguntas sobre a cultura da empresa. Em dinâmicas de grupo, a gente simulava um erro do vendedor que atrapalhava a expectativa do cliente”, diz. “Aí eles induziam a gente a culpar o vendedor pelo problema. Uma grande parte das pessoas, empolgada e com vontade de entrar, respondia que o empregado tinha que ser responsabilizado.”

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Raquel explica que pensava se tratar de algo inocente, mas, ao viver o dia a dia da loja, entendeu o processo. Os vendedores deveriam pagar do próprio bolso os gastos, caso algo atrapalhasse a experiência do consumidor. “Se a gente prometesse uma entrega e o cliente não recebesse na data, o vendedor que estava na nota fiscal pagava e o produto saía de graça”, afirma.

Nem motivos de saúde passavam ilesos da patrulha dos chefes, de acordo com os relatos. Quem falava que tinha de ir ao médico era obrigado a dar detalhes para a chefia. “Um dia tive uma consulta. Meus chefes ligaram no consultório do meu médico perguntando se era verdade”, relata Cássia.

Uma outra ex-funcionária da Cultura do Conjunto Nacional, que não quis se identificar, conta que recebia punições quando pedia afastamento por questões de doença. “Colocavam a gente para trabalhar no posto com maior movimento. E se a gente saísse um minuto de lá para descansar, diziam: mas você não está descansada? Ficou dois dias em casa’”, afirma a mulher que trabalhou na empresa de 2012 a 2018.

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Outro lado

A Livraria Cultura nega veementemente todas as acusações feitas pelos ex-funcionários. Em nota, a empresa informa que os fatos narrados “foram completamente distorcidos”. “Os casos citados supostamente ocorreram anos atrás. Não temos como comentar algo que não se sustenta”, diz o texto.

Afirma ainda que a administração “está muito triste” com o que tem sido dito pelos antigos empregados. No texto, a Cultura comunica que possui uma equipe maravilhosa. “Somos um time que gosta de trabalhar muito e continuaremos fazendo isso para entregar conhecimento e cultura para os brasileiros, além de um serviço incrível”, afirma.

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“Valorizamos todas as pessoas. Por isso, lamentamos as distorções, mas respeitamos o direito de cada um dizer o que pensa. Nossas portas estão abertas para receber os clientes e também os críticos dispostos a nos conhecerem de perto.”

Crise financeira

Os relatos colhidos pela reportagem apenas trazem mais uma camada da crise pela qual passa a Livraria Cultura desde 2014. De lá para cá, a empresa, antes em franca expansão, entrou em uma crise financeira da qual não se recuperou até hoje. O crescimento de sua dívida com os bancos foi um dos fatores que minou o fluxo de caixa da maior livraria do país.

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Há quatro anos, a Cultura devia 90 milhões de reais. A dívida reduziu nos dois anos seguintes, voltando a crescer em 2017 (73 milhões de reais) e mais ainda em 2019 (em março, o valor era de 89 milhões de reais). Com o agravamento da crise, a livraria entrou com um pedido de recuperação judicial em outubro de 2018.

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