As mães dos filhos imperdoáveis fazem filas prestimosas nosportões dos presídios. Os pais não vão, fecham-se emmágoas. São tão raros nessas filas que se pode falar deles,como regra: não perdoam a queda dos filhos, sentem-se traídos.O não perdoar das mães é diferente, volta-se contra elas:não se perdoam. Mais generosas que seus homens, menosorgulhosas na sua mágoa, mais humildes diante da culpa, asmães não se perdoam pelos filhos imperdoáveis, daí prolongaremseu martírio na fila dos presídios.
Outras mulheres também vão, às vezes: a companheiraperfumada para a visita íntima, a irmã levando uma amigacuriosa por conhecer o mundo daqueles doidos, alguma tiamadrinha — mas as mães não faltam, domingo após domingo.Nasce e desenvolve-se entre elas uma solidariedade cúmplice,alimentada pela comparação de histórias e circunstâncias,pelos relatos de uma sequência de acontecimentos ruins,de erros de conduta, de vamos ver se Deus ajuda.
Não faltam. Sabem que aquela é uma vida dura, a dos filhosnos presídios, querem ver pessoalmente se eles têm marcas nocorpo, novas marcas, além das que feriram a alma delas emoutras visitas, e quando as veem sofrem junto com eles as asperezasdaquele mundo de castigos. De que adiantou lá atrás tantopuxão de orelha, remédio para gripe, água benta, prato feito, Pai-Nosso, mão na testa, bê-á-bá, bandeja de brigadeiros, Parabéns aVocê, velocípede, tênis de marca, de que adiantou tudo isso contrao poder do ressentimento, da carência, da sedução do malfeito, da vontade de ter o que a vida negava, da compensaçãomesmo que desonesta, do desajuste, da má companhia, da maldadeincubada, da crueldade aprendida, da rédea frouxa?
Comparam histórias, uma busca no relato da outra ossinais de uma sina igual, testemunhos que a consolam por nãoser a única que errou na formação do filho. Como naquelahistória em que um menino acompanha o trabalho de umescultor com a pedra bruta, até ver surgir um belo cavalo, epergunta para o artista: “Como você sabia que ele estava ládentro?”, assim também uma mãe pergunta à outra:
— Como foi que o bandido surgiu dentro do meu menino?
E ouve:
— Outro dia prenderam um rapaz vizinho meu. Ele estavacom uma moto roubada e a mãe mandou ele devolver. Nãodevolveu e ela chamou a polícia. Estava drogado quandoprenderam ele, e gritava pra ela: “Eu vou te matar! Vou matartodo mundo!”. Agora é só ela que vai lá no provisório visitarele, e ele pede perdão, e ela chora. É assim, amiga, eles vão evoltam, vão pra maldade e voltam pra bondade da mãe deles.
E uma diz:
— O meu vai sair no indulto de Natal. Já montei árvore evou fazer ceia com peru pra ele. Ele não é mau menino, tantoque foi aprovado no indulto.
E outra conta:
— Eu pedi ao juiz pra não dar indulto pro meu, pedi peloamor de Deus. Os maus amigos dele ficaram sabendo que ele iasair no Natal e já estavam rondando lá em casa, esperando ele.Eles ficam assim quando um tá devendo assalto pra eles. Se nãofizer, eles matam. Ameaçam matar a mãe, os irmãos, eu corroperigo se ele sair. Prefiro ele guardado aí, entendeu?, até cumprira pena. Ele cumpre a dele, eu cumpro a minha, que é vir aqui.
O velho carcereiro, acostumado com essa romaria dosdomingos, comenta com o colega:
— Deus não dá conta de acudir todo mundo que tá precisando,as mães ajudam ele.
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