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Jovem vive medo de ser preso após quadrilha usar sua identidade

Enquanto o caso não é resolvido pela Justiça, Leandro Floriano carrega um documento especial em seu bolso

Por Adriana Farias
Atualizado em 1 jun 2017, 15h51 - Publicado em 18 nov 2016, 11h32

Imagine passar quatro anos sob a ameaça de ser preso a qualquer momento, mesmo sem ter feito nada errado. Esse até poderia ser um enredo adaptado do clássico O Processo, do checho Franz Kafka, em que o personagem Josef K. vive o terror de uma condenação por um crime misterioso, nunca informado claramente pelos órgãos oficiais. Mas aqui não se trata de ficção, e sim da história real enfrentada pelo paulistano Leandro Floriano da Silva, de 32 anos.

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O drama começou em 2012, quando o rapaz tentou votar nas eleições municipais e surpreendeu-se ao perceber que seu título de eleitor estava bloqueado. Ao dirigir-se a uma zona eleitoral, foi informado de que havia um mandado de prisão expedido contra ele.

Sem entender a situação, pensou em procurar a polícia, mas foi advertido de que poderia acabar preso antes de conseguir se explicar. Atordoado, recorreu à Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Lá descobriu que um integrante de uma quadrilha especializada em roubo a caixas eletrônicos foi condenado em 2006 na cidade de Londrina, no Paraná, utilizando uma cópia de sua carteira de identidade.

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Para piorar o quadro, o bandido estava foragido. “A partir dali, comecei a viver dias de terror”, conta ele. “Fiquei pilhado, tinha medo de sair na rua e ser preso a qualquer hora”.

Os documentos de Floriano possivelmente chegaram à quadrilha no final de 2005, época em que ele foi assaltado em frente ao Terminal João Dias, na Zona Sul. “Um bando armado em três motos e levaram minha pochete com todos os documentos”, relata. “Fiz o boletim de ocorrência, mas pelo jeito não adiantou”, diz ele, mora com os pais na região do Capão Redondo, na Zona Sul.

falso leandro paraná processo justiça
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Durante dois anos, Leandro praticou um ritual de ir quase que semanalmente à Defensoria de São Paulo e ligar constantemente para o órgão semelhante no Paraná, tentando desfazer a confusão. “Só que era um tal de trocar defensor aqui, trocar outro ali, e o negócio nunca ia para frente. Eu dependia deles, pois nunca tive condições de pagar um advogado”, conta ele, que ganha três salários mínimos em um emprego de vendedor em uma loja de calçados nos Jardins. “Passei a viver como se realmente fosse um condenado, saía à noite e voltava antes das 22h, por exemplo.”

Em outubro de 2014, a Vara de Execuções Penais de Londrina reconheceu o equívoco. “Se denota pelas imagens fotográficas que a pessoa efetivamente condenada se trata de pessoa diversa da que fora presa”, diz a sentença do juiz Katsujo Nakadomari. O magistrado determinou a expedição de um contramandado de prisão a Leandro para evitar que ele fosse preso injustamente em São Paulo.

O caso, porém, não se resolveu, pois o juiz informou que só o Tribunal de Justiça (TJ) poderia retificar os dados da condenação. “Isso porque a pessoa de Leandro Floriano da Silva, filho de Luis Antonio da Silva e Rosilda Floriano da Silva, fora a pessoa efetivamente condenada em decisão transitada em julgado”, escreveu.

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O juiz Nakadomari intimou a Defensoria Pública do Paraná a entrar com uma revisão criminal junto ao TJ para resolver definitivamente o caso, mas isso ainda não havia sido feito até o dia 8 de novembro, cinco dias após VEJA SÃO PAULO procurar a instituição para que se pronunciasse sobre o assunto. “Temos aqui apenas cinco defensores para atender 600 000 habitantes, então é uma angústia para nós também que esse caso não tenha se resolvido ainda”, lamenta o defensor Gabriel Lutz, que ocupa o cargo há três meses.

Em vez de pedir a revisão criminal, Lutz entrou com um pedido de habeas corpus para que a Justiça conceda com mais rapidez a liminar para a exclusão do nome de Leandro como réu, identificando o verdadeiro criminoso. “Comparando os documentos de um e de outro, são claras as divergências de foto [o criminoso tem pele clara, por exemplo], de impressão digital, de assinatura e da data de expedição”, diz. Ainda não há data para que o caso seja julgado.

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Diante disso, Leandro passou a andar com o documento do contramandado no bolso, caso sofresse qualquer abordagem policial. Ainda assim, continuava sem poder votar ou tirar passaporte, por exemplo. “Nessas eleições, queria ter escolhido a Marta Suplicy”, diz. “E nas férias pensei em ir para Argentina, mas fiquei muito receoso”.

Leandro Floriano da Silva 2
Leandro Floriano da Silva 2 ()

O imenso equívoco ocorreu ainda na fase do processo policial, quando o criminoso foi preso e não realizaram sua identificação papiloscópica, ou seja, a das digitais. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), vinculado ao Ministério Público do Estado do Paraná, que efetuou a prisão, informou em nota que não houve erro no procedimento.

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“Diante do documento de identificação civil apresentado pelo suspeito, impediu-se a identificação papiloscópica, uma vez que a Constituição Federal impede a identificação criminal quando um indiciado ou autuado apresente um documento de identidade pessoal”, diz. “Neste caso, inclusive, foi adotado o cuidado de efetuar o registro fotográfico do indiciado, o qual foi juntado nos autos do inquérito policial, visando a dirimir qualquer dúvida quanto à pessoa que estava sendo indiciada no procedimento investigatório”.

Segundo o presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, Romualdo Sanches Calvo Filho, o criminoso se aproveitou disso para se passar por outra pessoa. “O indivíduo que pratica crimes usando documentos de terceiros faz isso para driblar a Justiça”, diz. “Ele poderia ter uma ficha criminal extensa, ser reincidente, mas nunca se soube isso porque ele passou por outro que era um cidadão de bem”.

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E foi dessa forma que o falso Leandro Floriano agiu. Ele acabou condenado como réu primário a catorze anos de prisão em regime fechado, mas ficou preso apenas de agosto de 2006 a janeiro de 2010, quando recebeu a liberdade condicional. Porém, desde 2011 ele está foragido e ninguém sabe sua verdadeira identidade.

Segundo o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), o bandido era o executor de roubos a mão armada em uma quadrilha composta por onze pessoas. O mentor dela era o policial militar Marciel Bezerra de Campos, do 5º Batalhão de Londrina. “Naquela época era considerada uma quadrilha muito perigosa, que agia de forma truculenta e causava temor em toda a cidade”, relembra o promotor Jorge Fernando Barreto da Costa, do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gerco), do MPPR, que trabalhou no caso em 2006.

De família católica, o verdadeiro Leandro Floriano da Silva só sonha em viver de fato em liberdade. “Quando tudo isso acabar vou até o pé de Nossa Senhora Aparecida acender uma vela e agradecer pelas inúmeras preces”.

Leandro Floriano da Silva 3
Leandro Floriano da Silva 3 ()
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