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“Esperei dois meses para pegar minha filha no colo”, conta farmacêutico

Profissional relata muitos casos de automedicação, grande procura pela cloroquina e desuso de máscaras por parte dos clientes

Por Marcelo Alves Ortega, 45 anos, em depoimento a Mariani Campos
Atualizado em 26 jun 2020, 08h38 - Publicado em 26 jun 2020, 06h00

Nos primeiros dias da quarentena, teve muito movimento na farmácia, uma loucura. Muita gente atrás de máscara, de luva e, principalmente, de álcool em gel. Isso durou do fim de março até a metade de abril, agora voltou o movimento normal aqui no Jabaquara. As pessoas estão mais relaxadas, não acreditam no vírus. Tem um monte de gente na rua, bar aberto, uma bagunça. São vários os clientes que aparecem sem máscara e ainda perguntam: ‘Está usando máscara pra quê?’.

O início da pandemia foi bem preocupante. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas até agora a gente também não sabe direito, né? Teve cliente nosso que fez o teste e deu positivo, ficou intubado e ainda está com sequelas. A família inteira de um dos nossos colegas pegou também, então com certeza nós já tivemos contato direto com o vírus. É frustrante não ter onde realizar a testagem gratuitamente, só se pagar. Precisava ter uma maneira de nós, farmacêuticos, irmos ao postinho para fazer o exame, também estamos na linha de frente.

Lembro que no primeiro dia em que foi citada a cloroquina como possível medicamento contra o coronavírus, apesar de nenhuma comprovação, um motoboy desses de aplicativo passou aqui e levou três, quatro caixas. Depois disso um monte de gente veio atrás, um monte mesmo, o que acabou deixando quem realmente precisa sem o remédio, usado para doenças muito dolorosas, como o lúpus. Agora, para comprar, precisa de receita controlada, mas a cloroquina nem está aparecendo mais pra gente, vai tudo direto para o hospital. Da mesma forma que chega consumidor aqui falando ‘eu sei que você tem aí (cloroquina), vende pra mim’, tem cliente que faz o uso do medicamento e não encontra. A pessoa está rodando São Paulo e não acha o remédio, é muito frustrante.

Marcelo Alves Ortega: “O pessoal acredita em tudo o que lê no WhatsApp” (Rogério Pallatta/Veja SP)

(Nesse momento um cliente interrompe a entrevista e afirma ter pego a Covid-19. “Achei que fosse morrer, doía tudo, não conseguia respirar direito. Mas vou lhe contar, me curei com mel e ervas caseiras, dessas anti-inflamatórias. É só disso que precisa.”)

Como farmacêutico, digo que isso não vai fazer nem bem nem mal a ele, não tem fundamento nenhum. É por falta de opção, de informação, que ele faz isso. Estamos no escuro. As pessoas têm se automedicado com frequência. Por exemplo, é grande a procura por vitaminas, mas tudo por conta própria. Chegam aqui e pedem vitamina D. O.k., qual vitamina D? Qual dosagem? Foi o médico que pediu? Se não foi, a gente orienta a não tomar. O pessoal acredita em tudo o que lê no WhatsApp e aparece atrás de qualquer remédio que seja citado, mesmo que não tenha nenhuma comprovação da eficácia. Esses dias mesmo vieram atrás de dexametasona, corticoide que acaba por reduzir a imunidade, só porque está sendo testado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Ninguém espera uma comprovação.

Aliás, esse afastamento do governo federal da OMS é uma palhaçada. Toda essa situação com o Ministério da Saúde vai prejudicar muito o Brasil. Isso virou uma guerra política em meio a uma pandemia. Na minha opinião, o lockdown deveria, sim, ter sido feito logo nas primeiras semanas. A situação seria outra, a gente não fez quarentena de verdade até agora, nunca houve realmente isolamento.

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Estou com muito medo de contrair Covid-19, a minha família também. Tenho criança pequena em casa, uma neném de 3 meses. Esperei dois meses para pegar a minha filha no colo, só segurei depois que ela tomou as primeiras vacinas, que aumentam a imunidade. Antes, eu não ficava nem sequer no mesmo ambiente.

Tem sido estressante para a minha esposa e para as crianças. Além da bebê, tenho mais quatro filhos: um de 2 anos, um de 5, um de 10 e um de 14. Minha esposa passa o dia todo com eles, a casa é grande e tem opção de lazer, mas, mesmo assim, sem as aulas e sem poder sair, fica muito cansativo. Só os mais velhos têm aula on-line, os outros não. É difícil chegar em casa, as crianças vêm abraçar e eu não posso chegar perto, preciso tirar toda a roupa e ir tomar banho antes disso.”

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1 de julho de 2020, edição nº 2693.  

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