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“É o próprio cliente que quer parar o carro”, conta manobrista

"Antes do corona, parávamos de 90% a 95% dos carros, agora é só uns 60%", explica Alexandre Moreira de Almeida, no Diário dos sem-quarentena

Por Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 Maio 2020, 15h19 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00

“No começo da pandemia, os clientes estavam mais preocupados. Cobravam máscara, álcool, proteção. Mas, como somos bem conhecidos aqui — trabalho no Empório Santa Maria pela Padrão Park há onze anos —, os fregueses confiam em nós. Quase 100% dos que vêm usam máscara, assim como nós, e ainda perguntam onde estão os pontos de álcool em gel que foram colocados na loja. Teve uma mulher que, depois de fazer as compras, passou álcool não só na mão, mas quase no corpo todo, do antebraço até o pescoço! Hoje, é como se a pandemia fosse uma coisa mais ‘fixa’, como se se proteger do coronavírus tenha virado um hábito. Quando os clientes chegam, alguns pedem pra estacionar diretamente. Então, a gente só orienta e deixa a vaga pra eles. Antes do corona, parávamos de 90% a 95% dos carros, agora é só uns 60%. E, quando somos nós que manobramos, fazemos a higienização no volante, no câmbio, na maçaneta, no freio… Na hora de entregar, a equipe repete o mesmo procedimento.

Os idosos são os que mais preferem parar direto, assim como grávidas ou alguém que convive com quem tenha algum tipo de doença. O restante deixa o carro com a gente, mas indaga se estamos nos protegendo. No início da pandemia, chegou a ter mais fila de carro porque as pessoas achavam que ia faltar produto, mas, depois, o movimento começou a normalizar e hoje está mais tranquilo. Se não tem carro pra parar, eu e os colegas ficamos conversando. Entro às 14 horas e vou até as 22h30. O turno de verdade era das 15 horas às 23h30, acompanhando o horário do restaurante do empório, que, no momento, só tem delivery. No mercado, estão vindo os mais jovens. Alguns clientes aparecem para ajudar conhecidos, como um advogado de uns 35 anos que percebi que está vindo com mais frequência. Ele disse que faz compras para os vizinhos. Antes, era uma vez por semana, e agora três, quatro. Em média, os mais fiéis frequentavam duas, três vezes por semana, e reduziram para uma. Vinham mais em família. Tenho visto mais gente sozinha. As compras ficaram maiores. O pessoal não quer pegar só vinho, cerveja — compra coisas essenciais, muito produto de limpeza. E tem muito pedido por aplicativos. No geral, estamos recebendo gorjetas maiores (o Santa Maria não cobra pelo serviço). Alguns clientes falam assim: ‘Sabemos que é uma época difícil, então vamos melhorar a caixinha’. Cheguei a ganhar até 150 reais de uma pessoa, mas, no fim do mês, diminuíram as gorjetas, porque tem menos clientes. Éramos em dezesseis manobristas, e o número continuou igual na quarentena.

Moro no Jardim Miriam, com meu filho de 12 anos. Quando saio pra trabalhar na hora do almoço, ele vai pra casa da minha mãe, ao lado. Ela tem 64 anos, é do grupo de risco e fica 24 horas por dia com o meu pai, de 74, sem sair. Se precisam de alguma coisa, ela me liga e deixo uma compra lá. A região onde trabalho (Jardim Paulistano) realmente está em quarentena. Mas no Jardim Miriam você sempre vê um fluxo de pessoas, o que não acho certo. Tem bar aberto sem ninguém dentro, mas com gente na porta, bebendo na rua. O supermercado tá sempre cheio. Alguns vizinhos com família grande deixam os filhos brincar na rua. Sempre recomendo irem pra casa, mas não levam a sério… Por quê? Falta de informação, talvez. Antes da quarentena, quando eu tinha folga, jogava bola na escola do meu filho e andava de bicicleta no Ibirapuera, muito melhor do que os parques da minha região, todos malcuidados. Agora, fico em casa assistindo a filmes ou séries na Netflix.

Vou de carro e demoro pouco mais de trinta minutos pra ir e mais trinta pra voltar do trabalho. Já saio de máscara na cara, ganhei várias tanto das duas empresas quanto de clientes. Antes, deixo tudo organizado pra semana, as roupas de cada dia. Quando volto, não entro na casa com a roupa que visto no trabalho. Logo depois de abrir o portão, vou pra uma areazinha fechada. Lá, deixo a roupa, fico só de cueca, pego uma toalha e vou direto para o banho. E, em cada canto, álcool não falta, em todos os cômodos tem um frasquinho. Estou consciente dos perigos do vírus. Não sei se é porque pesquiso muito ou porque trabalho numa região em que falo com muitos médicos. Eles sempre dão dicas, dizem que tudo vai passar, mas que tem de cumprir a quarentena, porque senão os hospitais não vão ter lugar. Eu, ainda bem, não fiquei doente.”

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 13 de maio de 2020, edição nº 2686.

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