Vocês não imaginam o que é seu carro quebrar numa dessas garagens dos prédios de apartamentos de hoje. Pior se for no terceiro subsolo. Definitivamente pior se for um carrão utilitário. Está certo, veículo quebrado é chateação em qualquer lugar. Mas na rua ela é menor: você aciona o seguro, ele manda um guincho, leva o problema para longe e depois lhe entrega o caso resolvido.
Na garagem do prédio, não. O máximo aproveitamento de área praticado pelas construtoras não deixa espaço nem para trocar pneu com o carro na vaga, quanto mais passar guincho pelos corredores. Entre um automóvel e outro não passa nem mala de rodinha.
Ora, direis, voltando ao argumento dos que acham pior quebrar na rua: e se o modelo estiver carregado para viagem, inclusive com alimentos perecíveis, tipo aquela picanha para os peladeiros ou a maionese da sogra, hein, hein? Melhor quebrar na garagem de casa, né não? Voltaria tudo para a geladeira, na boa. Sim, claro, seria, mas não vamos perder o rumo; o caso que estou contando é o de um carro quebrado na garagem de um condomínio, com desfecho inesperado.
Ao chegar à noite, o motorista notou que o veículo fazia um barulho estranho, descendo a rampa para o primeiro, para o segundo, para o terceiro subsolo. Temperatura altíssima. Ignorantes de motores acham alarmante qualquer puff-puff, e o alarmado motorista considerou mais prudente estacionar em uma das suas três vagas do que parar e dar uma olhada, correndo o risco de o carro morrer no caminho e estorvar a passagem. Por sorte (relativa,claro), foi só acabar de dar a última ré e o motor puuuffffff, perdeu pressão e morreu enfumaçado.
Naquela noite, o dono dormiu-não-dormiu inquieto. Rolava para um lado pensando como ia ser no dia seguinte, rolava para o outro imaginando-se em tratativas com a seguradora: “Tem acesso para o guincho, senhor?”. Se a coisa chegasse a esse ponto, como iriam tirar o automóvel dali? Empurrando rampas acima? Um carrão daqueles cansaria uns dez homens. Ele, dono patético, ficaria por ali mortificando-se sem nada poder fazer. Largaria a bomba na mão do zelador, que não tinha obrigação? Chegava a extremos: e se deixasse o carro lá, a consumir-se, a corroer-se de ferrugem na própria vaga?
A seguradora chegou, o técnico desceu, avaliou o local com mudez de técnico, tentou dar partida, abriu o capô, olhou o vazamento de óleo no motor e no chão, murmurou alguma coisa parecida com cabeçote, ligou para o supervisor, ouviu-se claramente um “nada a fazer” e também a palavra “estourado”. Estendeu um “relatório de sinistro” para o infeliz da garagem, pediu sua assinatura e disse, como quem lava as mãos:
— Agora é com a mecânica.
Foi-se com o papel e deixou o segurado com as dúvidas. Iam consertar ali mesmo? Instala-se uma pequena oficina na garagem? Desmonta-se o carro? Cinco dias de apelos. Da parte deles, justificativas de que “o equipamento” estava em uso. Afinal chegou uma turma com um pequeno guindaste, içou o motor, ajeitou-o na caminhonete e o levou. Quando estivesse pronto, disseram, a seguradora entraria em contato.
Não entrou. Ele ligou e, estranhamente, seu motor havia desaparecido. Uma quadrilha havia assaltado a caminhonete da seguradora; a polícia acha que a peça foi parar num desmanche. Brasil.