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O boto e o príncipe

Confira a crônica da semana

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
17 mar 2017, 20h47

Por Ivan Angelo (ivan@abril.com.br)

No grande mercado municipal de Belém do Pará, numa daquelas tendas que vendem ervas, raízes, sementes, infusões e outras promessas de cura, ofereceram-me às escondidas, sem que eu procurasse, talvez por causa dos meus cabelos brancos, o órgão sexual de um boto, ressecado, para ralar um tiquinho na comida durante a preparação, e o muambeiro emendou: “Desde dom Pedro i não há homem que negue fogo com essa ajuda do boto”. Que é que tem a ver Pedro I com o boto? O imperador abdicou há 186 anos, a se completarem no próximo 7 de abril, e a fama dele persiste. a única coisa que levei dali foi um assunto para a crônica.

Especialistas em lendas brasileiras afirmam que somente no século XiX começaram a circular as lendas do boto na região amazônica, nos rios, nas povoações ribeirinhas, na floresta, nos acampamentos, nos barcos — histórias que viajaram rumo ao Sul na boca de desbravadores, aventureiros, exploradores e viajantes. Que, se dizia, e se diz, o boto saía do rio, transformado num bonito moço, e cheio de charme seduzia mulheres nos bailes, transava com elas até antes do amanhecer, voltava para o rio e mergulhava, de novo virado boto. Filhos sem pai eram filhos do boto. Uma canção famosa de quando eu era menino alertava os pais: “Foi boto, sinhá; / foi boto, sinhô; / quem tem filha moça é bom vigiar”. as lendas diziam mais: que o moço era elegante, vestido de branco, chapéu branco meio de lado, de lábia envolvente, ótimo dançarino, farrista, amante incansável. Quem não reconhece aqui o protótipo do malandro brasileiro, carioca principalmente?

Vamos para o Rio de Janeiro do século XIX. O príncipe Dom Pedro de alcântara é descrito pela historiadora e cientista política isabel Lustosa, em seu livro D. Pedro I, como “um jovem pândego, mulherengo, farrista, que gostava de música, de cantorias” e que se tornara “um personagem das ruas, das praças, que se misturava com a gente comum, que não atendia às convenções, nunca permitindo que o príncipe sufocasse nele o homem”. Disfarçado de rapaz comum, comparecia a festas populares, conquistava mulheres do povo e voltava leve para o palácio, como se dizia que o boto voltava para a água, lá na amazônia. Já mais tarde, e já imperador, foi descrito pela historiadora Lustosa como homem cujo “apetite sexual foi sempre excessivo”, que não economizava cantadas: “as que lhe agradavam, fossem mucamas, criadas, estrangeiras ou damas da corte, ele assediava”. não dispensava nem mesmo irmãs de suas amantes. Casado havia pouco com a princesa austríaca dona Leopoldina (casou-se aos 18 anos), ficou de rolo com a dançarina Noemi Thierry, cuja irmã já fora caso seu. Noemi foi despachada grávida de seis meses para Pernambuco. Filho de boto. Coisa parecida aconteceu com Domitila, que viria a ser a célebre marquesa de Santos. O Pedro boto já tivera caso e filho com a irmã dela, Maria Benedita, e depois ficou com Domitila por sete anos.

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São contemporâneos, o boto mítico e o príncipe que se tornou nosso primeiro imperador, dom-juans oitocentistas, malandros brasileiros.

O povo brasileiro é visto como sedutor pelos estrangeiros que nos visitam. a sedução passa nos olhares, palavras e gestos. É um jeito. Sedutor seja no modo de fazer política, de um Juscelino Kubitschek, seja no estilo de vida de um Vinicius de Moraes, que se casou nove vezes. O brasileiro médio aceita, compreende e inveja o sedutor porque isso é o que ele, lá no fundo da alma, desejaria ser. Como disse o discreto, mineiríssimo e moita Carlos Drummond de Andrade: “Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.

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