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O dia de todos eles

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 15h54 - Publicado em 14 jun 2013, 17h00

Ela leva o Dia dos Namorados ao pé da letra, no plural: comemora com os que tem e com os que já teve. Sei que vocês repararam na expressão “os que tem”; sim, minha amiga é namoradeira.

A comemoração não tem interesse material, o de ganhar presentinhos em retribuição, ou sentimental, o de se saber lembrada. É quase uma brincadeira, é graça, charme. E os ex, quase todos, surpresos, envaidecidos, ao receberem um cartão, um SMS, um bombom, um torpedinho, um e-mail, um botão de flor, retribuem, e vão ficando mais à vontade a cada ano. Alguns cometem o engano de julgar que é uma cantada, um pretendido revival, recomeço, como pensou um americano que ela namorou nos anos 80 ao som de Cazuza. Ele já se dispunha a vir ao Brasil, empolgação que ela teve de amainar: “Menos, Bob, menos”.

Não quer nada em troca, mas recebe às vezes um agrado, encantada com o carinho. “Os homens são uns amores quando acariciamos o ego deles”, diz, maliciosa.

Conseguiu superar até ressentimentos, com a ideia de que não vale a pena hostilizar, ou aceitar passivamente a indiferença de quem já nos deu tantos beijos prazerosos, tantos abraços mais que abraços. Mesmo os namorados ligeirinhos, de nem um mês, de colégio, de uma história sem importância, são lembrados, quando consegue encontrá-los no Facebook. Pensa, entre delicada e vaidosa, que pode ter sido importante para algum deles. “Somos inesquecíveis para tanta gente que esquecemos”, me diz, de perfil.

Toma cuidados com os hoje casados. Esqueci de dizer que minha amiga não é nova, é moça de seus 54 anos bem beijados. Casou-se algumas vezes, “sem compromisso”, diz ela; também usa a expressão “sem assinatura”; e sempre se casou “com muito amor, paixão mesmo”, mas o amor acaba, diz ela, citando o cronista mineiro Paulo Mendes Campos: “para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba”.

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Os hoje casados têm mulher possivelmente ciumenta, o que torna minha amiga cautelosa na sua brincadeira desinteressada. A cada ano manda para os casados cartões com uma frase de que as esposas vão gostar, acredita. A deste ano: “Ainda bem que você se casou com ela e não comigo. Assim, sua felicidade está garantida”. Para os ainda solteiros ou separados, a frase deste ano seguiu num cartão perfumado de Dia dos Namorados: “Não pense que você é inesquecível. Só me lembro de você uma vez por ano”. Para aqueles de quem espera uma chance, escreveu: “Um dia ainda ponho você no meu freezer, junto com o sorvete de coco, para saborear numa noite quente”.

A comemoração é mais intensa com os namorados mesmo. São dois, e dos dois faz um, como a personagem de Jeanne Moreau no filme de François Truffaut Uma Mulher para Dois — aliás, sua heroína-modelo. Um sabe do outro, que ela não é de traições nem de exclusividades quando não está casada, ou quase. Um é talentoso, o outro é mais forte; um não gosta da noite, o outro toca jazz; um veio de Minas, o outro é mais novo que ela; um faz psicanálise, o outro é bem moreno. Dividiu seu Dia dos Namorados entre os dois. A um, ofereceu o almoço dos seus encantos, ao outro, o jantar das suas maravilhas.

e-mail: ivan@abril.com.br

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