E, como o guru afirmasse que os homens deveriam conformar-se com o bem-viver, os ouvintes estranharam o uso do verbo “conformar-se”, uma vez que o bem-viver era o prêmio de uma vida, o melhor que cada pessoa poderia alcançar. O mestre explicou que nem sempre os homens reconhecem o bem-viver, e continuam a buscar o que já têm.
— Trabalhar demais não se harmoniza com viver bem. É bom evitar que o trabalho que você faz para viver o impeça de viver. Dê-se tempo para fazer o que você gosta de fazer, coisas que as pessoas apreciam que você faça. Pode ser até um molho de macarrão.
O guru, de meia-idade, moderno, best-seller de livros de autoajuda, celebridade, tornava-se aos poucos a atração da festa de grã-finos e reunia em torno de si ouvidos curiosos.
— Para viver bem, o homem tranquilo não se estressa atrás da última notícia, da última cotação se não é o seu negócio, da última moda, de assistir à última peça ou filme, de saber da última fofoca sobre o governo. Não tem realmente importância você não ser o primeiro a saber.
Um velho banqueiro, quebrado e alquebrado, elevou sua voz potente:
— Diga-me, rapaz, o que você considera boa vida? Vinho, mulheres e música?
— Se me permite, senhor, esses três elementos são simbólicos. Eles foram citados por Martinho Lutero, que era padre, católico, contestou o catolicismo de 500 anos atrás e reformou a Igreja. O que ele disse foi: “Quem não gosta de vinho, de mulher e de música vai ser um tolo a vida inteira”. Era o contrário do que pregava a Igreja, e ele era bom nas três coisas.
— Pois diga-me, rapaz, são elementos simbólicos em que sentido?
— O vinho, meu senhor, simboliza o abandono, o êxtase. Os mesmos efeitos podem ser obtidos com outras substâncias, mas é no vinho que se encontram o sabor, o aroma, a antiguidade. O vinho pede tempo, ambiente, comidas, pede conforto, companhia. Sem muito barulho. Nada de sol. Ele se satisfaz com alguns amigos de boa conversa e uma mulher, para dar leveza.
— E as mulheres, representam o quê, rapaz?
— Ah, senhor, representam as alegrias do corpo, o abraço, o erotismo. Uma mulher por vez; mais do que isso, perturba. A uma, o homem serve melhor, e se serve melhor. Fazer-se amado exige atenção, aplicação, doçura, delicadeza na voz e nos gestos. Nos ensina muito, suaviza, educa… Se me permite uma brincadeira, senhor, o amor dá à dupla uma satisfação tripla.
— Vejo que você cultiva bem as palavras, rapaz. E a música, simboliza o que nessa fala do Lutero?
— A arte em geral, a busca da perfeição. Simboliza os momentos elevados do espírito. Arte pede silêncio, calma. Existe a música de sobressaltos, feita para dançar, cantar, tirar o pó do espírito — que tem sua hora e pede festa, agitação. A que pede silêncio é a música para ouvir. Na hora neutra da tarde, é bom fechar os olhos e acompanhar o desenho dos sons musicais, a matemática das estruturas, a progressão aritmética que dá volume à música.
— Rapaz, não imaginava que houvesse tanta coisa dentro de três palavrinhas.
— As palavras, senhor, são cofres cheios de tesouros.
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