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Complexo de dinossauro

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
19 Maio 2017, 18h06

Lembra-se da palavra “faculdade”? E de uma outra, com cheiro de infância, “refrigerante”? De uns tempos para cá, vocábulos com mais de três sílabas entraram para a lista de ameaçados de extinção, como se fossem o mico-leão-dourado e a ararinha-azul dos dicionários. Refrigerante virou refri e faculdade, facu. Coreografia reduziu-se a coreô e liquidação foi traduzida pelo breve sale. Nem mesmo a trissilábica “beleza” escapou da sanha redutora. Virou belê e ficou tudo por isso mesmo.

A preguiça de usar palavras longas não perdoa nem as modernidades. Chegou aos aplicativos, serviços que todas as empresas do mundo colocaram nos celulares dos usuários. Saldo de banco, check-in em companhia aérea, cardápio de restaurante, táxis e peguetes, tudo está no aparelho que os mais conservadores ainda usam apenas para falar com outras pessoas. Mas o nome do serviço mudou. Agora é tudo “apepê” — ou “épi”, como querem os poliglotas.

Fico pensando nos que resistem ao avanço da tecnologia. Tenho uma amiga que não se conforma em ninguém mais estender o braço na rua para chamar um táxi. Moradora num cantão suíço, ela sempre leva um susto quando vem ao Brasil. Estamos completamente entregues ao reducionismo: da mesma maneira que economizamos sílabas, também poupamos esforços. Mesmo para falar com outra pessoa, optamos pela mensagem de voz, que é gratuita e não permite contestação imediata. O outro responde, mas perde-se o ritmo do diálogo.

Até quando se pode resistir? O computador tornou-se parte inseparável de nossa vida. Ele e suas filhas malvadas, as chamadas automáticas. Para marcar médico no convênio, nem pense em encontrar um funcionário humano. É tudo máquina, mandando teclar 1 para cirurgias, 2 para extração de menisco ou 3 para mudança de sexo. Se o cliente é de uma geração sem habilidades tecnológicas, azar o dele. Quem mandou nascer tanto tempo atrás?

É de espantar a paixão com que nós, brasileiros, nos jogamos nas mãos da tecnologia mais mundana. Trocamos mensagens de texto e voz num ritmo alucinante, como se a bateria e o mundo fossem acabar nos próximos minutos. Em ônibus lotados e salas de espera, afundamos o olho no celular e só nos ligamos ao mundo lá fora. Ignoramos o aperto, o atraso do médico e o constrangimento de estar sozinho numa mesa de restaurante.

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É evidente que boa parte desses novos serviços veio para facilitar a vida. não faz muito tempo, para entregar a declaração do imposto de renda era preciso preencher toneladas de formulários, fazer os cálculos por conta própria e, no fim do processo, enfrentar uma longa fila nos bancos. alguém aqui deve se lembrar dos plantões que as agências faziam para receber as declarações. Hoje, uma meia dúzia de toques nos jogam na goela do Leão faminto.

Está cada vez mais difícil encontrar quem use palavras de cinco sílabas e viva sem um aplicativo no celular. Conhecer alguém que nem celular tenha é praticamente impossível. Adoraria reunir os imunes à tecnologia num congresso, mas não saberia como convocar todo mundo. Alguém lembra como se passa um telegrama?

(mario@abril.com.br)

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