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Corregedoria da PM apura se agentes faziam ‘bicos’ em escolta privada

Casos vieram à tona após os próprios policiais acionarem a Justiça do Trabalho alegando vínculo empregatício com empresa de segurança

Por Hyndara Freitas
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h23 - Publicado em 28 out 2022, 06h00
Polícia Militar.
 (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)
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A Corregedoria da Polícia Militar está apurando se agentes da ativa trabalharam para uma empresa de segurança privada fazendo escolta de moradores do Morumbi, após os próprios policiais acionarem a Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa. De acordo com o estatuto da corporação, o exercício de agente da ativa como segurança privado é considerado transgressão disciplinar, que pode acarretar em punições que vão desde advertência até expulsão.

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Em 2020, Marcelo Pereira ajuizou ação contra a Oliban Serviços de Controle de Acesso e Acompanhamento de Pessoas Ltda. alegando que prestou serviços de segurança particular entre 2015 e 2020. Armado e pilotando uma moto ou dirigindo um carro, ele era responsável por fazer a segurança de pessoas chegando ou saindo de suas residências ou empresas no bairro nobre da capital, segundo informações do processo. Ganhava entre 225 e 260 reais por diária de serviço, que era prestado nos dias em que ele tinha folga da PM — onde a escala de trabalho é de doze horas, seguida de um descanso de 36. Ele pediu mais de 200 000 reais de verbas trabalhistas. A Justiça negou o pedido em primeira instância justamente porque, como policial da ativa, ele não poderia exercer outra função simultaneamente. Pereira recorreu e aguarda decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

O policial Sidiney Souza, por sua vez, teve um desfecho diferente: em 2018, processou a mesma empresa e saiu vitorioso. Em 21 de janeiro de 2019, a juíza Danielle Viana Soares, da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu que ele de fato foi empregado da empresa entre junho de 2016 e dezembro de 2017. A empresa foi obrigada a pagar verbas trabalhistas, como descanso semanal remunerado e horas extras, por não ter horário intrajornada e contribuições previdenciárias, valor que somou 117 011,65 reais.

Outro processo de 2018 foi ajuizado pelo policial Ezequias Gonçalves. Em seus depoimentos, disse que trabalhava como segurança nas folgas da PM, ganhava 220 reais por dia e usava a própria arma para fazer o serviço. Na oitiva, disse que a empresa só contratava policiais justamente pela licença para andar armado. Em fevereiro de 2019, ele teve reconhecido o vínculo empregatício, mas a empresa recorreu e, em fevereiro de 2020, o TRT reverteu a decisão.

O regimento disciplinar da PM veda o exercício de atividades de segurança privada por policiais da ativa. Quando há denúncia do tipo, a Corregedoria da PM é acionada e é aberto um processo disciplinar. Por outro lado, isso não impede que a Justiça do Trabalho reconheça o vínculo empregatício de um policial da ativa com uma empresa privada. O professor de direito do trabalho Ricardo Calcini explica que, do ponto de vista administrativo, há a possibilidade de punições. “Quando ele busca um vínculo de emprego com uma instituição privada, acaba gerando um desvio de comportamento, porque ele é um servidor do Estado e, quando está ali trabalhando nos interesses de uma entidade privada, isso acaba sendo desvirtuado”, comenta. Apesar de proibidos, os “bicos” na PM são comuns e ganharam até uma orientação do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que prevê a possibilidade de se reconhecer o vínculo empregatício de policial militar com uma empresa privada. Cabe aos juízes, caso a caso, verificarem se está caracterizada a pessoalidade, a subordinação e a continuidade do trabalho. Mas é comum que, ao depararem com processos como esses, os juízes comuniquem à Corregedoria da PM — foi o que ocorreu nas situações citadas acima.

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As ações chegaram ao conhecimento da Corregedoria e os casos são alvo de uma guerra de versões. Informações que constam em processos na Justiça Comum, Trabalhista e em investigações policiais mostram que a situação seria recorrente.

Nas demandas trabalhistas, os policiais alegam que quem os contratou foi Samuel de Oliveira, um policial militar aposentado, e que ele comandava a Oliban junto do tenente aposentado Rubens Brisola, que seria o responsável por fazer as escalas na empresa de segurança privada, de forma que não coincidisse com o horário de trabalho na PM. Oficialmente, nenhum dos dois consta como sócio da empresa. Depoimentos dados à polícia e que constam em um dos processos judiciais dizem que Samuel e Rubens eram amigos e que, em 2007, abriram uma empresa de serviços de segurança chamada Olibri, na qual era sócia a ex-esposa de Samuel — essa empresa foi dissolvida em 2016.

Os policiais que entraram com as ações trabalhistas afirmam que a Oliban e a Olibri, aberta posteriormente, são, na prática, a mesma empresa, e que teriam os dois como chefes. Como reação às ações, Samuel acionou o TRT2, a Polícia Federal e a Justiça Militar alegando que os policiais haviam cometido crimes contra a honra, dado falso testemunho e estariam em “conluio”. As representações foram arquivadas. Em depoimento dado à polícia, que consta de processo trabalhista, Rubens diz que sabia que doze policiais militares — alguns dos quais ajuizaram as ações trabalhistas — “exerciam atividade extracorporação” e que ele “já tinha feito contato com esses policiais a fim de indicá-los ou ajudá-los”.

Samuel ainda fez requerimentos à Corregedoria da PM informando sobre os processos dos quais é alvo e pediu providências disciplinares contra os policiais. A reportagem buscou a defesa de Rubens e Samuel, mas não recebeu resposta. Despacho da Corregedoria da PM do último dia 8 de outubro no Diário Oficial determina a instauração de uma sindicância para apurar “o exercício de atividades estranhas à instituição por policiais militares” e poderá apurar, inclusive, a eventual responsabilidade dos agentes aposentados. O documento destaca que há várias questões a ser esclarecidas e aventa a possibilidade de haver mais casos semelhantes.

A reportagem tentou contato com as defesas dos policiais, por intermédio do advogado que representa dois deles, mas não foi atendida nos telefones que encontrou. Outro advogado foi contatado, mas não retornou.

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Em nota, a PM afirmou que as punições que podem ser aplicadas aos militares do Estado estão previstas no Regulamento Disciplinar da instituição, inclusive para os agentes inativos. “No caso de policial militar que praticou a transgressão disciplinar na ativa e passou para a inatividade, poderá ter instaurado em seu desfavor procedimento disciplinar, podendo ser punido disciplinarmente por sua conduta praticada na época em que estava ativo”, destacou a corporação. A Corregedoria não soube informar o número de policiais militares que já foram punidos pela prática de atividade estranha à corporação.

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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

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