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Casas de repouso proíbem visitas e investem em novas atividades

Instituições criam medidas alternativas para entreter e cuidar dos idosos e ONGs se reinventam para manter trabalhos sociais nesses locais

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 Maio 2020, 16h01 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00

As restrições de contato social provocadas pelo coronavírus atingiram em cheio um público que vivia confinado à espera de alguma novidade vinda da rua. Sem poderem receber a visita de parentes e de amigos, e com a suspensão de boa parte das atividades terapêuticas terceirizadas, os idosos que vivem em casas de repouso particulares da metrópole se viram de uma hora para outra em uma espécie de confinamento do confinamento. A necessidade de reinvenção levou muitas empresas a criar medidas alternativas, algumas de baixo impacto financeiro, mas de bons resultados emocionais. No Residencial Club Leger, inaugurado no ano passado e próximo ao Pico do Jaraguá, Lord, um golden retriever de 8 anos, virou a mascote dos dez idosos que vivem no espaço — cada um paga em média 9 000 reais por mês. Recém-chegado, o animal supriu parte da carência afetiva provocada pela pandemia. “Os nossos moradores tocam nele, acariciam. Ele agora faz parte do meu time de terapeutas”, afirma o administrador Vinicius Neves. No Solar Ville, em Alphaville (mensalidade a partir de 11 000 reais), os idosos com certa autonomia que iam apenas passar o dia não puderam mais entrar desde março. Os sessenta moradores, que ficaram proibidos de sair, criaram uma espécie de gincana de caminhada. “Tive de fazer uma pequena reforma no jardim”, afirma Pedro Garaude, proprietário do local. “Nosso hotel é um lugar para idosos independentes. Muitos têm carro, saíam para visitar a família, e a pandemia gerou diversas inquietudes. Precisamos encontrar maneiras alternativas para manter o alto-astral deles.”

(Alexandre Battibugli/Divulgação)

Alguns lugares conseguem dar um jeitinho na situação e promovem encontros familiares rápidos e a distância. “Chamamos de visitas drive-thru. Os idosos não chegam perto, dão um tchauzinho de longe. Sei que o pouco tempo é bom para as duas partes”, reconhece Gilberto Camilo, gerente do Lar Sant’Ana, com unidades no Alto de Pinheiros e no Butantã e preço médio de 15 000 reais por mês. “Aquele idoso que é mais consciente sente falta do contato externo, mas entende a situação. O nosso maior desafio é com os mais dependentes. Muitos não compreendem o momento pelo qual estamos passando e estão sentindo mais.” Para o Dia das Mães, em vez de um grande evento como em anos anteriores, com direito a música ao vivo, a instituição vai promover na hora do almoço uma live com um cantor contratado. Na setlist, clássicos dos clássicos, como Roberto Carlos, Frank Sinatra, Cartola e Orlando Silva, não poderão faltar. Assim como no Leger e no Solar Ville, o Lar Sant’Ana não registrou nenhum caso de coronavírus entre funcionários e moradores.

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Caminhada no Solar Ville: reforma para criar atividade especial (Alexandre Battibugli/Divulgação)

Enquanto a quarentena muda a vida dos hóspedes e das empresas, a rotina dos familiares também é alterada. Com a avó internada no residencial D’Pádua (a partir de 7 800 reais mensais), no Alto de Pinheiros, a advogada Vanessa Lígia passou a interagir com ela pelo celular. “As ligações por vídeo têm ajudado, conseguimos saber se ela tem se alimentado bem, mas não chamamos toda hora porque sabemos que ela fica irritada.” O local, que possui mais três unidades, disponibilizou às famílias o acesso às câmeras de segurança. A atenção inicial aos familiares dos idosos internados em clínicas é um dos momentos mais importantes do processo. Muitas vezes há históricos de desentendimentos entre irmãos, pressão por parte de parentes e brigas que duram anos  “A família geralmente chega muito fragilizada. Esse tabu (do asilo) no Brasil é grande, pois o brasileiro tem uma cultura de lar, doce lar. É comum pessoas se desdobrarem para garantir o cuidado com o idoso em casa, mas nem sempre dá certo. A solução muitas vezes é ter à disposição uma equipe especializada”, explica a terapeuta ocupacional Mayara Regina Martins.

Outra parte importante no processo de acolhimento e entretenimento de idosos foi deixada de lado durante a pandemia. Sem acesso a esses locais, muitas entidades assistenciais que prestavam serviços voluntários precisaram se reinventar. Criado em 2018, o Arte de Amar é um projeto que disponibiliza telas e tubos de tinta para os idosos em abrigos públicos e particulares. Como não tem mais os voluntários que ensinam arte e auxiliam na limpeza subsequente, a saída foi mudar os produtos. Em vez das telas, serão disponibilizados a partir da próxima semana papel canson com desenhos e lápis de cor, que não dependem de tutores para o aprendizado. “Muitas casas se resumem a grupos de pessoas sentadas perto de uma televisão, a maioria dormindo. Quando chegamos, nossos eventos têm músicas. Todo mundo se sente importante, sente que tem futuro. Cada um vira artista”, afirma o rabino Shalom Ber Gourarie, responsável pelo Arte de Amar.

Rabino Shalom Ber Gourarie, do Arte de Amar: “Cada um vira artista” (Alexandre Battibugli/Divulgação)

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Sem poder distribuir flores a setenta casas de repouso da capital, a ONG Flor Gentil, que recolhe e recebe doações de festas e eventos, promoveu uma arrecadação para a compra de máscaras de pano. Os 13 000 reais conseguidos de doação foram suficientes para a compra de 4 500 unidades, distribuídas em dezoito locais carentes. O próximo desafio é arrecadar 10 000 reais e levar 600 litros de álcool em gel para quarenta casas de repouso. As doações podem ser feitas pelo site. Outra instituição que não pode mais atuar é a Velho Amigo, que atende 158 idosos de Heliópolis. Lá, a saída foi realizar atividades on-line, como aulas de ioga e bate-papos virtuais. “Apenas oito dos nossos idosos não entram na internet”, comemora Debora Santos de Conti, coordenadora do projeto.

(Arquivo Pessoal/Divulgação)

Diferentemente do que ocorre com as instituições particulares de primeira linha, as do setor público e as filantrópicas enfrentam todo tipo de desafio, da superlotação à falta de equipamentos de proteção, passando por abandono e escassez de profissionais. Até 1º de maio foram registrados catorze óbitos por coronavírus de idosos em instituições carentes da cidade. Nesses locais, mais de oitenta casos foram confirmados. O Ministério Público abriu um processo de investigação para apurar as causas e consequências. “Queremos que a prefeitura, ao receber a notificação de casos suspeitos, compareça na instituição para fazer o teste rápido. Se der positivo, tem de testar todo mundo e isolar os doentes”, afirma a promotora de Justiça Cláudia Beré. A medida, nesse caso, pode ser de difícil solução. “Muitas instituições estão lotadas, há casos em que dormem quatro pessoas no quarto. Se não houver como isolar, o idoso terá de sair de lá. A primeira opção é a família. A segunda é um hospital de campanha.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 13 de maio de 2020, edição nº 2686.

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