Bel, quase 6 anos, passeia pelo shopping enfeitado com as cores e agitado pelos sons do Natal. Entronado em um cadeirão, um Papai Noel posa para fotos com as crianças.
— Vô, você tem foto com Papai Noel, de quando era criança?
— Não, não tenho.
— Por quê?
— Ah, não tenho. Avô não tem isso. Pergunta se algum avô das suas amiguinhas tem foto com Papai Noel. Não tem.
— Não tinha Papai Noel?
— Ter, tinha. Mas a gente não via.
— Nem no shopping?
— Não tinha shopping.
— Não tinha shopping?!
— Não.
— Você está mentindo, vô. E onde que comprava, então?
— Tinha loja na rua, tinha rua só de lojas e tinha loja que vendia de tudo.
— Tudo?
— O que você quisesse.
— Não via Papai Noel nem na televisão?
— Não tinha televisão.
— Ah, vô, brincadeira.
— Verdade. Ainda não tinham inventado a televisão.
— E o que você fazia depois da escola, então?
— Brincava. Jogava bola. Bolinha de vidro. Pique. Batia figurinha. Pulava corda.
— No playground?
— Não tinha playground.
— Não tinha nada, vô! Brincava onde?
— Na rua. Prédio não tinha playground. Brincava na rua mesmo. O playground era a cabeça da gente. Quase todo mundo morava em casas. Onde não tinha prédios de apartamentos, também não tinha carro.
— Minha mãe não me deixa brincar na rua. Nem sair do portão pode, que é perigoso, passa carro, tem ladrão.
— Isso mesmo. E faça o favor de obedecer, viu? Quase não passava carro na nossa rua. Ninguém que a gente conhecia tinha carro.
— E como que ia pra escola, como que ia trabalhar, passear…
— De bonde. Já te expliquei o que era o bonde. De ônibus.
— De metrô…
— Não, metrô não tinha.
— Vô, eu tou achando que esse seu tempo não era muito bom não.
— Era, era bom sim. Nem ladrão aparecia, o portão ficava aberto.
— Ah.
— Verdade, Bel. Tinha ladrão, mas a gente não via, igual não via Papai Noel.
— E se chovia? Não podia brincar na rua.
— Aí ficava em casa.
— Fazendo o quê?
— O mesmo que você. Jogos. Via revistinha, livro. Ouvia histórias. Desenhava. Brincava de bonecas…
— …da Disney… Barbie… Hello Kitty…
— Não, isso não tinha.
— Não tinha a Hello?!
— Assim você me deixa arrasado, Bel. Não tinha a Hello, pronto.
— E Papai Noel? Tinha o de verdade e o de mentira?
— Como assim?
— Esse Papai Noel que a gente vê no shopping é de mentira. O que a gente não vê é que é de verdade.
— Se não vê, como sabe que é de verdade?
— Porque eu ganho presente no Natal, ué. No meu aniversário, é o meu pai e a minha mãe que me dão presente. No Natal, é o Papai Noel que dá.
— Ah, bom.
— Mas a minha madrinha também dá, e meu outro vô, você, minhas duas vovós, minhas tias, meus tios… Eu ganho um monte de presentes. Um monte! E você, ganhava quantos?
— Um, unzinho só. Do Papai Noel.
— Ó, vô, acho que eu não ia gostar do seu tempo não.
— É, acho que não. A gente só gosta do tempo da gente.