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Apreensão de animais silvestres na capital cresce 37%

Alta se deu após rearranjo na Polícia Ambiental e ações recentes para desmantelar cativeiros ilegais; penas aos infratores ainda são leves

Por Adriana Farias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 mar 2018, 20h53 - Publicado em 16 mar 2018, 06h00

Por volta das 6 horas do último domingo (11), frutas e legumes da feira livre da Vila Mara, na Zona Leste, misturavam-se com dezenas de gaiolas. Todos os fins de semana, costuma ocorrer por ali um dos principais feirões de animais silvestres da capital. No local, são vendidos ilegalmente sobretudo pássaros, que aparecem também aprisionados em caixas de leite e de sapatos e até em rolos de papel higiênico. Os preços ficam na média de 100 reais.

Dessa vez, entretanto, a farra durou pouco. A Polícia Militar Ambiental deflagrou uma operação na área, com cinco viaturas. Descobriu um cativeiro clandestino a 16 quilômetros dali, em Cidade Tiradentes, de onde vinham os bichos. Tratava-se da casa do vendedor Marcelo Oliveira, de 40 anos. Ele ergueu um andar inteiro para manter ao menos trinta aves trancafiadas, entre elas um cancão e três galos-de-campina, originários do Norte e Nordeste. “Não faço tráfico, eles são meu hobby”, justificou. Na ação, a polícia deteve seis pessoas — todas respondem em liberdade —, apreendeu 56 aves e aplicou multas de 42 900 reais, no total.

Antônia Souza: oito bichos exóticos como pet em casa (Drago/Veja SP)

Na capital, o número de apreensões de animais silvestres cresceu 37%, de acordo com dados da PM Ambiental — saltou de 3 088, em 2016, para 4 228, em 2017. Os principais alvos dos criminosos são as aves canário-da-terra-verdadeiro, trincaferro e coleirinho-papa-capim. A corporação atribui o crescimento a um rearranjo em sua organização e a uma nova tecnologia.

No ano passado, cinco bases administrativas foram fechadas e realocadas no Horto Florestal. “Isso significou quarenta policiais a mais nas ruas, que antes realizavam serviços burocráticos e de guarda e passaram a participar de operações de fiscalização”, afirma o coronel Alberto Malfi Sardilli. Hoje o efetivo conta com 150 agentes na capital. Além disso, as vinte folhas de formulários de papel, preenchidas a mão a cada autuação, agora surgem em um aplicativo em um tablet. “O que antes demorava três horas para ser feito no quartel passou a levar quinze minutos no local do crime.”

De 2016 para 2017, a quantidade de criminosos detidos e autuados pela infração aumentou 56% — de 495 para 775. “A legislação ambiental é fraca. Chegamos a prender a mesma pessoa sete vezes”, lamenta o tenente Renan Escobar. No último ano, a polícia fez mais de 100 operações na feira da Vila Mara, aplicando multas que totalizaram 1,4 milhão de reais, de acordo com cálculos da corporação.

O hedgehog, um tipo de porco-espinho: a espécie, que não existe na fauna brasileira, era uma das leiloadas em grupo de WhatsApp (Adriana Farias/Veja SP)

Ainda assim, o problema persiste por lá há pelo menos uma década. A pena por tráfico e maus-tratos vai de três meses a um ano de prisão. Por serem crimes de menor potencial ofensivo, entretanto, raramente resultam em bandidos presos. A multa custa 500 reais por animal mantido em cativeiro, podendo chegar a 5 000 reais se houver ameaça de extinção.

No último dia 7, o Ministério Público e a Delegacia de Crimes Ambientais salvaram 134 exemplares que estavam sendo leiloados em um grupo no WhatsApp com 100 membros. Os lances variavam de 100 a 1 000 reais. Dois homens foram detidos, um deles um biólogo, mas respondem ao processo em liberdade. Os animais eram mantidos em péssimas condições em cativeiros no bairro Peri e em Itapecerica da Serra, sem acesso ao sol e desnutridos. Em uma situação de grande stress, presas e predadores acabaram enjaulados lado a lado. Oito deles não resistiram e morreram, como quatro filhotes de hedgehog.

Centro de recuperação no Parque Ecológico do Tietê: traficante não teria conseguido vender seus 59 saguis por causa do medo da febre amarela (Ricardo D'angelo/Veja SP)

“Essa espécie de porco-espinho não existe na fauna brasileira e vem do Togo, na África”, explica Juliana Summa, diretora da Divisão de Fauna Silvestre da prefeitura. No Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres, no Parque Anhanguera, ela cuida da recuperação de mais de 700 bichos, muitos deles sofreram nas mãos dos seres humanos. Trata-se de um dos três espaços públicos para onde são levadas as espécies apreendidas para reabilitação. Há ainda um centro no Parque Ecológico do Tietê e outro no Ibirapuera.

Esse tipo de tráfico pode causar grande desequilíbrio na natureza. Um exemplo disso na cidade são os saguis. Hoje existem bichos híbridos, misturas de tipos da caatinga, no Nordeste, com os do cerrado, em Minas Gerais. Tornaram-se tão resistentes e se proliferaram tão rapidamente que nos últimos cinco anos tomaram o lugar dos saguis-da-serra, ameaçados de extinção.

Arara: um dos alvos do tráfico de animais silvestres (Ricardo D'angelo/Veja SP)

Há dois meses, o centro do Tietê recebeu de uma única vez 59 desses macacos apreendidos em Diadema. A equipe surpreendeu-se, pois são comercializados velozmente no mercado negro. “Não devem ter conseguido vendê-los por causa da febre amarela”, diz Liliane Milanelo, veterinária responsável pelo espaço, onde vivem 1 500 bichos, de jacaré antes mantido em piscina a arara com perda de penas devido ao stress.

O tráfico se mantém ativo, alimentado principalmente por pessoas como a dona de casa Antônia Souza, 54, que cria ilegalmente animais exóticos como pet. “Sei que é errado, mas sofro de depressão e eles são minha vida”, disse aos prantos, ao ser multada e ter suas aves apreendidas, entre elas o papagaio Neném. Muitas vezes, entretanto, os donos não se adaptam aos cuidados complexos de que os animais necessitam e acabam abandonando- os por aí, à própria sorte.

Jacaré-coroa: descaso antes do resgate (Ricardo D'angelo/Veja SP)
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