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Angelita e Joaquim Gama: casal 20 da medicida

Aos 70 e poucos anos, a paraense Angelita e o paulista Joaquim levam uma rotina de recém-formados

Por Giuliana Bergamo
Atualizado em 5 dez 2016, 10h20 - Publicado em 26 out 2009, 18h48

Os currículos dos médicos Angelita e Joaquim Gama impressionam. A começar pelo número de páginas: 233 o dela e 291 o dele. São centenas de títulos, prêmios e publicações científicas. A primeira linha chama especialmente atenção. Na sequência dos nomes de cada um, aparecem as cidades onde nasceram, o estado civil e, o que não é comum, com quem se casaram. É com orgulho que estampam ali a união de 45 anos. Nas cinco décadas de profissão, os dois cirurgiões do aparelho digestivo – ele especializado em estômago, ela, em intestino – computam 67 300 pacientes, alguns famosos como Tancredo Neves, Marta Suplicy e Adriane Galisteu. Atendem numa confortável clínica no bairro do Ibirapuera, a cinco minutos do apartamento de 400 metros quadrados onde moram. Entre os cobiçados títulos que têm em comum, estão o de professor titular da Faculdade de Medicina da USP e o de membro do American College of Surgeons, um dos mais importantes conselhos de cirurgiões dos Estados Unidos.

Aos 70 e poucos anos, a paraense Angelita e o paulista Joaquim levam uma rotina de recém-formados. Dormem cerca de seis horas por noite, levantam-se antes das 7 e, cerca de três vezes por semana, batem ponto nos centros cirúrgicos de alguns dos maiores hospitais da cidade – eles fazem parte do corpo clínico do Oswaldo Cruz, no Paraíso. Trabalham por doze horas seguidas e ainda têm pique para nos convidar para jantar no fim do expediente, conta a publicitária Cristina Partel, amiga do casal. Vaidosa, Angelita combina esmalte e batom vermelhos com terninhos Armani. Troca os sapatos de salto por um par de calçados Crocs brancos durante as cirurgias, quando veste aquele desengonçado figurino azul exigido nos procedimentos. Ela já perdeu seis alianças no bolso de uniformes, conta Joaquim. Há vinte anos, desistimos e não usamos mais .

Em ação, debruçada sobre o corpo do paciente anestesiado, ela não fala, sussurra ao pé do ouvido dos dois assistentes. E não admite barulho.Vira e mexe levo bronca porque estou falando alto, conta Rodrigo Perez, que há catorze anos trabalha com o casal Gama. Manipula vísceras, bisturis, pinças e grampos, derramando pouquíssimo sangue. ‘ Seus movimentos são muito precisos e ela tem um conhecimento excepcional de anatomia, por isso faz um trabalho tão limpo, derrete-se em elogios o marido. Costuma terminar as cirurgias com a frase: Melhor é impossível, título do filme estrelado por Jack Nicholson que ela adora. Especialista em doenças do intestino, principalmente câncer, ela realiza até 42 cirurgias por mês -cobra entre 15 000 e 30 000 reais por uma delas, de hemorroidas a tumores malignos, fora os gastos com anestesista, assistentes e instrumentadores (a primeira consulta custa 500 reais). Conhecida por ter uma personalidade forte, Angelita é daquelas que não economizam nas broncas e as começa assim: Dois pontos… Em seguida, lista tudo o que fizeram ao contrário de suas ordens. Esporadicamente, Angelita e Joaquim operam juntos – ele faz vinte cirurgias por mês (seus honorários para a retirada de uma vesícula, por exemplo, variam de 5 000 a 10 000 reais). Num sábado em que a médica tem cirurgia e ele não, Joaquim a leva até o hospital e fica aguardando no estacionamento, lendo no carro. O mesmo acontece quando ela vai ao shopping. Adoro fazer compras, mas sou prática e resolvo tudo logo, diz Angelita.

Essa cumplicidade começou na universidade. Conheceram-se no tempo de estudantes, mas, em 1964, tiveram a oportunidade de ficar mais próximos ao fazer parte da equipe de Alípio Corrêa Netto, na disciplina de cirurgia geral, na USP. Na época, Angelita já se destacava entre seus colegas: tinha sido a primeira mulher residente de cirurgia na universidade e a primeira a estagiar na área no Hospital St. Mark’s, na Inglaterra, em 1961. Poderia ter escolhido qualquer outra área, a ginecologia, por exemplo, como fazia a maior parte de minhas colegas, conta. Mas o ato cirúrgico me encantou e fui incentivada por meus professores, que perceberam meu talento. Um deles, Arrigo Raia, aos 97 anos, orgulha-se do sucesso dos discípulos. Eles estavam entre os meus alunos de maior destaque, lembra. Angelita chamava muita atenção porque é aguerrida como um búfalo. Incomodava seus colegas, sobretudo por ser mulher, mas isso nunca foi um impedimento para ela.

Joaquim não era um deles. Ao contrário de muitos homens, sempre fez questão de enaltecer as conquistas da Angelita, diz a arquiteta Maria Pia Barreira Marcondes, casada com um dos sobrinhos dele. Embora tenha o mesmo nível profissional e acadêmico dela, se puder dar um passo atrás para que Angelita apareça mais, ele dá. Com orgulho, o médico conta que havia dez candidatos às duas vagas abertas para a cadeira de cirurgia geral chefiada por Alípio Corrêa Netto em 1964. Nós dois fomos aprovados, mas ela ficou em primeiro lugar, afirma. Casaram-se no dia 10 de dezembro daquele ano, dez meses depois de começar o namoro. Já havia um envolvimento anterior, mas o trabalho em equipe funcionou como um catalisador, acredita Joaquim. A festa, com a presença de grandes nomes da medicina, como Edmundo Vas¬concelos e Arrigo Raia, além de Corrêa Netto, que conduziu Angelita ao altar, foi no Clube Pinheiros, lugar que frequentam até hoje.

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Ali, ela costumava jogar vôlei, esporte ao qual se dedicou desde a adolescência, quando fundou o Clube Adamus. Só parou em 1996, ao quebrar o fêmur numa queda. Nem assim deixou de operar. Quinze dias após o acidente, já estava no centro cirúrgico fazendo procedimentos simples sentada sobre uma cadeira. O casal também não gosta de interromper o trabalho para férias prolongadas. Eles viajam apenas no fim do ano, entre o Natal e o réveillon. No último 25 de dezembro, foram a Miami. Voltaram no dia 31 porque um paciente dela passou mal. Ele, que tinha um curso marcado nos Estados Unidos para os primeiros dias de janeiro, veio até aqui, deixou Angelita em casa, tomou um banho e voltou para o aeroporto. Tudo para que ela não comemorasse sozinha a virada do ano no avião, diz a amiga Cristina Partel.

Por causa da rotina apertada, costumam chegar em casa por volta das 23 horas. Quando abrem a porta e acendem a luz, logo são recebidos por um miado. É de um gatinho posicionado sob o console da entrada, peludo, branco e… de brinquedo. Angelita e Joaquim não têm animais de estimação nem muitas plantas. Compensam a falta de filhos convivendo com a família numerosa – ao todo, são 28 sobrinhos e sobrinhos-netos. Decidiram não ter filhos pensando no sucesso profissional dela. Na época, quem se tornava mãe tinha de interromper a carreira. Não estava disposta a isso e não me arrependo. Nos últimos anos, a médica vem se dedicando também às campanhas de prevenção do câncer de intestino. É fundadora da Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino (Abrapreci) e, para divulgar a causa, mandou construir intestinos gigantes, com 17 metros de comprimento, que são usados em exposições. Um deles está no museu Catavento, no Palácio das Indústrias. Não abandona a militância nem em conversas de elevador. No último encontro com o vizinho do 16º andar, o apresentador Amaury Jr., cobrou: Amaury, você ainda não fez colonoscopia neste ano!, referindo-se ao exame usado para diagnosticar tumores.

 

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