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A idade dos homens

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 16h36 - Publicado em 16 nov 2012, 20h01

Tu não te sentes velho até o momento em que alguém te cede o lugar no metrô ou no ônibus. Imediatamente és promovido — ou rebaixado, depende — à categoria dos idosos, também chamados preferenciais quando entram em filas. Em outros casos, usa-se a expressão melhor idade, ironia de quem a inventou e de quem a adotou como boa ideia.

Pensas nisso porque teu amigo H, que habitualmente anda de carro próprio, entrou no metrô e foi presenteado com a súbita consciência da idade. Um homem cedeu-lhe o lugar.

— Não era rapazinho, não, era um homem de uns 35 anos — relata, escandalizado.

Se não tivesse entrado no metrô, passaria talvez ainda muitos anos naquela ignorância específica de si mesmo. Até ali, não era um homem da sua idade.

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Revelações súbitas impressionam. Quando chegam aos poucos, porém, aceitam-se novidades duras, até o desamor, até a idade. Poetas sabem falar dessas coisas, estudam a si mesmos, como Drummond: “Há muito suspeitei o velho em mim”. No mesmo poema, Versos à Boca da Noite, leste: “Sinto que o tempo sobre mim abate / sua mão pesada. Rugas, dentes, calva… / Uma aceitação maior de tudo, / e o medo de novas descobertas.”.

Sabem os poetas que essa consciência não chega assim, de repente, numa viagem de metrô; sinais a precedem, como leste no mesmo Drummond, em Indicações: “Talvez uma sensibilidade maior ao frio, / desejo de voltar mais cedo para casa. / Certa demora em abrir o pacote de livros / esperado, que trouxe o correio. / Indecisão: irei ao cinema? (…) Talvez certo olhar, mais sério, não ardente, / que pousas nas coisas, e elas compreendem.”.

Se outro poeta se observa com sarcasmo, dizendo “Envelheço / envelheço / vou ter de andar com a bainha das calças arregaçadas” (T.S. Eliot: “I grow old / I grow old / I shall wear the bottoms of my trousers rolled”), compreen

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Sim, um dia te dás conta, ou a fita métrica dá-te conta, de que não tens mais 1,74 metro e sim 1,72. Quem te surrupiou 2 centímetros? Cadê os 2 centímetros que eram teus, e que levaste anos para conquistar? Pior: surrupiaram- te centímetros na altura e deram-te quilos na cintura — péssimo negócio! Percebes as perdas; mas a sabedoria que vem com elas impedirá a amargura e te encaminhará, se fores esperto, para o humor.

Observas teu corpo, notas que já não gozas de tantos privilégios, aquela visão, a audição, a agilidade, a memória, o raciocínio, o equilíbrio, o olhar interessado das moças. Sentes dificuldade de te equilibrar sobre um pé só, para vestir as calças, por exemplo; já não dá para galgar correndo os degraus do ônibus. Paciência. Principalmente para quem vem atrás: paciência. O humor te salva. Comparas teu corpo com o automóvel que não trocaste: os faróis perdem luminosidade, a suspensão e os amortecedores começam a socar, osso com osso, o motor faz barulhos suspeitos, a bomba de combustível perde pressão, a bateria cai e não dá aquela partida, o óleo vai ficando ralo, as cores da lataria tornam-se pálidas, aparecem manchas, riscos…

O que mais se perde é a pressa, e o perdê-la é um ganho. Ganha-se o fruir, o tempo da degustação. Uma fruta já não é só alimento, é sumo, é açúcar, é sorver, como na infância. A sombra torna-se merecimento, deixar-se estar, sem ter de forçosamente abreviar aquele desfrute. Doce, nem precisas de muito, o pouco rende, vai demorando-se no céu da boca, continua rendendo pelas artérias. Andar não é tanto a obrigação de chegar, é flanar. E amar já não é uma batalha, é rendição — de arma pronta, porém. Nem tudo é perda, aprendes. Melhoram a ponderação, o juízo, a paciência, o paladar, a noção de conveniência, a noção de tempo. Quanto menos tempo te resta, mais avaro o aproveitas.

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