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1 500 pessoas morrem em acidentes de trânsito anualmente em São Paulo

VEJA SÃO PAULO acompanhou os casos fatais entre a noite de 31 de agosto e a manhã de 3 de setembro

Por Edison Veiga e Fabio Brisolla
Atualizado em 5 dez 2016, 19h25 - Publicado em 18 set 2009, 20h32

Há 5,6 milhões de veículos registrados e cerca de 3,5 milhões em circulação na cidade de 16 000 quilômetros de malha viária e 10,7 milhões de habitantes. São números impressionantes, que, associados à irresponsabilidade e à fatalidade, matam motoristas, motociclistas, ciclistas e, sobretudo, pedestres. Todos os dias, quatro pessoas morrem em São Paulo após sofrer acidentes de trânsito. Gente como o jovem comerciário Joelson Andrade de Jesus Rocha, 19 anos, que na madrugada de 1º de setembro perdeu o controle de sua moto e bateu em um pilar de cimento em Parelheiros. Ou o aposentado Ecio Sordi, 73 anos, que, após ser atropelado no Brás, morreu, em 31 de agosto, na Santa Casa de Misericórdia, em Santa Cecília. Deixou sozinha a irmã, Tosca, 77, com quem morava. “Desde que tive uma perna amputada, cinco meses atrás, ele era as minhas pernas”, diz ela. Para especialistas, a fiscalização deficiente é a maior vilã nessas histórias. “O comportamento das pessoas no trânsito é diferente quando não há uma fiscalização rígida”, afirma o engenheiro de transportes Adrimon de Queiroz Bezerra Cavalcanti.

Apesar das estatísticas assustadoras, o trânsito paulistano mata relativamente pouco em comparação com o de outras capitais brasileiras. No último ano, ele fez 2,6 vítimas por 10 000 veículos. Em Porto Velho (RO), no pior índice de uma capital brasileira, são 11,7 vítimas por 10 000 carros, de acordo com o mais recente anuário do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), com dados de 2005. No mesmo levantamento, Florianópolis (SC) aparece como a única capital onde não foi registrada nenhuma morte. “É preciso ter cuidado ao comparar esses números”, alerta o especialista em trânsito Laurindo Martins Junqueira Filho, coordenador de planejamento da Secretaria Municipal de Transportes. “São Paulo é uma das poucas cidades que têm uma completa estatística de trânsito.”

As ruas paulistanas são monitoradas por 66 radares (móveis e fixos) e 100 lombadas eletrônicas. Com a missão de orientar e fiscalizar o tráfego, a CET mantém um esquadrão de 1 800 marronzinhos. Autoridades em trânsito afirmam que o contingente é insuficiente para conter o caos. Deveria ser três vezes maior. Recentemente, os marronzinhos ganharam o reforço de um grupo de 1 375 PMs do estado. Eles foram treinados para formar o Programa de Policiamento de Trânsito. Com viaturas identificadas, passaram a circular por 1 011 pontos estratégicos da cidade de olho nos motoristas, advertindo, multando e orientando. “Isso vai ajudar a coibir os carros irregulares, que, por não ser licenciados, não pagam multas”, acredita o consultor de trânsito Sergio Ejzenberg. “Esses fora-da-lei são verdadeiras bombas ambulantes, pois desrespeitam os limites de velocidade, cruzam faróis vermelhos…”

Em caso de acidente, são acionados os bombeiros ou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (veja detalhes de seu trabalho abaixo ). No total, o aparato de emergência conta com 135 viaturas de resgate e catorze ambulâncias equipadas com UTI móvel. Sextas, sábados e domingos são os dias críticos, concentrando mais da metade dos casos fatais da semana. “Isso ocorre porque, infelizmente, muitos ainda abusam e misturam álcool com direção”, afirma o tenente Marcio Cesar Carnevale, chefe do Centro de Operações dos Bombeiros (Cobom). Com base nessa estatística, Veja São Paulo acompanhou os acidentes ocorridos na capital durante sessenta horas – das 18 horas de sexta-feira 31 de agosto às 6 horas de segunda-feira 3 de setembro. Foram registradas treze mortes. Nas páginas a seguir, conheça seis dessas histórias.

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“O combinado era que ele nos ligasse ao chegar”

Aos 23 anos, Marcio Tadeu Cavalcante de Barros Alves havia realizado dois sonhos complementares quase ao mesmo tempo: no dia 20 de agosto, tirou sua carteira de habilitação e, 48 horas mais tarde, comprou uma moto Yamaha Fazer 250. Desde então, combinou com os pais, Tadeu e Lourdes, que toda vez que chegasse ao trabalho, um supermercado a poucos minutos de casa, no Jabaquara, ligaria para avisar que estava tudo bem. A rotina durou pouco. Onze dias depois, quando ele entraria no trabalho às 6 horas, nada de o telefone tocar. “A minha mulher me acordou, preocupada. Levantei, peguei o carro e corri para lá”, lembra Tadeu. “Na Avenida Santa Catarina, avistei uma Ipanema, a moto de meu filho no chão e a viatura de resgate saindo rumo ao hospital.” Marcio não resistiu. Às 10 horas chegava ao fim a vida do extrovertido garoto que tinha como grandes paixões, além da moto nova, a namorada, Sabrina dos Santos, o São Paulo Futebol Clube e a música – ele tocava cavaquinho desde criança e era vocalista de uma banda de axé chamada Rekebrart.

“A picape o acertou em cheio e o jogou contra um poste”

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Jan de Jesus Barbosa, de 31 anos, e Hilário de Souza, de 27, estavam temporariamente em São Paulo. Moradores de Bauru, os dois amigos eram funcionários de uma fábrica contratada para instalar uma estrutura metálica em uma unidade do Hospital das Clínicas. Na noite de 1º de setembro, após um dia de trabalho, eles fizeram uma escala no bar localizado na esquina das ruas Teodoro Sampaio e Arruda Alvim, em Pinheiros. Duas cervejas depois, fecharam a conta para ir jantar em um restaurante próximo. Atravessaram as duas primeiras faixas de rolamento da Teodoro Sampaio no momento em que uma picape subia pela terceira via. Souza parou, mas o amigo seguiu em frente. “O carro o acertou em cheio e o jogou contra um poste”, conta. O acidente ocorreu a poucos metros do Hospital das Clínicas, mas não houve tempo para socorro. Barbosa morreu na hora. Ele era casado havia oito anos com a irmã de Souza e tinha dois filhos.

“O que eu fiz a Deus para merecer isso?”

A pergunta atormenta os dias e as noites do manobrista Linderlan Santos de Jesus, morador do Jardim Noronha, na Zona Sul. No dia 31 de agosto, ele voltava do trabalho trazendo sua mulher na garupa da moto quando avistou de longe o tumulto em sua rua. Ao chegar mais perto, soube pelos vizinhos que seu filho Vinícius, de 7 anos, acabara de ser atropelado por uma van. Seus dois outros filhos presenciaram o acidente. Jesus deixou a mulher no local e seguiu em disparada até o Hospital Estadual de Grajaú, onde recebeu a notícia da morte do filho. Desde então, o casal nunca mais pisou na residência recém-reformada. A mãe, Darlane Maria dos Santos de Jesus, ainda se esforça para encarar a tragédia com resignação. Nos olhos do pai, a dor é visível. Ao falar do filho, a voz embarga e as lágrimas caem. “Estava melhorando a casa para dar mais conforto aos meus filhos”, desabafa. “Não tenho mais condições de ficar lá.” Esse não foi um fato isolado. Segundo a ONG Criança Segura, das 5.808 crianças até 14 anos envolvidas em acidentes no Brasil, 40% morreram no trânsito.

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“Papai foi fazer um show lá no céu”

É essa a resposta que Mônica Bastos de Sousa dá toda vez que a filha de 3 anos, Talita, pergunta pelo pai, Edivaldo Oliveira de Sousa Filho. “Ele era muito carinhoso”, lembra. “Talita acorda chorando no meio da noite e pede o colo do pai.” Edivaldo, que ganhava a vida como pintor, havia montado uma banda de reggae cinco anos antes com amigos evangélicos do Parque Cocaia, na Zona Sul. “No início, tocávamos só música gospel”, conta Alex da Silva, um dos dez integrantes do grupo. “Mas com o tempo começamos a fazer shows comerciais também.” A banda, Mika Reggae, apresentava-se seis vezes por mês em bairros do extremo sul da capital. No dia 31 de agosto, Sousa comprou uma Towner branca. Ligou para a mulher, Mônica, avisando que não voltaria para casa – havia um ano eles tinham se mudado para a vizinha cidade de Embu – porque no sábado a banda pretendia ensaiar. Encontrou-se com os amigos em uma lanchonete do Parque Cocaia. Todos dizem que ele não ingeriu nada alcoólico. “Ele só bebia socialmente”, afirma Silva. “Mas nunca se fosse dirigir em seguida.” Pouco tempo após a meia-noite, perdeu o controle da Towner na estrada que leva à casa de seu irmão, no Grajaú, capotou e bateu em um poste. Policiais militares encontraram-no já morto, algumas horas depois.

“Ele havia desistido de ser motoboy”

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O campo de terra batida no bairro Jardim Celeste, na Zona Sul, em frente à casa do manobrista Jerônimo Silva de Lima, de 21 anos, está vazio. Ao lado de uma das traves, com um olhar perdido, Aldicélio, 29, irmão mais velho de Jerônimo, relembra algumas de suas histórias. Entre elas, a mais triste. Às 6 da manhã do dia 2 de setembro, um domingo, Ninho, como Jerônimo era chamado, parou com sua moto no cruzamento da Rua Ari Aps com a Rodovia Raposo Tavares, no Butantã. Antes de entrar na estrada, foi atingido por um carro desgovernado. “Ele trabalhava à noite em um estacionamento na Vila Olímpia”, diz Aldicélio. “No momento do acidente, voltava para casa.” Durante dois meses, Ninho trabalhou como motoboy e, aconselhado pela família, abandonou o emprego. “Parou porque achava muito perigoso.”

“Vi o carro branco em alta velocidade” vindo em nossa direção”

O Fusca vermelho, ano 1965, seguia pela Avenida Sezefredo Fagundes, num trecho cercado pela mata da Serra da Cantareira. Era fim de tarde no dia 2 de setembro, quando o veículo entrou em uma curva acentuada. Na direção contrária vinha um Gol com três jovens, entre eles o motorista, de 21 anos. “Vi o carro branco em alta velocidade e, logo depois, sentimos o impacto”, diz Rosa Chaves dos Santos, de 32, que estava no banco de trás. Após a batida, o Fusca virou de lado, ficando com a porta do carona voltada para o chão. “Parecia um cenário de guerra”, descreve o policial militar que chegou ao local minutos depois. Dentro do veículo estavam Rosa e a família de sua irmã Cleusa: o marido, João Batista Lopes dos Reis, ao volante, e os dois filhos, sentados atrás, ao lado da tia. Rosa quebrou o braço. Joselina, de 5 anos, fraturou o fêmur, e Jean, de 7, teve um corte na cabeça. Cleusa e João Batista morreram no local do acidente. Os ocupantes do Gol tiveram ferimentos leves.

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Corrida contra o relógio

Agilidade é fator decisivo no trabalho das equipes de resgate

O impacto transformou o Chevette preto em um monte de ferro retorcido após a batida contra a traseira de um caminhão na Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira, no Jabaquara. Minutos depois, o motorista foi retirado das ferragens pela equipe do Corpo de Bombeiros e atendido pelo médico Rodrigo de Moraes, responsável pelo resgate na ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), da prefeitura. Com várias fraturas no rosto, a vítima não conseguia respirar. “O atendimento imediato salvou a vida dele”, afirma Moraes. “A chamada golden hour (a primeira hora após o acidente) é decisiva para a recuperação do paciente”, frisa Milton Glezer, coordenador das equipes de resgate do Samu. Há um ano, segundo Glezer, as ambulâncias levavam em média uma hora para chegar ao local da ocorrência. “Reduzimos a espera para vinte minutos e pretendemos diminuí-la ainda mais.” Ele aposta na parceria com o Corpo de Bombeiros. Quando há um acidente, o resgate do Samu é acionado pelo telefone 192. Já os bombeiros respondem através do número 193. O plano é integrar tudo em um só atendimento. “Assim não corremos o risco de mandar duas ambulâncias para o mesmo local”, diz o tenente Marcio Cesar Carnevale, do Centro de Operações dos Bombeiros (Cobom). Outra solução foi improvisada sobre duas rodas. Para enfrentarem os engarrafamentos, duplas de resgate aceleram em motocicletas, carregando equipamentos como cilindros de oxigênio e desfibrilador. “Estabilizamos a vítima até o socorro médico chegar ao local”, explica o sargento Antônio Silva Barbosa

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