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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Fernanda Maia, “Urinal, o Musical” e a trilha sonora: “precisamos descobrir o jeito brasileiro de cantar em teatro”

O público que assiste aos espetáculos do Núcleo Experimental, dirigido por Zé Henrique de Paula, inevitavelmente percebe o cuidado com a concepção musical e a criação das trilhas sonoras das montagens. A responsabilidade disso é toda da sorocabana Fernanda Maia, de 48 anos, que, há 23, tem uma afinada parceria com Zé Henrique, tanto como […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 16h43 - Publicado em 8 Maio 2015, 08h21
Fernanda Maia: ..... (Foto: Divulgação)

Fernanda Maia: diretora musical das montagens do Núcleo Experimental  (Foto: Divulgação)

O público que assiste aos espetáculos do Núcleo Experimental, dirigido por Zé Henrique de Paula, inevitavelmente percebe o cuidado com a concepção musical e a criação das trilhas sonoras das montagens. A responsabilidade disso é toda da sorocabana Fernanda Maia, de 48 anos, que, há 23, tem uma afinada parceria com Zé Henrique, tanto como atriz, nos primeiros tempos, como no papel de diretora musical. Em cartaz no espaço do grupo, localizado na Barra Funda, “Urinal, o Musical” é o mais recente exemplo dessa afinada associação. O melhor é você ler o que Fernanda Maia tem a dizer e também ouvir um pouco de suas composições.

Fernanda, como começou sua relação com a música no teatro? 

Minha mãe, que era professora, acreditava que a música deveria fazer parte da formação de todo ser humano, então resolveu colocar os três filhos no piano. Na minha casa, era como estudar português e matemática, tinha o mesmo grau de importância. Meus irmãos abandonaram a música na adolescência e eu segui. Minha formação é erudita, estudei para ser pianista, mas existia aquela exigência familiar de fazer outra faculdade como “garantia”. Então, eu me formei em Letras antes de poder fazer bacharelado em piano e comecei a trabalhar como professora de inglês e literatura inglesa. Música e letras resultou em teatro. O teatro surgiu bem mais tarde como um hobby que virou profissão.

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Mas você estreia no teatro como atriz, não? 

Entrei para o teatro pela porta da atuação. Fiz oficinas e cursos do Grupo Tapa até me mudar definitivamente para São Paulo há quinze anos, depois que deixei de dar aula. Já trabalhava como atriz no embrião do que viria a ser o Núcleo Experimental com o Zé Henrique, mas como também era pianista e estudava canto surgiu a possibilidade de fazer direção musical. Nem sabia direito o que era isso. Fui aprendendo sozinha e na prática. As necessidades me levaram ao arranjo e à composição. A primeira trilha que compus foi a de “R&J”, que foi indicada ao Prêmio Shell, e depois surgiram outras. Cada uma com uma linguagem diferente. Se não conhecia, eu ia estudar, pesquisar e ouvir muito. O que existe de mais legal no teatro é o fato de ele nos levar por caminhos que não escolheríamos sozinhos. O meu gosto pessoal me leva sempre para a música brasileira, que me toca mais profundamente, mas a necessidade profissional fez com que eu tivesse que estudar a música de vários países, épocas e estilos.

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Assim como o Zé Henrique, você é de Sorocaba. A parceria começou por lá ou isso é uma coincidência? 

Nossas famílias se conheciam desde antes de a gente nascer. Nossas mães foram colegas de faculdade e nossos pais eram amigos de fazer “footing” na praça (risos). Começamos a trabalhar juntos em 1992 no teatro amador, vínhamos para São Paulo ver peças, fazer oficinas, até que resolvemos nos mudar para cá. Dividimos apartamento, começamos a montar coisas, procurar possibilidades de colocar em cartaz, sempre juntos nessa parceria de 23 anos. Outros colegas foram chegando, como a atriz, diretora e preparadora de atores Inês Aranha. O Núcleo Experimental existe nesta formação há dez anos e, em paralelo, começamos a trabalhar também com outras pessoas.

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Como se dá seu trabalho no Núcleo? O Zé traz os textos e você vai criando a música com base na dramaturgia ou espera ele ter a a encenação pronta, nem que seja na cabeça dele, para começar a  trilha sonora?

No Núcleo Experimental, cada trabalho tem uma história. Geralmente, o Zé traz os textos e conversamos sobre as possibilidades musicais. Como nós dividimos a mesma casa durante anos, conversamos muito, seja nas nossas novas casas, no teatro ou na padaria. Nesses papos, descobrimos qual é a sonoridade da peça, que tipo de instrumentação e quais as referências que podem servir para a criação da música. Sempre que possível se opta por fazer com que os atores cantem. É uma das características do Núcleo.

De que forma sua participação criativa se aplica no caso de “Urinal”, que já tem composições prontas? 

Não é porque uma peça tem composições prontas que não existe possibilidade de participação criativa. Em uma peça como “Urinal”, não posso mudar linhas ou arranjos das partituras, mas escolho todo o resto, do tipo da sonoridade do conjunto, as vozes, as dinâmicas, até intenções quando se canta uma determinada canção. Você pode revelar leituras de uma canção só no jeito do ator respirar. No caso de “Urinal”, ainda há outros aspectos que foram escolhas, para nós, muito significativas e conscientes. Existe uma diversidade grande de tipos, idades e timbres vocais no elenco. Eu optei por respeitar estes timbres em vez de tentar aproximá-los ou padronizá-los. É claro que quando se canta em coro existe uma preocupação com conjunto, unidade e precisão, mas eu tenho antipatia a certos padrões vocais que tendem a deixar todo mundo com o timbre parecido. O som da nossa peça é muito diferente do das gravações das montagens anteriores, esta é uma escolha criativa e ideológica também. Temos um idioma diferente, temos que entender as características desse idioma e não somente copiar uma técnica vocal de quem canta em inglês. Se este tipo de procedimento é eficiente por um lado, é empobrecedor por outro, precisamos descobrir o jeito brasileiro de cantar em teatro, e o trabalho em “Urinal” é uma interferência neste sentido.

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Os atores de musicais no Brasil talvez estejam esquecendo de que são brasileiros?   

Hoje, as pessoas estão muito influenciadas pelo padrão vocal da música pop americana. Basta ver os programas de concurso de cantores na televisão. Eu os detesto. A plateia é levada a aplaudir e a achar que o cantor tem um “vozeirão” quando grita, como se um bom cantor se medisse só pelo volume da voz. O que me incomoda não é o estilo em si, mas a crença de que ele é único parâmetro para o que se entende por cantar bem. No Núcleo, cada peça tem um tratamento vocal diferente, que dialoga com o texto e a encenação. Em “Urinal”, há também uma escolha que influencia muito o espetáculo: atores e banda não estão microfonados. Os microfones que existem são apenas para retorno e não para amplificação. Esta é uma das escolhas musicais que faz com que o espetáculo tenha a força que tem. Nosso ouvido está acostumado a ouvir vozes tratadas por recursos tecnológicos, seja em gravações, nos shows ou musicais, quase nos esquecemos de como uma voz soa sem tratamento algum. Num primeiro momento, a plateia pode estranhar esse som, mas o fato de não haver amplificação, faz com que os atores tenham interpretações mais intensas e viscerais. São escolhas ideológicas, estéticas e criativas.

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A “turma dos musicais” adora dizer que se formou na última década uma geração que canta e tem uma técnica irrepreensível. Imagino que você trabalha com muitos atores talentosos que nunca imaginaram cantar no palco. Como é preparar esse pessoal?

Técnica irrepreensível não serve para nada se o ator não se apropriar do que está dizendo, se ele não tiver imaginário e recursos de entendimento intelectual, conceitual e emocional do que canta. Não adianta ter “the voice” se você tem “nothing to say”. Em canto, não existe milagre Há uma parte que é física e que demanda treinamento e tempo, portanto em “Urinal” não é possível ter um ator que cante muito pouco. O elenco canta muito. Aquele material não é fácil, a demanda física é intensa e eles não estão apoiados por nenhum recurso tecnológico.

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De que forma você respeita o limite deles e explora a possibilidade de cada um?

Eu busco mais musicalidade que técnica irrepreensível, até porque uma coisa que, isolada tecnicamente, pode se considerar uma falha, no contexto do teatro pode ser um recurso expressivo. Não acredito em quem diz: “não canto nada”. Todo mundo pode cantar em algum nível e, se persistir, pode vir a cantar muito bem. Isso não é um privilégio de poucos. Acho que uma das coisas que me ajuda muito na hora de trabalhar com atores com experiências diversas é o fato de também ser atriz. Sei como funciona a cabeça de um ator e consigo resultados musicais através de imagens e conceitos cênicos. As direções cênica e musical precisam proteger o ator. Cantar é um ato de muita exposição. Tive vários atores que me disseram que se sentiam mais expostos cantando do que tirando a roupa em cena. É preciso respeitar isso. Um diretor musical que não esteja atento para as particularidades, tanto do ato de cantar quanto de quem vai cantar, pode comprometer o desempenho do ator em cena.

Alguma grande surpresa que você poderia citar?

Tenho a felicidade e a honra de ter preparado alguns grandes atores para suas primeiras experiências cantando no teatro. Clara Carvalho é um exemplo. Ela cantou linda e delicadamente “What Are You Doing for the Rest of Your Life?”, de Michel Legrand, em “Ou Você Poderia Me Beijar”.

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O teatro musical formou um outro público nos últimos anos. Você arriscaria dizer que público é esse?

Acho que o perfil do público mudou muito desde que começou o boom dos musicais em São Paulo. No começo, as pessoas iam para ver se os atores conseguiam cantar e se os cenários e figurinos “não ficavam nada a dever para a Broadway”. Ainda tem um público que vai conferir se o ator da novela canta, mas também existe um público que está mais exigente, que deseja bons atores, boa dramaturgia e um material musical mais elaborado. Quem está suprindo esse desejo são as produções de pequeno e médio porte, que possuem mais autonomia artística e liberdade criativa. Musicais como “Vingança”, da Anna Toledo, abrem caminho para novas formas de se fazer musical. Produções em salas pequenas, como a da Cia da Revista e a do Núcleo Experimental, estão sempre lotadas. Para quem pagava mais de R$ 100,00 em um teatro de 1000 lugares, desembolsar a metade para ver um musical em um teatro onde as coisas acontecem a dois metros da plateia é uma experiência impactante. Eu não tenho nada contra as grandes produções. Era louca pelos musicais da Metro na infância e já fui para a Broadway algumas vezes para fazer essas viagens que os aficionados por musicais fazem. Problemático é achar e só canta bem quem canta segundo o padrão do musical americano. e as empresas que patrocinam acharem que somente aquilo é musical.

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Quem vai ver o musical do Tim Maia ou do Cazuza estaria mais interessado em ouvir as músicas como se estivesse em um show?    

No meu caso, como fã do gênero e profissional, não há diferença entre música e texto. Música é texto. Estamos num outro momento em que desejamos ter a nossa produção. O Brasil tem uma tradição de musical muito interessante e rica que está sendo revisitada e precisa de produções originais. Escrever um musical é uma tarefa difícil para caramba. Parece ser um gênero que as pessoas amam ou odeiam. Quem ama quer assistir a todos que ela puder pagar e este é um grande problema, o preço. Como o grande musical é muito caro e precisa ser rentável, os produtores optam por montagens ou temas consagrados, seja vindos da Broadway, sejam biográfico, porque raramente as pessoas vão se dispor a pagar caro para um espetáculo que elas não conhecem, nunca ouviram falar e nem sabem do que se trata. No caso do musical biográfico, os produtores “garfam”, além do público que gosta de musicais, os fãs do homenageado e, no caso destes, acho que o atrativo, além da música, é um certo frisson de conferir se o protagonista conseguiu realmente “encarnar” o ídolo.

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Esse público dos grandes musicais chega até as montagens do Núcleo Experimental, da Cia. da Revista ou do Teatro do Incêndio? 

O público de musicais tem ido ao Núcleo Experimental. A Claudia Miranda, nossa produtora, que fica sempre na bilheteria, conversa com as pessoas e não há decepção alguma, muito pelo contrário. O Zé e eu não tínhamos milhões de reais, tentamos fazer este musical há onze anos e nunca havia recursos suficientes. Desta vez, também não havia, mas resolvemos fazer assim mesmo, tinha que sair ou não sairia mais. O Zé criou um cenário inteiro reciclado de outras montagens, e o figurino foi feito com peças do acervo tratado, restaurado, customizado e adaptado. O elenco é formado por artistas que admiramos e com as quais queríamos trabalhar novamente. Eu não sei como conseguimos juntar este elenco que, na realidade, vale centenas de milhares de reais. As pessoas ficam alucinadas e querem saber como a gente tem uma produção tão bem cuidada, com atores e músicos incríveis com tão poucos recursos. A resposta é que eu não sei.  Eu não sei como fizemos isso.

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