Imagem Blog

Na Plateia Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
Continua após publicidade

Elzemann Neves e os limites tênues de “Josefina Canta”: “o teatro requer um enorme poder de abstração do público”

O roteirista de cinema, dramaturgo e diretor Elzemann Neves, de 38 anos, encontrou inspiração em um conto de Franz Kafka para criar a comédia “Josefina Canta”. Inês Aranha interpreta uma cantora esquecida na tentativa de retomar a carreira. Sua voz, no entanto, não passa de um chiado. Bia Toledo e Germano Melo completam o vigoroso trio […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 18h39 - Publicado em 12 fev 2015, 12h35
Elzemann Neves: o advogado virou roteirista e diretor de cinema e teatro (Foto: Divulgação)

Elzemann Neves: o advogado virou roteirista, dramaturgo e diretor (Fotos: João Valério)

O roteirista de cinema, dramaturgo e diretor Elzemann Neves, de 38 anos, encontrou inspiração em um conto de Franz Kafka para criar a comédia “Josefina Canta”. Inês Aranha interpreta uma cantora esquecida na tentativa de retomar a carreira. Sua voz, no entanto, não passa de um chiado. Bia Toledo e Germano Melo completam o vigoroso trio de atores. Em cartaz do Teatro Augusta — Sala Experimental, de sextas a domingos, o espetáculo é mais uma experiência de Elzemann Neves nesse caminho um pouco distante do realismo e de forte influência da linguagem cinematográfica, depois de “Desatino” (2008),  “Mão e Pescoço” (2010) e “Amor de Mãe – Parte 13″ (2013). No mês que vem, ele estreia “Quando Eu Era Bonita”, com Ester Laccava e Lulu Pavarin nos papéis principais.

Fico surpreso em saber que você é um advogado… Como caiu no cinema e no teatro? 

Cara, antes de tudo isso eu usava terno e gravata (risos). Eu sou de Belém do Pará, vim para São Paulo em 1999 para fazer mestrado na PUC em Direito do Estado (Direito Público). Concluí o mestrado, fiquei alguns anos trabalhando em escritórios e dando aulas, mas em paralelo já fazia cursos de dramaturgia e teatro. No fundo, a minha formação em Direito foi determinante, serviu como um grande exercício de escrita e argumentação. A verdade é que eu não conseguia me adequar ao jogo. Essa profissão dá muita importância a regras sociais que, com o tempo, perderam o sentido para mim. Havia ali uma inversão dos valores que eu não acreditava ou dos valores em que eu passei a acreditar. Foi nessa hora que percebi que não o tinha o menor talento pra ser “dotô”. Então, o teatro e o cinema me salvaram.

Na sua cabeça, o que nasce primeiro ao imaginar uma peça? São as imagens, a peça sendo encenada (mais ou menos como um filme) ou o texto dito pelo ator, em um caminho mais próximo ao do literário?

Continua após a publicidade

É muito difícil falar com clareza do nascimento de uma ideia, mas é a abertura de repertório que conduz esse processo. Às vezes, a gente se vê apegado a uma imagem, a um som, a uma frase, sei lá. Se esse elemento continua na cabeça por muito tempo, ele precisa ser combinado com a vontade ou a necessidade de falar sobre algo que nos inquieta. É desse encontro que as ideias começam a tomar forma. No teatro, eu gosto de fazer uma seleção de músicas que remetam ao tom e ao clima da peça que vou escrever. A música tem isso, bastam alguns acordes para criar na gente uma sensação. Valorizo muito a sonoridade da palavra no teatro. A nossa língua permite inúmeras brincadeiras, e o teatro é um lugar perfeito para explorar isso. Depois vem todo o trabalho com os atores, a descoberta das características de cada ator. Eu sou um apaixonado pelo ofício do ator. Poder conduzir e acompanhar diariamente a criação de um personagem é uma das delícias do teatro. Tive o privilégio de trabalhar e escrever especialmente para alguns atores que sempre admirei. Bia Toledo, Inês Aranha, Ester Laccava, Lulu Pavarin, Germano Melo, Gilda Nomacce e Majeca Angelucci, por exemplo, sabem pensar o teatro com inteligência, e isso aliado a um texto que exponha, sem medo, as nossas questões diante da sociedade são as duas grandes forças na materialização de uma peça.

+ Elias Andreato fala sobre “A Graça do Fim” e sua relação com Fauzi Arap. 

Quais são os limites que separam criativamente o teatro do cinema? Interpretações mais econômicas em um e menos no outro? Mais realismo em um e menos no outro?

Eu sempre me confundo quando preciso definir coisas como realismo ou naturalismo. O cinema tende a produzir situações de um modo mais realista, o que facilita, de certa forma, o acesso ao público. O teatro requer um enorme poder de abstração do público. A proximidade entre o público e os atores no teatro torna tudo mais pessoal, mais arrebatador para alguns e mais constrangedor para outros. Por isso, no teatro, gosto de explorar uma linguagem menos realista, com todas as imprecisões dessa palavra. Se eu escrevo um texto que pretendo dirigir, fico muito mais liberto na dramaturgia, evito tantas rubricas, por exemplo. Deixo para descobrir as principais rubricas de ação ou de intenção dos personagens junto com os atores.

Continua após a publicidade
"Josefina Canta": Inês Aranha, Germano Mello e Bia Toledo no Teatro Augusta

“Josefina Canta”: Inês Aranha, Germano Mello e Bia Toledo na Sala Experimental do Teatro Augusta

“Mão e Pescoço” e “Amor de Mãe – Parte 13” nasceram de argumentos seus, certo? Agora, você busca inspiração em Kafka. Os cuidados precisam ser redobrados quando se parte de uma obra alheia?

“Mão e Pescoço” e “Amor de Mãe – Parte 13” são duas peças que trabalham o absurdo existencial, o vazio do indivíduo. Com um argumento original, o maior cuidado é garantir que a minha voz como dramaturgo não se sobreponha à voz do personagem e empobreça o próprio discurso. É o trabalho de dramaturgia que vai traduzir o nosso ponto de vista em conflito. Trabalhando com um conto do Kafka, minha maior preocupação era não trair a voz do autor, sem compromisso com a fidelidade da narrativa, mas com total respeito à intenção do autor quando criou a figura dessa cantora. Ela inebria a população, embora o seu canto não passe de um chiado estridente. Kafka se referia à força do poder totalitário, do discurso político vazio. Nesse sentido, acredito ter mantido a voz do Kafka em “Josefina Canta”, embora a história em nada se assemelhe ao conto. Aqui o absurdo existencial do indivíduo dá lugar ao pensamento coletivo, à distribuição dos papeis em nossa sociedade. Esse caráter mais político da esfera pública das relações permite que o discurso seja mais claro.

+ Angela Figueiredo e o espetáculo “As Moças, O Último Beijo”.

Continua após a publicidade

Fica explícita uma crítica aos meios de comunicação e também às redes sociais na construção de ídolos atualmente. Claro, já tivemos o rádio, o cinema, a televisão com grande força em outros tempos. Não é uma novidade. As mídias sociais para divulgação dos ídolos são mais superficiais, mais descartáveis? 

Eu não vejo com nenhum otimismo essa fábrica de ídolos. Isso gera uma padronização da arte, tudo fica parecendo uma cópia meio pálida de alguma coisa que já nem era tão boa assim. Mas da feita que alguém decide que “aquele” é o jeito certo de cantar, de interpretar ou de escrever. Isso gera um empobrecimento geral da arte, com manuais indicando o jeito “certo” de criar, e isso é uma ilusão.

A coisa piorou nos últimos tempos, então?

Nesse sentido, acho que piorou, pois as prateleiras estão cheias de manuais dizendo o que deve ser feito e como deve ser feito. O excesso dessas regras e a velocidade com que elas se propagam anulam a possibilidade do diferente, a possibilidade do risco. E eu não acho que um artista deva abrir mão do risco. Isso me faz lembrar a sorte que tive de trabalhar com criadores que encaram a profissão de peito aberto. Se essa crítica fica explícita em “Josefina Canta” é porque todos os envolvidos assumiram os riscos. O Chris Aizner subverteu completamente alguns conceitos do espaço cênico que eu pretendia trabalhar. Ele chegou a leituras e possibilidades do meu texto que eu mesmo desconhecia, o que elevou a peça a um lugar muito mais maduro. Os atores se jogaram em personagens que não trabalham um perfil psicológico linear e claramente definido, eles representam muito mais um conceito, uma alegoria. São tão torturadores quanto vítimas. A Inês, o Germano e a Bia são gigantes em cena, eles assumem todos os riscos de uma atuação vertiginosa, sem medo do patético.

Continua após a publicidade
"Mão e Pescoço": (Foto: Ligia Jardim)

“Mão e Pescoço” (2010): Gilda Nomacce, Majeca Angelucci e Germano Melo (Foto: Ligia Jardim)

Temos várias cantoras que foram engolidas pelo tempo, que perderam a voz das mais diferentes maneiras, assim como Josefina. Ao criar esse texto, você se inspirou de alguma forma em alguma delas? Sejam elas as rainhas do rádio, as musas da MPB tradicional e da dor de cotovelo, as estrelas do pop ou mesmo aquelas que atravessam as décadas com relativo destaque, mas precisam se adaptar para continuar dialogando com o público? Tem um pouco de Maysa, Gal, Bethânia, Elis, Marina Lima, Simone ou Daniela Mercury na Josefina?

Essas cantoras têm uma história musical tão marcante que acabam fazendo parte do nosso imaginário criativo mesmo que involuntariamente. E eu vejo a necessidade de se reinventar como algo muito natural, desde que isso não entre em confronto com a própria trajetória do artista. O meio artístico tem alguns exemplos disso. Agora, eu me lembro também da Elza Soares, que se modernizou com novos parceiros e arranjos para a sua música, mas sem nunca perder a personalidade. O Caetano Veloso faz isso também. Mas a nossa Josefina trabalha o “canto” muito mais como uma metáfora política, por isso nos inspiramos mais em políticos do que nas grandes cantoras. Bebemos na fonte daqueles “doutores”, que durante a sua trajetória mudaram completamente o tom e o timbre de suas ideias apenas para dialogar com um público maior. Isso gera apenas a descrença política, aliás, já enraizada no senso comum de que político nenhum presta. É uma pena que se pense dessa forma.

Cinema é bastante caro e demorado. Teatro pode ser feito com menos dinheiro e talvez de forma mais rápida. É isso mesmo? O teatro se tornou uma forma de botar para fora a sua criatividade enquanto projeto de cinema vão sendo plantados e concretizados de forma mais lenta?

Continua após a publicidade

Engraçado você dizer isso, porque eu sempre quis escrever para cinema. Quando eu entendi a logística de uma produção audiovisual, eu adotei o teatro como forma de contar uma história de um modo mais artesanal. Essa característica permite, sem dúvida, que o teatro se concretize de uma forma um pouco mais independente de grandes financiamentos. Mas a tecnologia digital tem mudado essa logística no cinema, então hoje é possível também fazer bom cinema com menos recursos. Ou seja, a dificuldade está tanto no teatro quanto no cinema, depende muito da característica de cada projeto. “Josefina Canta” é um projeto que tenho há alguns anos. O texto me foi apresentado por um colega que tinha a ideia de fazer uma adaptação. O projeto não se concretizou, mas o texto ficou na minha cabeça. Quando voltei a ele, pude compreender melhor a dimensão política, e levantar essa peça virou uma obsessão. Tentamos vários editais de teatro e não pegamos nenhum. Tentamos captação privada, mas conseguimos somente alguns apoios. É um projeto para teatro que levou mais tempo que alguns filmes que realizamos.

"Amor de Mãe - Parte 13": Rodrigo Audi e Lulu Pavarin (Foto: Laerte Kessimos)

“Amor de Mãe – Parte 13″: Rodrigo Audi e Lulu Pavarin (Foto: Laerte Késsimos)

Quer saber mais sobre teatro? Clique aqui.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.