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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Autor de “Opus 12 para Vozes Humanas”, Sérgio Roveri busca entender um novo tempo: “a vida e a realidade mudaram mais e mais rápido que a dramaturgia”

O dramaturgo paulista Sérgio Roveri, de 52 anos, deixou as redações em julho de 2003, mas o jornalismo nunca saiu dele. Não estou falando apenas das matérias que volta e meia levam sua assinatura na imprensa, mas principalmente do olhar de observador do cotidiano cravado nos textos que serviram de base para os espetáculos nascidos […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 22h31 - Publicado em 13 mar 2014, 20h33
Sérgio Roveri: flerte com o absurdo em "Opus 12 para Vozes Humanas" (Foto: Ricardo Moreno)

Sérgio Roveri: observação do cotidiano e concisão no teatro (Foto: Ricardo Moreno)

O dramaturgo paulista Sérgio Roveri, de 52 anos, deixou as redações em julho de 2003, mas o jornalismo nunca saiu dele. Não estou falando apenas das matérias que volta e meia levam sua assinatura na imprensa, mas principalmente do olhar de observador do cotidiano cravado nos textos que serviram de base para os espetáculos nascidos de suas palavras também desde 2003. Já foram montados quinze adultos, dois juvenis e um infantil. A peça da vez chama-se Opus 12 para Vozes Humanas, está em cartaz no Club Noir e foi levantada com a cara e a coragem do diretor José Roberto Jardim e dos atores Alex Gruli, Anna Cecília Junqueira, Felipe Folgosi, Janaína Afhonso, Munir Kanaan e Pedro Henrique Moutinho. Em cena, muita gente fala e quase ninguém se entende. Até porque não existe esse interesse.

Roveri, que faturou o Prêmio Shell 2007 de melhor texto pelo drama Abre as Asas Sobre Nós, já teve sucessos de público como Andaime, dirigido por Elias Andreato, e A Vida que Eu Pedi, Adeus, capitaneado por Eliane Café, mas não deposita muita esperança em relação a ganhar dinheiro no teatro. “Eu acho praticamente impossível, no Brasil, encontrar alguém que viva exclusivamente de sua produção. Dramaturgos dão aulas, fazem traduções, ministram oficinas, escrevem roteiros, espremem aqui e ali para manter vivo o desejo de escrever”, afirma o autor. Então, vamos lá, Sérgio Roveri. Fala mais!

É um grande clichê a gente falar disso, mas… Até que ponto a experiência jornalística contribui para sua dramaturgia?

Eu levei do jornalismo para a dramaturgia duas grandes lições: a observação do cotidiano e a concisão. Acredito que, de algum modo, estes dois ingredientes podem ser encontrados em cada uma das minhas peças, mesmo naquelas em que, a exemplo de Opus 12 para Vozes Humanas ou Não Contém Glúten, ainda inédita, eu procuro me afastar um pouco do realismo ou de um cotidiano mais palpável. Com o passar do tempo, acho que tenho dado ainda mais valor à concisão – raramente minhas peças têm mais de uma hora. Não que isso seja um mérito, acho que é só uma marca minha, uma necessidade de condensar o que tenho a dizer em um tempo não muito estendido.

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 Como jornalista, é possível você se desconectar da realidade?

O jornalismo foi, sem dúvida, minha porta de entrada para a dramaturgia, uma porta que se abriu quando eu fazia matérias sobre teatro no Jornal da Tarde. Na época, passei a observar o universo teatral de um ponto de vista privilegiado. Mesmo que hoje eu viesse a ganhar muito dinheiro com teatro e roteiros, possibilidade que sempre parece distante, eu não abandonaria o jornalismo. Não perderia a chance de entrevistar e conviver, ainda que por algumas horas, com pessoas que eu admiro e têm muito a me ensinar. Eu me lembro de um dos episódios mais marcantes em minha vida de jornalista. Estava escrevendo um perfil do diretor Antunes Filho para a revista BRAVO! Em determinado momento da entrevista, abordei o que seria o famoso método Antunes Filho. Ele, então, pediu para que fossem acesas as luzes do teatro e, durante 20 minutos, representou para mim. Demonstrou como se domina aquela técnica vocal que contribui para a exuberância do elenco. Tive a chance rara de ter visto em cena o ator Antunes Filho.

O interesse pela dramaturgia então nasceu bem aos poucos…

Eu levei muito tempo para começar a escrever para teatro. Durante anos trabalhei no Jornal da Tarde ao lado do crítico Alberto Guzik, que, depois viria a ser ator e dramaturgo. Eu olhava para o mundo teatral com admiração e paixão, mas achava que não era para mim. Confesso que tinha muito medo de escrever qualquer coisa que não fosse uma matéria. Quando decidi tentar a carreira de dramaturgo, fui estudar, fui atrás de informação teórica e acadêmica, acho que para adquirir confiança. Passei três anos fazendo todos os cursos de dramaturgia e história do teatro que encontrei em São Paulo. Alguns cursos duraram um mês, outros um ano ou mais. Era como realizar dezenas de aulas teóricas de paraquedismo. Mas nada teria valor se eu não tomasse coragem para saltar. E foi o que eu fiz em 2003 – e é o que continuo fazendo até hoje: tomando coragem para um novo salto.

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O elenco de "Opus 12 para Vozes Humanas": terças e quartas no Club Noir (Foto: Marcelo Hein)

O elenco de “Opus 12 para Vozes Humanas”: terças e quartas no Club Noir (Foto: Marcelo Hein)

Você participa de projetos para a televisão como roteirista. Um exemplo é o seriado Três Teresas, do GNT. De que forma a dramaturgia do teatro conversa com a da televisão?

Esta produção contínua de seriados e minisséries é uma coisa muito recente no País. É um mercado que está se abrindo de maneira consistente e irreversível, e exatamente por estar em formação suas regras ainda não estão muito definidas. Participei de três projetos de televisão (um no canal GNT e dois na Rede Globo) e encontrei, em todas estas equipes com as quais trabalhei, profissionais que também tinham uma ligação com o teatro. Aprendi com eles como são abissais as diferenças entre uma peça de teatro e um roteiro de televisão. É engraçado, porque a gente cresce assistindo aos seriados e alimenta a absurda pretensão de que conseguiria escrever um roteiro também. Então, quando se vê diante da missão de produzir um seriado, leva todos os tombos do mundo, volta para casa com uma quantidade gigantesca de hematomas no corpo, na alma e no ego. Porque são linguagens completamente diferentes, são maneiras distintas de se contar uma história. Eu tenho a impressão de que, à medida que o mercado de séries for se consolidando, é natural que passe a haver uma aproximação maior entre roteiristas de tevê e dramaturgos – já conheço gente que transita pelos dois veículos. Mas sinto que não é tão fácil e simples dominar as particularidades das duas linguagens. É algo que só a prática, a disposição, a disponibilidade e o desapego vão ensinar.

Sua primeira peça, Vozes Urbanas, tinha como tema o cotidiano dos moradores de uma metrópole. Onze anos depois, você apresenta Opus 12 para Vozes Humanas, com personagens trancados em suas casas e centrados em si. O que mudou na forma de se comunicar nessa década e, principalmente, o que mudou para um dramaturgo criar personagens?

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A vida e a realidade mudaram mais e mais rápido que a dramaturgia. Não sei se é exagero de minha parte, ou só pessimismo, afirmar que está cada vez mais difícil reconhecer o mundo em que vivemos. E ainda mais difícil definir o nosso lugar neste mundo. A realidade está repleta de fatos que soariam estranhos mesmo num teatro do absurdo. Tenho a impressão que os autores  enfrentam uma batalha quase perdida na tentativa de traduzir nosso mundo. A maneira como as pessoas se comunicam mudou nestes dez anos. A maneira como elas trabalham, como amam, como ganham a vida… Tudo mudou. Em Vozes Urbanas, de 2003, os personagens eram marcados por uma carga de solidão que em alguns momentos chegava a ser cômica. Mas isto porque, em alguns casos, eles estavam sozinhos mesmos, então era natural que se detectasse a solidão e seus sintomas ali. Já em Opus 12 para Vozes Humanas, a solidão persiste, mas agora os personagens estão acompanhados. E esta solidão a dois, a três ou a quatro é mais dolorida, é mais avassaladora. E precisa ser retratada de uma maneira sutil e delicada para evitar os estereótipos vazios que atribuem sua causa ao avanço da tecnologia. Estamos mais sozinhos, acredito eu, porque seja esta a nossa vocação nestes tempos.

Opus 12 para Vozes Humanas foi levantada por um grupo de atores, sem patrocínio e na dependência da bilheteria para recuperar o mínimo investimento. Em pouco mais de dez anos, você já teve textos, como Andaime e A Vida que Pedi, Adeus, montados em um esquema mais folgado de produção. Ficou mais difícil fazer teatro de uma década para cá? 

Ao longo destes dez anos, eu tive o privilégio de poder conhecer estas duas formas de produção – aquela que conta com recursos, ainda que não extravagantes, como no caso de Andaime, e a feita na raça, como ocorre agora com Opus 12 e que também se deu na época de O Encontro das Águas (2004) e Aberdeen – Um Possível Kurt Cobain (2012). Eu tenho a impressão que sim, agora está mais difícil fazer teatro, independente do tema. Opus 12, penso eu, por suas particularidades na dramaturgia e na direção, é o tipo de peça que dificilmente despertaria o interesse de algum produtor. Não é uma comédia, não tem apelo fácil, não é sexista e nem é de fácil digestão. Isso são apenas características da peça, não fazem dela algo melhor ou pior. Mas são características que a afastam um pouco do chamado apelo comercial.

Ou o seu teatro se tornou mais distante de um interesse comercial?

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Mas fazer teatro não é e nem está fácil para ninguém, grandes e pequenas produções sofrem com problemas inerentes a sua própria estrutura. O que me deixa feliz, no caso de peças como o Opus, é a garra dos amigos, o empenho de um diretor e de atores talentosos que aceitaram encarar este desafio pelo prazer de atuar, de estar no palco sem qualquer garantia de retorno financeiro e sabendo que o dinheiro da bilheteria, quando muito, vai ser suficiente para dividir uma porção de frango a passarinho – consumida sempre em meio a gargalhadas e muito afeto.

José Roberto Jardim

José Roberto Jardim, Munir Kanaan, Anna Cecília Junqueira, Roveri, Felipe Folgosi e  Alex Gruli: leitura de mesa (Foto: Divulgação)

Como dramaturgo, o que deixa você mais feliz e o mais triste no teatro, na hora em que vê um texto encenado?

Esta talvez seja a mais complexa das perguntas, porque o caminho de um texto, da impressora ao palco, é repleto de felicidades, tristezas, ansiedades, medos, inseguranças, arrependimentos e poucas certezas. Às vezes, estes sentimentos aparecem bem delineados, cada hora é um deles. Às vezes, eles se embaralham e deixam o percurso muito turvo. A simples leitura de um texto já é um momento de felicidade; ver os atores decorando, ver o diretor dando corpo ao que eram apenas palavras, é um outro momento. O palco, teoricamente, seria a junção destes momentos de prazer e felicidade, mas é também uma arena tão cruel, tão desafiadora que é como enfrentar um voo com turbulência no caminho das férias. Eu diria que o que me deixa mais feliz é ver a o elenco se apropriando de um texto que, ali em cena, já é muito mais deles do que meu. Triste eu fico, e muito, quando sinto que não consegui dizer exatamente o que queria. Ou, quando consegui, já era tarde. É uma tristeza provocada por este erro na dosagem ou na pertinência das palavras. O bom é que eu sou o único culpado disso.

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A dramaturgia existe como profissão ou ela ainda funciona como um hobby para você?

Uma vez, o Antonio Fagundes me disse numa entrevista que não conseguiria encarar como profissão algo que não garantisse o seu sustento. Concordo com ele. No caso específico da dramaturgia eu acho praticamente impossível, no Brasil, encontrar alguém que viva exclusivamente de sua produção. Dramaturgos dão aulas, fazem traduções, ministram oficinas, escrevem roteiros, espremem aqui e ali para manter vivo o desejo de escrever. É uma profissão estranha, mas altamente viciante. Às vezes, eu costumo me imaginar na velhice como alguém livre de muitas obrigações, já que talvez seja esta uma das vantagens da velhice, o sumiço das obrigações. Mas mesmo lá, na velhice, eu me vejo escrevendo alguma coisa, encontrando um jeito ou outro de colocar umas palavras na boca de uns seres imaginários que me façam companhia, como hoje já o fazem. No primeiro dos meus dez anos de terapia, o analista disse que talvez o teatro fosse a minha salvação. Não sei se é, porque não sei se o teatro salva alguém. Mas posso garantir que ao menos para um abismo maior ele ainda não me empurrou.

Claudio Fontana e Cassio Scapin em "Andaime": texto de Roveri montado em 2007 (Foto: João Caldas)

Claudio Fontana e Cassio Scapin em “Andaime”: texto de Roveri montado em 2007 (Foto: João Caldas)

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