Bete Dorgam e a filosofia do clown: “comecei palhaça e vou morrer palhaça”
Muitas máscaras cobrem o rosto da atriz paulistana Bete Dorgam. Seja em um papel cômico ou dramático, ela é antes de tudo uma palhaça – no verdadeiro e melhor sentido da palavra. Como professora, Bete se define como uma atriz que dá aulas. E, na pele de entrevistada, é de uma timidez só. Com sua […]
Muitas máscaras cobrem o rosto da atriz paulistana Bete Dorgam. Seja em um papel cômico ou dramático, ela é antes de tudo uma palhaça – no verdadeiro e melhor sentido da palavra. Como professora, Bete se define como uma atriz que dá aulas. E, na pele de entrevistada, é de uma timidez só. Com sua voz doce, no entanto, o seu discurso torna-se encantador. Solteira, Bete, de 57 anos, não teve filhos e ama seus três cachorros. “O mundo será muito melhor quando as pessoas encararem os cães como os grandes companheiros”, diz. No palco, ela interpreta uma mãe inconformada com o desaparecimento do filho há duas décadas. Trata-se do melodrama Avental Todo Sujo de Ovo, dirigido por Bruno Guida, que pode ser visto no Viga Espaço Cênico até 15 de dezembro. “O mais interessante do espetáculo é o tema da frustração das expectativas. Os pais daquele cara esperaram a vida inteira por ele. E ele voltou. Só que de uma forma diferente da esperada”, define Bete Dorgam, que agora fala um pouco para nós.
A virada de mesa
“Aos 26 anos, eu tinha a sensação de que não queria nada daquilo para a minha vida. Era jornalista e publicitária. Tinha feito ainda uma especialização na Universidade de Navarra, na Espanha. Na verdade, eu estava encantada em participar de uma montagem de A Casa de Bernarda Alba, do grupo amador do Everton de Castro. Então, eu fui participar de uma seleção para trabalhar em um grande jornal e me perguntaram o seguinte: ‘se você precisar ficar na redação até mais tarde, vai se importar muito se deixar de apresentar a peça naquele dia?’. Foi nessa hora que caiu a ficha. No ano seguinte, eu entrei para a Escola de Arte Dramática (EAD) e saí de lá com 31 anos. Eu só posso me considerar uma atriz profissional depois disso.”
O começo de tudo
“Entrei em cena pela primeira vez aos 15 anos. Eu fazia uma palhaça em uma montagem de O Auto da Compadecida, com o grupo do Marcelino Buru. Minha mãe sempre me deixou muito à vontade. Quando eu tinha 16 anos, ela sugeriu que eu fizesse um curso de teatro com “um senhor chamado Eugênio Kusnet”. Fiquei morrendo de vergonha e não fui. Penso até hoje na oportunidade que perdi. Mas eu era muito envergonhada, sou tímida demais. Em 1991, eu comecei a estudar clown com a Cristiane Paoli Quito. Nesse momento, eu realmente descobri outro mundo. Tanto que o meu doutorado foi todo com enfoque na máscara.”
Uma atriz na sala de aula
“Dou aula na EAD desde 2000. Eu sou uma atriz que dá aula. Não me considero uma professora. Eu vou lá como uma artista dividir minhas experiências com outros artistas. Quero dar meu testemunho para alguém. Hoje, acontece uma coisa muito legal em relação ao teatro. O pessoal da prática está indo para a vida acadêmica de novo. É muito legal conviver com gente que faz e tem uma visão além da teoria. A teoria com que trabalho na universidade não passa para a atriz na hora em que começo a criar uma personagem. A atriz, no entanto, invade o tempo inteiro o meu lado de professora.”
Filosofia do palhaço
“Eu não pertenço oficialmente ao Folias. Eu fiquei uma década como agregada. Quando eu foco um trabalho, a primeira coisa que me interessa é a direção. Depois eu vou pensando nos conceitos de Brecht, no método de Stanislavski. Em primeiro lugar, o meu corpo. Depois, a minha alma. Todos os meus personagens têm um clown em sua filosofia. Eu abraço qualquer personagem como uma palhaça, sem medo de errar, de me expor e, principalmente, de parecer ridícula. Posso fazer o mais dramático dos papéis, posso ser a Medeia, mas eu vou construir o papel de acordo com a filosofia do palhaço. Se um diretor me mandar plantar bananeira e cantar Mamãe, Eu Quero, tudo bem. Eu faço sem medo algum de parecer ridícula. Comecei palhaça e vou morrer palhaça.”
No cinema e na televisão
“Por incrível que pareça, só agora eu fui conhecer um pouco de cinema e televisão. A Rosi Campos, minha amiga, sempre disse que eu deveria me preocupar com a administração da minha carreira. Cheguei lá por causa da Anna Muylaert, que me escalou para um filme, Chamada a Cobrar, e depois para protagonizar um episódio do seriado As Canalhas, exibido pelo GNT. Foi muito bom. Mas também é um grande exercício de paciência. Eu aprendi uma diferença enorme em relação ao teatro. No teatro, você faz de tudo um pouco. Escolhe o figurino, palpita no cenário, comenta sobre a luz. No cinema e na televisão, você é apenas uma atriz. Não deve se meter em mais nada. Cada um tem sua função.”
O bom trabalho
“A universidade me dá o necessário para pagar minhas contas. Já topei alguns trabalhos por causa de grana. Não vou negar. Mas isso é uma coisa que não faço mais porque dói muito. E teatro quando começa a doer você precisa pular fora. Se você não acredita em um personagem, o público também não vai acreditar. Tenho 57 anos e isso é o mínimo que espero de mim. Outra coisa fundamental é quem me chama para trabalhar. Se for o Marco Antonio Rodrigues, estou dentro. Com o Dagoberto Feliz, a mesma coisa. Topo sem conhecer o texto. Também vou de olhos fechados se quem me convida é a Anna Muylaert.”