“Sessão de Terapia” leva teatro para a televisão
Teatro é teatro. Gente de carne e osso na sua frente, lutando de todas as formas para conquistar a atenção e, se possível, quebrar os limites entre palco e plateia. Inesquecível, se o resultado for muito bom. Constrangedor, caso fique no mais ou menos. Cinema é uma arte diferente e não menos encantadora. Tudo é […]
Teatro é teatro. Gente de carne e osso na sua frente, lutando de todas as formas para conquistar a atenção e, se possível, quebrar os limites entre palco e plateia. Inesquecível, se o resultado for muito bom. Constrangedor, caso fique no mais ou menos. Cinema é uma arte diferente e não menos encantadora. Tudo é estudado e filmado. Errou ou não ficou tão bom, faz de novo. Com maior riqueza de detalhes, o diretor e seu elenco têm como objetivo transportar você, espectador, para dentro da tela. Ao contrário do teatro, fica para a eternidade. E a televisão? Bem, a televisão é outra coisa. Funciona muitas vezes de uma forma semelhante ao cinema só que em um ritmo de produção mais acelerado e industrial ainda. Pelo menos para os brasileiros, é a mais acessível das três artes. Falo de teledramaturgia, claro. E quando dá tudo certo é aquilo, vira assunto nacional.
De vez em quando, a TV chega perto do cinema. A novela “Pantanal” surge de cara como exemplo com suas longas sequências que exploravam as belezas naturais do Mato Grosso. Podemos lembrar também dos capítulos iniciais da novela “Renascer” e da minissérie “Os Maias”. Teatro no vídeo é mais difícil e pode ficar muito, mas muito chato. Lá nos primórdios, na virada da década de 50 para a de 60, viu-se o “Grande Teatro Tupi” em um tempo em que a telenovela praticamente não existia. Nos anos 70, o radical dos palcos Antunes Filhos cedeu à tentação e assinou algumas belas adaptações para a TV Cultura. A Rede Globo produziu ainda série “Aplauso”, exibindo até “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, em 1979.
Mais recentemente falou-se muito do quanto os atores da novela “Avenida Brasil” improvisavam, principalmente aqueles do núcleo do Tufão (Murilo Benício). Realmente, aquela gritaria, com todos falando ao mesmo tempo, deve ter nascido de uma liberdade dada pela direção e foi muito bem aproveitada por um elenco de fôlego. Mas, em minha modesta opinião e onde a minha memória alcança, a cena de novela que chegou mais perto do teatro foi vista em “Vale Tudo” (1988). Durante quase nove minutos ininterruptos, o acerto de contas entre a empresária Odete Roitman (Beatriz Segall) e sua filha Heleninha (Renata Sorrah) no dia em que a vilã seria assassinada é um espetáculo cada vez mais difícil de imaginar repetido na televisão. Um texto irrepreensível interpretado por duas atrizes em estado de graça como se elas estivessem no palco e não diante das câmeras. Só (re) vendo para crer.
Bem, leitor, se você teve persistência de chegar até aqui, agora, vou falar um pouco de “Sessão de Terapia”. A série dirigida por Selton Mello, com base na produção israelense “BeTipul”, é uma prova de como é possível se fazer televisão, cinema e teatro juntos. Claro, trata-se de um canal a cabo. O cenário não foge do consultório do psicólogo Theo (interpretado pelo grande Zécarlos Machado). Uma poltrona de frente a um sofá. O resto são detalhes. Ali, ele recebe seus pacientes e, por cerca de trinta minutos, cria uma rede de tensão que, muitas vezes, espelha o drama alheio em sua própria vida para lá de desorganizada. Zécarlos Machado é um dos maiores atores do teatro paulistano. Para quem não viu, ele está em cartaz com a peça “Doze Homens e Uma Sentença” até 2 de dezembro e até hoje tinha dado pouco as caras na televisão. Maria Fernanda Cândido, Sérgio Guizé, Mariana Lima e André Frateschi, ao lado da estreante Bianca Müller, vivem os pacientes. Selma Egrei, por sua vez, é a terapeuta do terapeuta, e Maria Luisa Mendonça, em aparições pontuais, faz a mulher de Theo.
Já queria há algumas semanas encontrar um motivo para escrever qualquer coisa sobre a série do GNT. Ontem à noite, eu encontrei. No episódio da terça-feira, dia 20 de novembro, o psicólogo Theo recebeu a visita de Antônio, o pai do atirador de elite Breno (papel de Guizé), recentemente morto. E quem estava ali, incorporado naquele personagem, era Norival Rizzo. Assim como Zécarlos Machado, Rizzo também pode ser considerado um dos grandes dos nossos palcos. Tranquilo, gente boa, com jeitão de paulistano da Zona Leste (que é de fato), ele vai com rara desenvoltura do drama pesadíssimo até a comédia mais rasgada. Transforma-se no papel, deixando de lado suas características pessoais tão marcantes.
Antônio, o personagem, aparece cético diante do psicólogo. Questiona a relevância do trabalho do outro e o quanto a psicologia pode ter mais atrapalhado que ajudado seu filho confuso. Num crescente embate, transforma-se sem querer e ter noção em mais um paciente, chegando a perder as estribeiras e a esbofetear Theo. A câmera de Selton Mello vai de close em close, do ponto de vista de um para o de outro. Texto e ator, nada mais. Zécarlos Machado e Norival Rizzo deitam e rolam nos diálogos, dá vontade de pular na cadeira em casa e aplaudir. Assim como Beatriz Segall e Renata Sorrah, eles fizeram do estúdio de televisão um palco. E o que têm em comum esses quatro nomes? São intérpretes que trazem o teatro em sua essência. Deve ser por isso, não?