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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Por que os vídeos de extração de espinhas são tão prazerosos?

Já se deparou com gravações do tipo na internet? As milhões de visualizações desses conteúdos têm algumas explicações

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 29 mar 2017, 19h12 - Publicado em 29 mar 2017, 19h09

Algumas páginas on-line, canais do YouTube e perfis em redes sociais têm se dedicado a mostrar registros em vídeo de pessoas estourando espinhas, abcessos e cistos, bem como espremendo cravos. No começo, eram basicamente vídeos caseiros, mas atualmente há até dermatologistas mostrando o registro de seu trabalho com dezenas de pacientes.

A quantidade de pessoas que seguem esses canais é realmente grande. Há canais/perfis com mais 300 000 seguidores. Os comentários deixados nos vídeos demonstram que as pessoas têm de fato uma espécie de prazer em assistir aos vídeos. Há quem passe longos intervalos em um engajamento declarado como irresistível.

Por que isso acontece? A resposta não é inequívoca. Na verdade há alguns fatores que, juntos, talvez ajudem a entender o fenômeno. Mas antes vamos organizar algumas definições.

Um pouco de explicação

As glândulas pilossebáceas produzem uma secreção gordurosa que é liberada constantemente pelos poros do corpo que, quando obstruídos, fazem com que a secreção se acumule neles. Esse acúmulo, se oxidado, forma os cravos abertos (pretos), os cravos fechados (brancos) ou, no caso de uma inflamação ou de uma infecção bacteriana, as espinhas. Todos esses processos são tipos de acne.

Pois bem… É instintivo para qualquer animal higienizar o próprio corpo. Cães e gatos, por exemplo, lambem partes de seu próprio corpo. Aves usam o bico para retirarem parasitas da pelugem. Até insetos têm comportamentos de limpeza de asas e membros. Limpar o próprio corpo aumenta as chances de sobrevivência e, por isso, esse foi um comportamento selecionado pelo ambiente ao longo de milhões de anos.

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E o homem? Embora sejamos animais, é raro vermos humanos lambendo o próprio corpo. Isso se deve em partes à sofisticação que desenvolvemos para higienizar o corpo. Quem em sã consciência trocaria um sabonete cheiroso e cremoso por uma boa lambida no braço? Ou quem abriria mão de uma banheira com água morna por um mergulho no córrego? Ou mesmo de uma boa ducha por um passeio exploratório na chuva? Preferimos sempre o conforto dos recursos que a humanidade desenvolveu.

Ainda assim, nossos comportamentos instintivos permanecem programados em nossos genes e aparecem de vez em quando independentemente de nossa escolha. Assim é com os comportamentos de limpar o próprio corpo. Não chegamos a lamber as mãos, mas fazemos coisas parecidas. Eliminar as secreções, retirar sujeira de nariz e ouvidos e estourar acnes são formas instintivas de higienizar o próprio corpo.

Mas o que isso tem a ver com o prazer em ver os vídeos de acnes estourando? Vamos ver.

Fatores que contribuem para tornar os vídeos de acnes “irresistíveis”

Comportamento de catação (grooming) – Todo esse papo de cuidar da higiene do corpo para diminuir as chances de uma morte precoce incorporou ao longo da evolução um conjunto de comportamentos bastante típico dos primatas… a catação. Esse nome feio diz respeito à limpeza que um primata faz nos outros de seu grupo. Macacos usam a catação como forma de estabelecer e fortalecer vínculos sociais e sexuais. Como bons primatas que somos, fazemos isso também com familiares e parceiros sexuais. Quem nunca quis estourar a espinha de alguém próximo que atire a primeira pedra. Por mais bizarro que pareça, estourar a espinha de seu companheiro(a) é sinal de vínculo forte. Assim, assistir aos vídeos de acnes estourando estimula as sensações associadas ao nosso próprio repertório instintivo.

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Alívio da ansiedade – As tensões das situações cotidianas geram ansiedade. Nosso modo de vida faz com que a ansiedade se mantenha ao longo do tempo. O máximo de acúmulo da ansiedade é o estresse, quando o corpo estafa e responde com uma doença. Mas antes da saturação, a ansiedade pode nos manter em estado de tensão que acaba sendo descarregada em diferentes situações: atividade física, quebra de objetos, sexo, cutucar o próprio corpo, agressividade, roer de unhas etc. Uma outra possível razão para gostar de assistir aos vídeos de cravos e espinhas é, portanto, mimetizar a sensação de alívio de tensão. Note-se que antes de ser aberta a acne, o substrato gorduroso de seu interior está contido sob forte pressão. Testemunhar o rompimento dessa tensão com o consequente extravasamento do conteúdo produz sensações imediatas de alívio e relaxamento.

Expressão de traços compulsivos – Algumas pessoas apresentam um tipo especial de ansiedade que se mostra por meio de comportamentos compulsivos, comportamentos que acontecem de forma repetitiva, excessiva e irresistível. A realização da compulsão traz alívio para a pessoa. Há quem desenvolva compulsão por sexo, por jogos, por substâncias químicas e várias outras coisas. A escritora de um blog sobre o assunto descreveu o prazer que sente ao ver os vídeos da Dr. Pimple Popper (a dermatologista Sandra Lee) como o mesmo tipo de prazer do sexo. E ela diz que os vídeos da doutora Lee são como uma tipo de pornografia para ela. Achei a descrição bastante interessante. Mesmo quem não sofre de transtorno obsessivo-compulsivo pode apresentar comportamentos compulsivos em um grau menor, definindo um padrão comportamental de traços compulsivos. Ver espinhas estourando, dado o contexto já apresentado no comportamento de catação, acaba sendo um forte candidato a foco de compulsão para muitas pessoas.

Raridade – Embora haja dezenas de vídeos de acnes comuns, os mais vistos são mesmo aqueles que mostram acnes gigantes sendo estouradas. Esse elemento de novidade também facilita na popularização e na irresistibilidade desses materiais.

Dor e prazer – As vias nervosas associadas ao processamento da dor têm importantes intersecções com aquelas que participam do processamento do prazer, tanto em centros periféricos quanto em centros de integração da informação no cérebro. Não é difícil perceber isso quando atentamos para as pessoas que têm prazer com práticas fetichistas de sadismo e/ou de masoquismo durante o sexo. A dor imaginada ao ver alguém com uma acne enorme pode ser sentida no próprio corpo como uma espécie de parestesia. O caráter patológico quando envolve a compulsão por cutucar a própria pele é a dermatilomania. Traços dela podem aparecer nos momentos de maior ansiedade mesmo para quem não sofre com a doença. E os vídeos acabam sendo um momento irresistível do binômio dor-prazer visto no outro com reflexos em si mesmo.

Nenhum desses fatores sozinho explica porque os vídeos de acnes estourando são prazerosos ou ao menos irresistíveis para muitas pessoas mas, em conjunto, ajudam a entender o que acontece com nossa fisiologia enquanto assistimos a eles. Portanto, não se julgue caso já tenha parado alguma vez diante da doutora Estouradora de Espinhas no YouTube. Mas, se isso lhe toma muito tempo, é hora sim de procurar ajuda.

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