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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Seu bicho de estimação não é um ser humano de mentirinha

Quando pode haver problema na relação com o pet?

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 22 mar 2018, 11h52 - Publicado em 19 mar 2018, 15h46

Cães, aves e gatos estão presentes em muitos lares. E tem sido cada vez mais comum a presença de outras espécies, como peixes, répteis… Às vezes são tidos simplesmente como animais domesticados, outras vezes como verdadeiros membros da família.

Bichos também aparecem com frequência cada vez maior em tratamentos psicoterapêuticos e comportamentais. Paralelamente, também eles próprios têm sido crescentemente recebedores de cuidados profissionais.

Segundo a interpretação da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação) para o senso do IBGE de 2013, o Brasil tem a quarta maior população de animais de estimação do planeta. Se considerados apenas cães, gatos e aves canoras e ornamentais, a população do país ocupa a segunda colocação. São 52 milhões de cães, 38 milhões de aves e 22 milhões de gatos.

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O vínculo com os animais é realmente saudável?

George Eliot afirmou ainda no século XIX que “os animais são amigos muito agradáveis” por não fazerem perguntas nem manifestarem desaprovação. Nada poderia ser mais verdadeiro acerca dos bichos, para o bem e para o mal.

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A convivência com pets traz aspectos positivos marcantes. O vínculo por si só já é significativo uma vez que há uma troca afetiva. Esta troca envolve as interações cotidianas… Os olhares, as aproximações, os toques, os cuidados e as expressões de proteção.

A necessidade de cuidar da mascote possibilita que a pessoa desenvolva marcadores relevantes de motivação e disciplina. Um animal de estimação estimula seu dono a sair de casa, manter-se ativo, estabelecer interações com outras pessoas quando, por exemplo, vai ao parque caminhar com seu cachorro.

No caso específico de pessoas emocionalmente doentes, a companhia de um pet pode ser um fator propulsor do enfrentamento da doença. Embora seja um campo que precise ainda ser explorado com mais profundidade científica, algumas pesquisas demonstram que há sim alguns ganhos na inserção dos animais como fator terapêutico coadjuvante das técnicas clássicas de terapia. Crianças e idosos particularmente parecem se beneficiar muito dessas interações.

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Quando pode haver problema

Algumas pessoas dizem que preferem a convivência com animais do que com humanos. Este é um pensamento preocupante. Alguém que diz isso certamente sente algum tipo de frustração com a conduta humana. Quase sempre carrega alguma mágoa produzida por alguém relevante no passado. Essa percepção fez com que a pessoa se isolasse e em algum momento percebesse que um animal não humano jamais cometeria condutas que a possam magoar. Passa então a projetar toda sua energia emocional para o vínculo com animais.

Uma reflexão que sempre coloco nesses casos é sobre um gritante paradoxo. Será que a pessoa que afirma preferir os animais aos humanos não se considera um humano ela própria? Parece que, ao concluir que prefere os animais, essa pessoa de algum modo acredita ter deixado de ser humana ou ao menos acredita ter se isentado em seu íntimo da possibilidade de cometer as maldades que um ser humano comete. E ainda tem um aspecto importante. Há uma generalização em relação à espécie humana: ninguém se salva, ninguém é confiável. Eu digo que este é um paradoxo porque de fato ninguém deixa de pertencer à espécie humana por declarar que prefere o convívio com animais.

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Além do paradoxo, há também uma contradição em prejuízo dos animais. Já parou para pensar que alguém que tem um bicho de estimação por preferir conviver com animais do que com humanos está impondo a sua mascote o o convívio com um ser humano (a própria pessoa, no caso)? Seria mais honesto dizer: “Eu prefiro que os animais convivam comigo para que eu não precise conviver tanto com outros humanos.” Quem realmente quer conviver com animais (e não que os animais convivam consigo) deveria viver no habitat deles (o que tampouco é uma boa ideia, já que a presença humana produz impacto deletério em ambiente selvagem). Então, de fato, nós fazemos com que os animais convivam conosco por domesticação e não o contrário.

“Humanificar” o animal

As implicações práticas desse paradoxo e dessa contradição é que o vínculo exagerado “humanifica” (perdoem-me o neologismo) o animal para que ele se submeta ao preenchimento de uma lacuna no psiquismo da pessoa que só poderia ser preenchida na vinculação humana, já que esta lacuna só existe porque há mágoas advindas justamente dos vínculos humanos. “Humanificar um animal significa transformá-lo EM um ser humano de mentirinha. Um ser-humaninho que veste roupa, tem caminha, tem lugar à mesa mas que não pode magoar seu dono (Dono! E não amigo…). Estabelecer uma relação dessa ordem com um bicho é um forte processo neurótico, egocêntrico e egoísta (dado que o animal é domesticado pela nossa cultura – no caso de pássaros e peixes é ainda pior já que a contenção tem espaço extremamente limitado).

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As relações humanas são realmente complexas e o convívio pode ser extremamente frustrante em certas situações. Paralelamente, é verdade que o convívio com animais pode gerar vínculos enriquecedores e prazerosos. Ainda assim, cada um pertence à sua própria espécie, inclusive nós humanos.

Podemos tirar proveito do convívio com os animais garantindo também a eles o direito a uma vida plena. Ainda assim, é impossível transformarmos um animal em um ser humano de mentirinha em favor da conveniência e tampouco podemos deixar de pertencer à espécie humana por simplesmente decidirmos uma preferência pelos animais.

Restaurar os vínculos e enfrentar os traumas é trabalhoso. Os animais podem ser parceiros importantes nessa jornada, mas a resolução só é conquistada de fato nas próprias interações humanas.

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