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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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CONVIDADO EM TERAPIA: a habilidade dos pais em identificar os comportamentos dos filhos

Quatro meses atrás conhecemos o caso de Laurinha, a garotinha que recebia elogios tão excessivamente que acabou tendo seu repertório comportamental prejudicado. Hoje contamos com a psicóloga Bia Chamati trazendo à luz a importância que o elogio na dose certa tem no desenvolvimento infantil e como os pais podem treinar sua habilidade de saber identificar […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 21h19 - Publicado em 1 ago 2014, 01h00

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Quatro meses atrás conhecemos o caso de Laurinha, a garotinha que recebia elogios tão excessivamente que acabou tendo seu repertório comportamental prejudicado. Hoje contamos com a psicóloga Bia Chamati trazendo à luz a importância que o elogio na dose certa tem no desenvolvimento infantil e como os pais podem treinar sua habilidade de saber identificar os comportamentos bons que os filhos apresentam.

Encontrando a luz azul… (por Bia Chamati)

Clara é uma criança de 7 anos. O primeiro relato dos pais é carregado de “artes” de Clara e exemplos de maus comportamentos. Paula, a mãe, diz que “Clara é assim desde que nasceu, chorava para tudo o que queria. Desde os dois anos as brigas com a irmã mais velha são constantes e nessa idade começou a escolher a roupa que queria vestir! “Tenho até vergonha de dizer isso. Precisamos repetir mais de dez vezes o mesmo pedido e mesmo assim ela desafia e começa a dizer que não vai tomar banho, que não está com fome e não vai sentar à mesa para jantar, que vai fazer a lição depois de brincar com os colegas do prédio.” O pai complementa: “ela não segue nenhuma regra da casa, faz tudo do jeito que quer. Em um ano trocamos de babá quatro vezes, quatro vezes! Ninguém aguenta!”. Solicito mais detalhes das situações colocadas acima, pergunto especialmente sobre o histórico da postura dos pais quando se deparam com tais comportamentos da filha e eles relatam que sempre, cansados de brigar, acabam cedendo ao que ela deseja. Após uma hora de sessão eu não havia escutado nenhum elogio dos pais para Clara. Então pergunto: “Vocês poderiam me contar um bom comportamento de Clara?”. A pergunta é seguida por quase um minuto de silêncio e a mãe diz: “não sei dizer”. Solicito que se esforcem e pensem em um único exemplo para dizerem algo de bom sobre a filha. A mãe diz que está muito cansada e no momento não consegue pensar em nada e o pai permanece em silêncio. Pergunto então quais são os momentos que eles dedicam para ficar com Clara. Ambos dizem que as atividades da rotina são tão exaustivas que não conseguem dedicar um momento de lazer com a filha.

Peço aos pais que imaginem que a vida de Clara está sendo vista de um palco, que de um lado é iluminado por uma luz azul e de outro por uma luz vermelha. No palco Clara buscará estar embaixo dos refletores que mais iluminam. A criança não escolhe comportar-se de uma forma não desejada pelos pais porque quer, mas sim porque é esse comportamento que funciona para que esses pais atentem a ela.  Quando o foco dos pais é no comportamento inapropriado são esses comportamentos que vão aumentar de frequência e, assim, a luz vermelha que faz referência a esses comportamentos indesejados aumenta a cada dia enquanto a luz azul, que se refere aos bons comportamentos, vai diminuindo de alcance a cada dia.

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Tudo o que fazemos aprendemos a fazer.  Uma criança se comporta como se comporta porque aprendeu que, ao agir como age, consegue o que quer: atenção dos pais. Nesse sentido, podemos pensar que tudo o que fazemos é mantido pelas consequências, pelo que ocorre após o que fazemos. Por que giramos a maçaneta da porta sempre no mesmo sentido? Por que abrimos um pacote de chocolate quando dizemos que estamos de regime? Por que uma criança chora quando algo a desagrada? Por que digo para minha mãe que não vou tomar banho quando chega o horário de tomar banho? Por que como o doce na hora que minha mãe diz que não devo comer? Agimos como agimos porque nossa ação leva a algum efeito no mundo e é esse efeito que mantém a nossa ação.

Finalizo a sessão solicitando aos pais que observem diariamente o comportamento de Clara, buscando atentar aos bons comportamentos da filha, aos que consideram apropriados, que me enviem e-mails diários, separadamente, descrevendo o que observaram de bom na filha naquele dia e que retornem em uma semana. Antes de levantar o pai diz: “Olha, doutora, você vai me desculpar, mas o que eu quero é que você dê um jeito nessa menina porque eu não aguento mais, e aí eu chego aqui e você me vem com essa de luz colorida e me pede para olhar o que minha filha faz de bom? Eu não aguento mais essa menina!”. O pai levanta e sai da sala. A mãe pede o meu e-mail e vai ao encontro do marido.

Após três dias da sessão realizada recebi um longo e-mail da mãe relatando que não havia reparado como não conseguia ver tantas qualidades na filha e que a sessão realizada havia tido um impacto forte para ela. “A minha filha é carinhosa, é uma das melhores alunas da sala, é educada com os avós, vai dormir no horário certo, tem vários amigos na escola. No dia da nossa sessão cheguei em casa e a Clara correu me abraçar dizendo estar com saudades. Percebi que recebo esse abraço todos os dias, mas os conflitos com ela me faziam desprezar esse carinho. Abracei ela tão forte que ela em seguida me pediu para abraçá-la todos os dias do mesmo jeito. Eu, então, disse a ela que a amava e ela me disse que sabia que já deveria ter tomado banho e me perguntou se fosse correndo para o banho naquele momento eu poderia depois olhar os desenhos que ela havia feito enquanto eu estava fora de casa”. O longo e-mail ainda dizia que em três dias ela observava que, aos poucos, a luz azul aumentava de alcance enquanto a vermelha diminuía e que não ia desistir de encontrá-la. “Sinto que a Clara é meu presente para clarear e redirecionar o meu olhar em busca da luz azul”.  Finalizou dizendo que sabia que a tarefa não seria fácil, mas percebia que estava aprendendo a mudar o olhar que tem sobre a filha e que acreditava que com a minha ajuda conseguiria. Confirmou que no dia seguinte escreveria exemplos do que eu havia solicitado e que compareceria à sessão na semana seguinte, junto com o marido. Recebi e-mails diários até encontrá-la novamente, junto com o marido, na sala de espera do meu consultório no horário da sessão da semana seguinte.

Ana Beatriz D. Chamati, psicóloga, é analista do comportamento em São Paulo. Tem experiência em terapia infantil e orientação parental. O artigo escrito é fictício e baseado em leituras e experiência de trabalho. Dedica a luz azul à amiga e companheira de trabalho Bia Alckmin. Contato: biachamati@gmail.com / telefone (11) 3864-0138 – Núcleo Paradigma.

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