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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Cantadas na rua: homens adeptos da prática não têm convicção de sua identidade masculina

O que faz com que um homem repita cantadas com diferentes mulheres? Ou, colocado de outra forma, o que reforça o comportamento de dar cantadas na rua? Está óbvio que não são as próprias mulheres. Quando a paquera de um cara é correspondida de algum modo, aí sim podemos dizer que foi reforçada. Mas isso, […]

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 26 fev 2017, 15h55 - Publicado em 19 jun 2015, 00h10

cantadas

O que faz com que um homem repita cantadas com diferentes mulheres? Ou, colocado de outra forma, o que reforça o comportamento de dar cantadas na rua? Está óbvio que não são as próprias mulheres. Quando a paquera de um cara é correspondida de algum modo, aí sim podemos dizer que foi reforçada. Mas isso, normalmente, acontece num contexto diferente da rua, onde provavelmente aquelas duas pessoas não mais vão se ver. O cara que canta uma garota na rua não acredita, de fato, que aquela interação vá permitir que os dois possam se conhecer melhor e namorar. Qual será, então, a consequência reforçadora da cantada?

+ Seja você mesmo na hora da paquera

O grupo de humor Porta dos Fundos produziu um vídeo no qual, após receber uma cantada grosseira de um trabalhador de manutenção da cidade na rua, a garota retorna e corresponde de forma plena à cantada, o que surpreende o homem e faz com que ele volte atrás. Ele se fragiliza e diz que aquilo faz parte do trabalho deles. O vídeo é uma crítica certeira porque toca de forma irônica justamente na questão daquilo que mantém esse péssimo comportamento masculino. Claro que os homens não são obrigados a dar cantadas na rua mas, socialmente, há sim uma expectativa de que um homem (que é homem) se comporte assim.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=_S92oZVf8w4?feature=oembed&w=500&h=281%5D

O fato é que a estrutura machista da sociedade está entre os aspectos reforçadores deste tipo de violência contra a mulher. Após uma cantada, o homem normalmente recebe um elogio do amigo que lhe faz companhia ou mesmo sinais sutis de aprovação vindos de outros perto dele. Um leve sorriso vindo de outro homem transmite algo como “é isso aí cara, você mandou bem!”. Assim, cantar uma mulher na rua fortalece a identificação do homem como tal. É precisamente este reforço dado pelo grupo que mantém o comportamento de cantadas de rua no repertório de um homem.

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Homens que cantam mulheres na rua, que assediam colegas de trabalho, que usam a força numa balada para se aproximar de uma garota, que insultam mulheres que não aceitaram sua paquera… eles não têm convicção de sua identidade masculina. Sem emitir tais comportamentos que os coloquem “no grupo”, não se sentem suficientemente masculinos em sua essência. É um medo de olhar para dentro de si.

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Também é verdade que homens que se recusam a fortalecer tais padrões machistas acabam, eles próprios, sendo alvos de um tipo de assédio. Um garoto que tenha um amigo de identidade feminina na escola é incentivado a isolar o amigo. Do contrário, terá sua masculinidade questionada. Tudo o que um garoto faça que seja incompatível com a manutenção do status machista no grupo é tido como sinal de dúvida de sua própria identidade de gênero.

(Foto: Ruth Orkin)

(Foto: Ruth Orkin)

Se o garoto não é grosseiro com as garotas da escola, ele só pode ser gay. Se ele tem um amigo gay, ele só pode ser gay também. Se ele não for agressivo com outros garotos mais retraídos, novamente é porque ele é “maricas”. Nessa estrutura de controle social, muitos garotos, mesmo sem compreender muito bem o que se passa, acabam reproduzindo tais padrões por um simples senso de autoproteção e, pior, levam esse repertório para a vida adulta.

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Mas, embora seja verdade que muitos garotos acabam desenvolvendo um repertório machista por autoproteção (o que ajuda a entender o estabelecimento do padrão inadequado), isso não pode ser uma justificativa sob nenhum ponto de vista. É responsabilidade de cada homem saber distinguir entre o certo e o errado, ainda que o errado seja reforçado socialmente e/ou religiosamente.

Cantadas de rua são um tipo de violência contra a mulher porque são sustentadas por (e ao mesmo tempo sustentam) toda essa estrutura machista. Não é um problema só do Brasil. Tanto é verdade que o tema vem preocupando cada vez mais a ONU, no mundo e no Brasil. As Nações Unidas enxergam uma clara relação entre o assédio verbal e a violência física. Assim, se você mexe com mulheres na rua, saiba que sua conduta contribui para a ocorrência de crimes mais violentos que envolvem agressão física ou sexual. E, sim… cantar uma mulher na rua pode virar por si só um caso de polícia se a vítima procurar as autoridades.

Se você assedia mulheres na rua e acha difícil mudar este padrão, você até pode ser uma vítima intermediária da estrutura machista da sociedade, mas a vítima, de fato, é a mulher e somente a mulher. Se é difícil entender isso, o curta francês Majorité Opprimée (“Maioria oprimida”), de Éléonore Pourriat, pode ajudá-lo a perceber isso ao mostrar como seria se os papeis socialmente estabelecidos para homens e mulheres fossem invertidos. O vídeo dá uma ideia de como uma mulher se sente.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=mfr8kAsVJIA?feature=oembed&w=500&h=281%5D

Embora algumas moças usem sua criatividade para enfrentar o assédio nas ruas, a responsabilidade pela mudança cabe a cada homem. É importante que o homem saiba identificar o que mantém seu comportamento de dar cantadas na rua. Se a cantada não agrada explicitamente a garota, o nome disso é assédio e o evento reforçador desse assédio é outra coisa que não o falso bem-estar sentido pela garota ao ser assediada. Se você, homem, se comporta assim e tem dificuldade em entender por que razão isso é errado, procure ajuda. Mas em hipótese alguma repita seu comportamento. Chega de fiu fiu.

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