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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Breve carta aos maridos

O filme “Domésticas” (Brasil, 2000), primeiro longa dirigido por Fernando Meirelles, tem em Cida uma de suas protagonistas. Cida é uma mulher alegre, expansiva e falante. Quando ela chega do trabalho, gosta de contar sobre seu dia a Leo, seu marido. Ele, por sua vez, está sempre sentado na poltrona da sala. Ali ele passa […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 21h47 - Publicado em 10 jun 2014, 17h02

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O filme “Domésticas” (Brasil, 2000), primeiro longa dirigido por Fernando Meirelles, tem em Cida uma de suas protagonistas. Cida é uma mulher alegre, expansiva e falante. Quando ela chega do trabalho, gosta de contar sobre seu dia a Leo, seu marido. Ele, por sua vez, está sempre sentado na poltrona da sala. Ali ele passa seu tempo entre um bico e outro. Lê o caderno de esportes do jornal, conserta algum eletrodoméstico e, claro, assiste à tevê. Cida entra em casa e começa a falar enquanto organiza as coisas na cozinha para fazer o jantar: “Oh. Leo. Você tá aí? (silêncio…) Ah, eu demorei porque dei uma passadinha na casa da dona Ana, sabe? (silêncio…) Às vezes eu passo lá pra tomar um cafezinho, fazer alguma coisa na casa dela. Eu dou a maior força pra ela quando ela tá doente viu, Leo? (silêncio…) Eu sei que ela tem o problema nos dentes ou outra dor que ela sente, sabe?”. Depois de mais alguns segundos de silêncio, Leo expõe sua explanação sobre tudo o que a esposa lhe disse sem se mover na poltrona e de costas para Cida: “Sei.”.

Esta situação é bastante comum nos lares. Embora ela não se restrinja à relação entre cônjuges, é justamente nesse vínculo que a falta de diálogo mais desestrutura a família, uma vez que o papel de liderança familiar normalmente é exercido pelo casal. Também é importante ressaltar que, ainda que qualquer cônjuge possa ser mais fechado ao diálogo, esse padrão está culturalmente mais associado à figura masculina. A falta de diálogo faz com que a relação esfrie, torna a interação mecânica e aniquila o desejo que um sente pelo outro. O casal entra numa rotina que envolve trabalho, cuidados com os filhos e a casa. Passeios e viagens desaparecem. O cotidiano no lar se empobrece. Não há jogos, brincadeiras ou qualquer criatividade. Secundariamente, a falta de diálogo contamina os filhos e agregados da família. Um efeito colateral marcante da falta de diálogo conjugal é a geração de sentimentos aversivos que tendem a se cristalizar na forma de mágoa. Alguns relacionamentos são rompidos por conta da falta de diálogo. Uma pena. Outros, pior, não acabam. A melhor opção, claro, é reverter esse padrão e reacender o prazer do diálogo e da cumplicidade conjugais. Mas isso não se consegue sem sair da poltrona. Só a iniciativa modifica esse cenário de modo satisfatório. Alguém tem de ter a coragem de quebrar o gelo. Deixar para o outro é um risco porque pode ser que o outro não se mobilize e também pode ser que sua mobilização, se ocorrer, seja para ir embora.

Voltando ao filme, Cida e Leo mantinham seu ritual diariamente. Houve uma ocasião na qual Leo sequer respondeu seu tradicional “Sei.” para a esposa. Cida, então, foi dormir. Na manhã seguinte Leo ainda estava na poltrona. Para não incomodá-lo (ele não devia estar muito para papo naquele dia), Cida foi trabalhar novamente. Quando retornou, o marido não havia se movido ainda. Cida pensou: “Mas não é possível. Esse homem é muito parado.” Chamou-o por três vezes sem obter qualquer resposta. Quando se aproximou dele, percebeu que, na verdade, Leo estava duro e gelado. Ele havia morrido dois dias atrás e só agora Cida percebera, de tão parado que ele era.

E você, já morreu? Se não, é hora de levantar da poltrona.

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