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Atriz e escritora erótica denuncia preconceito no meio cultural

"Trocada" em um teste para uma série por uma intérprete mais nova, Nalini Narayan mandou carta para autoridades falando sobre machismo

Por Ana Carolina Soares
13 Maio 2019, 19h15

Autora conhecida no meio erótico, Nalini Narayan, autora de Fêmea Alpha entre outros livros, enviou na semana passada uma carta para Ruan Lira, secretário estadual da Cultura do Rio, e Thiago Gagliasso, ator que é irmão do Bruno Gagliasso e também membro da secretaria fluminense. Trata-se de uma espécie de protesto contra o machismo no meio cultural.

Vamos ao caso: ela também é atriz e, no último mês, esteve no Rio para participar de um teste para uma série. O papel envolvia uma mulher da alta sociedade, mãe de filhos adolescentes. Nalini foi bem na prova, de acordo comentários no set, mas não passou. Os diretores preferiram uma atriz mais jovem.

“Tenho entre 30 e 40 anos. Uma mulher abaixo disso teria filhos com cerca de 10 anos? É machismo estrutural!”, reclamou ao blog. Ela publicou trechos da carta no Instagram e recebeu mais de 6 000 curtidas em dois dias. “Também falei com meu advogado. Talvez eu acione judicialmente os produtores”, conta.

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Trecho de minha carta para @thigagliasso @sececrj Denúncia de abusos contra atrizes e modelos Que arte te representa? Não sou escura o suficiente, gorda o suficiente, velha o suficiente para me enquadrar nas "cotas" praticadas pela indústria cultural. Esses dias, fui convidada para fazer um teste como atriz. A personagem seria uma mulher chique, bem posta na vida, com filhos crianças ou pré-adolescentes, casada com um homem de alto cargo e reputação ilibada que se vê envolvido num escândalo sexual. Pela minha carreira de escritora denunciando diversas situações de abuso e violência contra mulheres, crianças e marginalizados em geral, interessei-me pelo papel. Na minha caracterização da personagem, busquei inspiração na imagem de grandes damas internacionais como a primeira dama Michelle Obama, a duquesa Meghan Markle, a princesa Diana, na sua melhor amiga, a embaixatriz brasileira, Lucia Flecha de Lima, entre outros ícones e até entendi que seria apropriada minha aparência atual após a gravidez, mais madura e com um peso maior que o anterior. Doce ilusão. Resto da carta no blog nalininarayan.home.blog LINK NA BIO Fique à vontade para compartilhar e conte você também uma história de quando você sofreu algum tipo de abuso, preconceito (de idade, raça, peso, classe social, abuso sexual, bullying ou outros). Use a hastag #éabusosim

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Abaixo, o texto integral:

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Não sou escura o suficiente, gorda o suficiente, velha o suficiente para me enquadrar nas ‘cotas’ praticadas pela indústria cultural. Esses dias, fui convidada para fazer um teste como atriz. A personagem seria uma mulher chique, bem posta na vida, com filhos crianças ou pré-adolescentes, casada com um homem de alto cargo e reputação ilibada que se vê envolvido num escândalo sexual.

Pela minha carreira de escritora denunciando diversas situações de abuso e violência contra mulheres, crianças e marginalizados em geral, interessei-me pelo papel. Na minha caracterização da personagem, busquei inspiração na imagem de grandes damas internacionais como a primeira dama Michelle Obama, a duquesa Meghan Markle, a princesa Diana, na sua melhor amiga, a embaixatriz brasileira, Lucia Flecha de Lima, entre outros ícones e até entendi que seria apropriada minha aparência atual após a gravidez, mais madura e com um peso maior que o anterior. Doce ilusão.

De fato, fui muito elogiada no meu teste e por todos os profissionais que assistiram o vídeo posteriormente. O clima nos bastidores era muito favorável e até conheci, por acaso, um outro ator, apreciador do meu trabalho que me reconheceu de entrevistas polêmicas na televisão à época da divulgação de Fêmea Alfa, o meu livro de maior mídia. Acho importante cultivar amizade com quem nos valoriza. Bom, após uma semana a resposta. Infelizmente não rolou. Ok.

Eu já estava me preparando para uma viagem de fim de semana com meu marido e nosso bebê quando um amigo em comum com uma pessoa do projeto a meu pedido sondou o motivo de eu não ter passado eis que me chega esse relato: ‘Acabou não sendo ela. Escolhemos uma mais nova, que era importante para o papel. Mas o teste foi muito bom.’ Agora, você leitor pode dizer que sou uma recalcada, estou de mimimi e que não sei aceitar ‘não’ como resposta. É claro que a definição do physique du rôle é prerrogativa deles. Mas me reservo o direito de questionar essa escolha.

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(Reprodução Facebook/Veja SP)

Vamos dissecar: ‘Acabou não sendo ela’ dando a entender que eu havia sido escolhida sem nenhuma dúvida. Possivelmente, houve uma grande hesitação entre diretores, produtores, patrocinadores entre escolher a qualidade da cena e o produto ser vendável. Produto, leia-se a atriz. Por que tem que ser ‘uma mais nova’? E que história foi essa de ‘importante para o papel’? Creio que esse adendo foi uma justificativa só para diluir um possível mal-estar. A bem da verdade, não me parece que o papel pedia isso, a mulher teria que ter tido filho aos 8 anos de idade para ter dado tempo de crescerem e ela ainda ser uma ninfeta ou uma jovem… o roteiro praticamente giraria em torno desse fato espantoso! O motivo da juventude necessária para o papel é bem outro…

Machismo estrutural. No fundo, a mulher é sempre objetificada e reduzida a sua figura física. Talvez, hipótese, a intenção fosse retratar o homem como um cara que está comprando uma mulher mais nova (e essa seria uma questão interessante), porém o texto não dava margem à essa interpretação. Mesmo que fosse imprescindível ser uma garotinha, então porque me chamaram para o teste? No meu Instagram talvez aparente ser mais jovem, mas agora que sou mãe fiquei com “cara de matrona”.

Vinculo esse texto com uma foto minha atual quando estava grávida para que você, leitor, possa tirar suas conclusões e verifique se eu aparento mais ou menos idade, mais ou menos gordura, mais ou menos cor. Nossas últimas primeiras damas que são casadas com homens mais velhos têm exatamente a mesma faixa etária que eu. São mulheres entre 30 e 40 anos. Até poderia ser esquisito numa obra ultrarealista escolher atores que estivessem muito fora dessa faixa etária, mas não penso que deveria ser uma restrição apresentar um artista interessante que agrega qualidade ao trabalho mesmo que esse artista não estivesse exatamente nos requisitos.

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(Reprodução Facebook/Veja SP)

É por isso mesmo que tenho absoluta certeza de que a atriz escolhida para o papel não irá se sentir prestigiada ao descobrir através desse texto que o fator definidor para sua escolha tenha sido parecer mais jovem do que a outra atriz. Ninguém quer se sentir um pedaço de carne num açougue. Todos queremos ser especiais e sermos reconhecidos na nossa capacidade intelectual. A falta de carinho com os atores é cultivada por muitas produções. O it não está na aparência enquadrada para o mercado e sim na essência, mentalidade e consciência que um artista carrega dentro de si e isso tudo se revela na aparência diferenciada e não no estar nas medidas ditadas como ‘corretas’. Mas é apenas a minha opinião. Falo como espectadora que sou.

A gente acaba selecionando cada vez mais o que assiste e priorizando obras de maior brilho, mais verossímeis e feitas com inteligência. Em sendo um imperativo categórico que a personagem fosse novinha, seria muito natural que ela se vestisse e cultivasse uma aparência mais austera de acordo com a posição social do marido. Acho que me enquadraria. Mesmo esse imperativo eu questiono novamente, pois acho estranho que os papéis “importantes” sejam ocupados sempre por silhuetas dentro do padrão assim como rostos rejuvenescidos por botox. Todo esforço é justificado pelo fato de a ‘câmera engordar’ e lá se vão bochechas na bichectomia, papadas nas cirurgias plásticas, gordurinhas localizadas com as dietas da moda. Tudo isso em homenagem aos ângulos desfavoráveis que por ventura a câmera possa revelar!

É irresponsável, num mundo onde a anorexia e a vaidade exagerada matam a juventude diante de nossos olhos, que colaboremos com esse padrão estético tão restritivo. Em razão da naturalização desses abusos, me permito escrever esse texto, pois não aguento mais ver as pessoas se submetendo, se até atrizes de Hollywood se submetem porque comigo seria diferente? Talvez por não ser uma atriz em busca de uma chance e sim uma artista que já conquistou o seu público alvo através da literatura, uma coisa bastante difícil, eu tenha me chocado tanto.

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Acho uma mancada que não façam uma pesquisa sobre quem é o ator que está sendo chamado para um set. Qualquer pessoa que mandar um Google, Instagram, Youtube, etc terá condições de ver que eu sou uma ativista incansável, botando a boca no trombone, muitas vezes arriscando a vida pelo meu trabalho, esse é o meu histórico. Eu não tenho medo de nada. Não mereço ser tratada sob o olhar cruel do “ela não é tão bonita assim”, não, eu não sou tão bonita assim. Faltam pessoas de maior fibra e integridade no mundo e é para isso que estou lutando. Pessoas que não se curvem à lógica do machismo e do totalitarismo. Sou uma escritora de alcance internacional, reconhecida por grandes artistas do Brasil, comprometida com causas humanitárias, feminista feroz, como poderia não refletir sobre cada detalhe que exponho? Então me sinto à vontade para compartilhar com meus fãs, seguidores e leitores essa experiência até para me solidarizar com outras artistas, atrizes e modelos que sofrem humilhações cotidianas.

(Reprodução Instagram/Veja SP)

Para esse papel, não era imprescindível ser uma velha; não era absolutamente necessário ser uma gorda; não era essencial ser uma negra. Logo, vai ser uma moça jovem, magra e branca. Ou seja, ‘normal’. Nessa obra audiovisual, reparei que já havia personagens representantes de cada grupo social excluído: um negro, um gay, uma velha, uma gorda. A Wikipedia tem um nome para isso: “Tokenismo é a prática de fazer apenas um esforço superficial ou simbólico para ser inclusivo para membros de minorias, especialmente recrutando um pequeno número de pessoas de grupos sub-representados para dar a aparência de igualdade racial ou sexual dentro de uma força de trabalho. O esforço de incluir um funcionário simbólico em uma força de trabalho geralmente visa criar a impressão de inclusão social e diversidade (racial, religiosa, sexual etc.) a fim de desviar acusações de discriminação.”

Pois é. Logo, quando se adere ao tokenismo tende-se a escolher representantes claramente pertencentes à categoria em questão. Ou seja, o preto mais caracterizável como pertencente à raça negra, a gorda mais identificável como gorda, a velha mais com cara de velha. Uma tentativa canhestra de camuflar o racismo, o sexismo, a gordofobia. Para os outros papéis, evidentemente, os atores ‘normais’, ou seja, corpos longilíneos, claros e jovens. Um festival de estereótipos.

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Essa estética do ‘normal’ ecoa uma estética hitlerista-stalinista. Como nos diz Sontag em Fascinante Fascismo, é próprio de um nazista o gosto pelas “manifestações atléticas da massa, exibições coreografadas de corpos. (…) A arte fascista exibe uma estética utópica: a da perfeição física.” Não à toa, é ainda tão comum os heróis e heroínas serem jovens, sarados e loiros de olhos claros. Atores desconhecidos que tenham quilos , rugas e melanina demais, têm suas chances reduzidas às cotas.

É no mínimo irônico que uma obra que se pretende progressista e de denúncia contra o sexismo incorra no próprio preconceito denunciado. Isso não é meritório. Sinto vergonha pela classe artística mais consciente que ainda sofre desses males. Por mais que façam um esforço continuam a perpetrar os valores de antigamente onde o papel na ficção e na vida real dado às mulheres era o de mero adorno social. Chega de palavras bonitinhas e discursos engradecedores.

Precisamos realmente transformar nossos pensamentos e que isso se reflita nos nossos corpos. A maioria das pessoas não se enquadra nesses padrões aniquiladores e nem deveria

.Para você que teve paciência de ler esse texto até o final, deixo uma pergunta: Que tipo de arte te representa?”

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