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Sérgio Quintella é repórter de cidades e trabalha na Vejinha desde 2015
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“Estava rezando ajoelhado”, diz homem que simulou sequestro para não casar

Acusado de estelionato, Marcelo Castilho se apresenta como embaixador da ONU e teve a carteira da OAB suspensa

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 out 2018, 16h39 - Publicado em 19 out 2018, 13h21

A imagem pode parecer forte. Ajoelhado sob um gramado, o homem alto, com mais de 110 quilos, vestindo calça, camisa e sapato sociais aparece subjugado, indefeso, com as mãos para a frente. Parecia estar algemado ou com uma fita lhe apertando os pulsos. Era fim de agosto e dali alguns dias ele se casaria em uma grande festa marcada para ocorrer num restaurante chique de Brasília. A noiva, moradora de São José do Rio Preto, no interior, tinha aceitado começar a vida a dois em um local diferente do que estava habituada. Mas aquele “sequestro” poderia colocar tudo a perder. “E se ele morrer?”, pensou a mulher.

De posse da foto e de mensagens agressivas, enviada pelos supostos sequestradores pelo celular do homem ajoelhado, a mulher correu para a delegacia da cidade. Uma delas dizia o seguinte: “Vai catar o que sobrou dele. Só quero $ (dinheiro)”. Ao chegar ao local, logo percebeu a desconfiança dos policiais. Ouviu dos agentes que aquele sequestro nunca existiu e que por pouco não caíra em um grande golpe financeiro. Um dos motivos de desconfiança dos investigadores foi o fato de a mãe da “vítima” ter trocado mensagens com a nora e ter mantido uma enorme calma. Em uma das conversas, ela encoraja a moça a pagar o resgate. A participação da mulher, uma advogada da cidade, também está sendo investigada e ela pode ser indiciada por estelionato.

O sujeito “indefeso” da foto se chama Marcelo Henrique Morato Castilho, tem 34 anos, é advogado e se apresenta como jornalista, escritor, especialista em direitos humanos e embaixador da Paz pela ONU. É acusado de estelionato, agressão e cárcere privado. Na esfera cível, é processado por receber honorários advocatícios de clientes sem prestar os serviços prometidos. Por causa disso, seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está suspenso até que ele pague mais de 100 000 reais a uma cliente que lhe confiou os serviços para que seu divórcio fosse concluído. Ela ficou sem o dinheiro e com o casamento ainda válido.

Antes de se explicar sobre todas as acusações, Castilho diz que a história do casamento (o seu) não é bem assim como foi contada. “Se tem gente que desiste na frente do padre, por que eu não poderia mudar de ideia uma semana antes? Eu vi que não era aquilo que eu queria viver. Desisti com toda a educação e paguei o que devia. Aluguei um smoking e dei o sinal do restaurante, de 1 055 reais. Aliás, a minha ex-noiva poderia devolver a roupa, pois o aluguel está correndo até hoje”, afirma (veja abaixo um vídeo gravado pela ex-namorada logo após o pedido de casamento).

Procurada, a mulher não quis conceder entrevista. Mas e o sequestro? “Eu sou religioso, católico praticante e estava em ponto de oração. Pode ver na foto, não tem semblante de subjugação. Eu sempre rezo ajoelhado”, disse a VEJA SÃO PAULO, em uma entrevista realizada em um local público. “Tenho medo que façam algo comigo, pois não sou bem quisto pela polícia, por ser amplo defensor dos direitos humanos. Sou reconhecido por isso”.

Castilho durante discurso na Academia Brasileira de Ciências Criminais (Reprodução/Veja SP)

Embaixador da ONU

Essa alegada expertise é, segundo o próprio, fruto de seu trabalho. A “prova” disso é sacada de uma pasta. O diploma de “embaixador da paz”, com seu nome escrito à mão, foi-lhe conferido por uma entidade chamada Federação para a Paz Universal (Universal Peace Federation, em inglês), fundada pelo sul-coreano Sun Myung Moon, morto em 2012. Para comprovar sua honraria, mostra dois pequenos cartazes que contam sobre a origem da entidade. “Nunca disse que sou embaixador da ONU, mas de uma associação que possui ligação com as Nações Unidas. Para receber o documento, fui avaliado, me passaram todos os princípios. Cheguei à direção da Academia Brasileira de Ciências Criminais (Abccrim) graças a ele“, diz.

Um membro dessa associação, que tem sede em Olinda (PE), afirma que Castilho chamou a atenção por não apresentar a documentação necessária para fazer parte do grupo e por dizer que precisaria se ausentar com frequência para resolver questões diplomáticas. “Cada vez que aparecia, ele era bajulado por todos, que o chamavam de embaixador a todo momento”, afirma um representante local que pediu para não ser identificado. Procurada, a Abccrim não respondeu.

Carteira da OAB cassada

Marcelo Castilho responde a três ações na Justiça por receber dinheiro de clientes com demandas judiciais, mas não realizar os devidos trabalhos. Uma deles, que lhe conferiu os poderes para que seu divórcio fosse concluído, pagou mais de 100 000 reais, mas nenhuma ação teve início. No processo, a vítima incluiu várias conversas por e-mail em que o advogado prometia os trabalhos, nunca realizados. Em outro processo, um empresário fez diversos pagamentos, sem que suas questões fossem judicializadas. “Essas demandas serão tratadas na Justiça”, desconversa o advogado, que também não reconhece o processo disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que lhe suspendeu o direito de advogar até que as dívidas fossem quitadas. A medida administrativa cabe recurso e enquanto não é transitada em julgado, ele pode continuar advogando.

Nos processos judiciais, os oficiais de Justiça não conseguiram notificá-lo, pois ele não se encontra nos endereços conhecidos, em São José do Rio Preto e São Paulo. Em um dos locais, após perceber a presença de um oficial pelas câmeras de segurança de sua casa, Castilho, que havia pedido uma pizza e seria abordado pelo representante da lei assim que o pedido fosse entregue, ligou rapidamente na loja de alimentos e deu um novo endereço. O oficial de Justiça foi atrás do entregador e deparou-se com um estabelecimento bancário, que estava fechado.

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(Reprodução/Veja SP)

Mais um casamento e acusação de cárcere privado

Em 2015, na mesma São José do Rio Preto, Marcelo Castilho diz que se apaixonou por uma jovem hoje com 29 anos. A ideia era se casar em Mônaco. “Fomos para a Europa, visitamos Londres, Paris, tudo bancado por mim. Queríamos que a cerimônia fosse em um castelo. Mas ela não queria que houvesse festa antes de eu resolver um problema judicial para o pai dela, que estava prestes a perder um apartamento. Tão logo eu consegui liberar o imóvel na Justiça, ela terminou comigo e me bloqueou até no WhatsApp. Me senti usado”, diz.

Para a polícia, a mulher deu outra versão. Disse que foi obrigada a ficar trancada em casa, que apanhava e que o então noivo possuía duas armas não registradas. Além disso, Marcelo Castilho teria lhe fornecido dinheiro falso. O caso está em investigação sigilosa na delegacia da cidade. Procurado, o delegado responsável pelo caso não quis comentar. Sobre o dinheiro, Castilho afirma que a ex-noiva ameaçou denunciá-lo por agressão caso ele não lhe desse 250 000 euros. Como ficou desesperado, o homem imprimiu as cédulas de forma grosseira, diz. A participação de sua mãe (e de sua avó) nesse caso também está sendo investigada pela polícia. O pedido de prisão do acusado e da mãe pode ocorrer nos próximos dias.

Diploma de embaixador com nome escrito a mão (Sérgio Quintella)
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