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Por Juliene Moretti
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Vamos perder pessoas que amamos, diz Marcia Pantera

No Diário da Quarentena, a drag queen fala sobre o cancelamento das apresentações e momento para se livrar de preconceitos

Por Marcia Pantera, 50 anos, 32 de carreira, em depoimento a Juliene Moretti
Atualizado em 14 Maio 2020, 16h05 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00

“Entendi rápido que teria de entrar em quarentena. Recebi notícias de amigos que moram na Europa e tinham passado o Carnaval aqui. Nem bem pisaram lá de volta, ficaram em isolamento. Em fevereiro, eu estava na Alemanha no aeroporto enquanto aguardava o voo para retornar ao Brasil e vi muita gente de máscara encarando os asiáticos. Imagino como eles devem ter se sentido. É triste, recebo esse olhar de preconceito todos os dias por ser negro e gay.

Marcio da Silva, a Marcia Pantera: momento para se livrar dos preconceitos (Rogério Pallatta/Veja SP)

Fiz shows até 15 de março, o domingo antes do início do fechamento. Aquela noite já estava diferente. Todo mundo incomodado com gestos como abraçar e dar as mãos. Nos dias seguintes, vieram as ligações de cancelamento. As apresentações não foram adiadas, foram canceladas mesmo. Uma atrás da outra. Eu tinha conseguido economizar o que recebi no começo do ano e que deve durar até o fim de maio. Depois, não sei o que farei. Talvez mande mensagem para negociar parcerias para lives. A gente pode fazer apresentação, algumas brincadeiras. Tem drag queen que está se virando assim. Outras estão rifando as roupas. Eu ainda não preciso rifar as minhas, mas quero que as pessoas ajudem aquelas que estão passando por necessidade. Vivemos de shows, e tudo parou. Quando me enviam direct para saber se eu preciso de ajuda, indico alguém que realmente está necessitando. As pessoas acham que as drag queens são unidas, mas não são. Há dez anos guardo um dinheirinho para comprar uma casa. Só vou mexer em último caso, porque, cada vez que faço isso, o sonho fica mais longe.

Eu sou ansioso, mas já consigo me controlar. Falei com meus amigos na Alemanha e aceitei que é isso que temos de fazer. Fiquei tranquilo. Eu teria de voltar para lá no dia 29 de abril. Desde 2017, passo três meses em temporada aqui e três lá. As performances na Alemanha são mais fáceis, porque são comedidas. Aqui, sou Pantera perturbada. Bato cabelo, eu me jogo mesmo. Amo meu trabalho e sinto muita falta do palco, da plateia. Depois das apresentações, desço na pista e o público vem me elogiar, abraçar, conversar. É incrível. Eu me visto de Marcia Pantera quase todos os dias. É minha paixão. Entrava no Instagram só para assistir às lives. A pessoa que estava fazendo me via e chamava para participar. Fiz uma ou outra live com a maquiagem, de toalha. Mas a gente começa a se montar e quer ficar bonita para todo mundo ver, então faço tudo. Levo cerca de uma hora para me montar. Outro dia, entrei em quatro transmissões seguidas.

(Rogério Pallatta/Veja SP)

Ouvi um rapaz dizer que não conversava com a mãe havia dois ou três anos e fui falar com ele. Não é o momento para isso. Nesta crise, vamos perder muitas pessoas que amamos. Eu passei por isso. Tive uma fase muito ruim em meio às drogas. Elas me escravizaram e eu nem percebi. Nessa época, perdi minha mãe e minha avó e não tive a chance de dizer a elas quanto eu as amava. Hoje, temos a oportunidade de estar mais perto da nossa família, dividir o carinho, o amor. O que nos prende? É preciso livrar-se dos sentimentos ruins, dos preconceitos e ficar bem com as pessoas, praticar a gentileza.

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Nesses dez anos, houve uma transformação na minha vida que vinha em um movimento crescente. Não deixei meu nome sumir. Estava investindo pesado para Marcia Pantera voltar, sendo ainda mais a Pantera de que todo mundo gostava, musa do Alexandre Herchcovitch. Sei que sou exemplo para os meus sobrinhos, e eles precisam ver que o trabalho é o caminho das conquistas. Moro com meu marido (Kennedy Gomes) em uma casa que minha avó deixou para a família. Divido o quintal com minha tia e ainda tem minha prima. Todo mundo está sempre por aqui. O isolamento fez a gente se aproximar ainda mais. O menino tem 14 e a menina, 13. Converso com ela sobre as mudanças no corpo, sobre sexo. Não quer falar com a mãe? Vem falar com o tio viado, vou entender. Se o assunto estiver pesado, avisarei a mãe para ajudar.

(Rogério Pallatta/Veja SP)

Tenho cozinhado bastante, não peço delivery. Aqui é MasterChef! Estava com 85 quilos e agora, 91. Não ligo mesmo. Sei que trabalho com estética e eu gosto de academia. Por enquanto, aproveito. Como mesmo, estou sempre comendo. A Janete é uma vizinha maravilhosa que vem me trazer bolo e outras comidinhas. Eu e meu marido temos visto muitos filmes. Vemos duas, três vezes o mesmo. Compramos DVDs na feirinha, e o Luciano, outro vizinho e cabeleireiro incrível, empresta também. Mantenho os estudos de alemão, faço vídeos para a internet. Meu marido pintou as paredes da casa e arrumou os armários. Achei ótimo.

No bairro onde eu moro, na Brasilândia, as pessoas não têm respeitado a quarentena. Saí para trocar a bateria da moto e vi uma fila com mais de 200 pessoas na porta do banco para receber o auxílio do governo. Se alguém vai ao mercado, a família toda fica pelos corredores. O brasileiro não está levando a sério. É uma questão de educação, ainda estamos longe… Quando começarem a abrir tudo, vai ter churrasco, samba, forró, boate. Brasileiro tem memória curta. Basta vir a próxima manchete que ninguém vai lembrar o que passou. Mas sou otimista e acredito que a gente saia desta.”

 

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 13 de maio de 2020, edição nº 2686.

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