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Vulnerável mundo novo

Alexandre Dip conta que passou anos de sua vida com medo de errar, mas, com o tempo, aprendeu a abraçar seus erros e crescer a partir deles

Por Alexandre Dip em depoimento a Helena Galante
11 jun 2021, 06h00

Errar sempre foi um dos meus maiores medos.

Aquela celebração de Dia das Mães ficou guardada em minha memória. Era início dos anos 80. Com esforço e descoordenação, ensaiei a coreografia de Thriller, do Michael Jackson, juntamente com os colegas da pré-escola. Durante a apresentação, de tanto medo de errar, errei. Meus passos, que haviam sido combinados à esquerda, resolveram se “endireitar” — e o resultado foi um desastre: todos os zumbis quicando para lá, enquanto eu, isolado e envergonhado, do lado de cá do palco, fazia o riso da plateia.

Na adolescência, meu medo de errar cresceu como meu nariz. Multiplicou-se. Um para cada espinha. Chegado o apavorante momento do vestibular, buscando acertar, resolvi fazer direito. E tornei-me advogado. No primeiro dia de trabalho, vesti minha inocência de terno e gravata e, como boas-vindas, deram-me para degustar um contrato pesado como uma bigorna, com mais páginas que Os Lusíadas e termos que nem o Guimarães Rosa ousaria conhecer.

Meu chefe, rigoroso como um técnico russo de ginástica olímpica, não aceitava nada menos que a perfeição e tratou de adiantar logo que, ali, sob a sua gerência, não se admitiriam deslizes, pois “advogados que se prezem não erram jamais”. Ao final, tendo vencido essa primeira batalha, não imaginava que outras mais desafiadoras me aguardariam nos anos seguintes, tanto na carreira quanto na vida pessoal. A quantas Cártagos, Austerlitzes e Verduns somos convocados a lutar, sem chance de errar, como se fosse possível enfrentar tantas batalhas sem ferir-se?

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Dizem que nas savanas africanas, há milhares de anos, o cérebro dos nossos ancestrais era equipado para temer leões, cobras e outras ameaças selvagens. Penso que hoje, contudo, nosso maior inimigo não ruge nem farfalha, não tem veneno nem garras, mas nos mantém aprisionados, inertes e resignados, frustrados por desejar mudanças, mas sem a coragem necessária para expressar a intenção por meio da ação.

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E se há duas certezas nessa vida, sendo a primeira delas a morte, sinto que a segunda seja que, sem ação nem movimento de mudança, não há como obter resultados diferentes. Com a chegada dos cabelos brancos, entendi que, para seguir evoluindo, eu tinha de encarar o erro de outra forma. Não mais repeli-lo, nem sequer temê-lo, mas abraçá-lo e convidá-lo para um café com bolo de fubá.

E como foi libertador quando, enfim, compreendi o provérbio romano e, não somente aceitei que errar é humano, mas que não errar é também desumano. Quando entendi que errar pode ser o melhor do ser humano — algo, para mim, como um errare humanum best. E que posso sonhar com um mundo em que medos e inseguranças são admitidos livremente, sem temer nenhum julgamento — seja nosso ou alheio. E que o progresso é fruto de uma noite de amor entre o erro e o aprendizado, quem sabe ao som de um Djavan sussurrando “eu sei que o erro aconteceu… eu só sei que amei, que amei…”.

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Que delícia seria viver num mundo de verdade, repleto de realidades desvirtuais, onde a beleza do erro é admirada, na plenitude das suas imperfeições, como a pintura de um Picasso canhoto. Num mundo admirável pela sua vulnerabilidade. Num vulnerável mundo novo.

alexandre dip olhando com expressão séria para a câmera de braços cruzados e apoiado em uma parede
(Eduardo Tarran/Divulgação)

Alexandre Dip atuou por mais de vinte anos na área jurídica de multinacionais. Artista plástico, sob o nome de DomDip, autor da obra ao lado, é especialista em neurociências e comportamento e se dedica ao estudo da psicologia positiva, do bem-estar e da autorrealização. É apaixonado pelo centro, por mochilar pelo mundo e por culinária indiana.

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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de junho de 2021, edição nº 2742

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