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Pare de lutar contra suas emoções

"As emoções colorem nossas experiências. Dizem coisas sobre o que é importante para nosso bem-estar", escreve Isabella Ianelli, do ocursodasemocoes.com.br

Por Isabella Ianelli
Atualizado em 10 abr 2020, 12h15 - Publicado em 10 abr 2020, 06h00

Dia desses, na abertura de um curso on-line sobre as emoções que ofereço, foi impossível não tocar no assunto do momento: a pandemia de Covid-19. Perguntei a cada um dos participantes como isso os está afetando. Pipocaram relatos de pessoas dos mais diversos cantos do Brasil e do mundo sobre como estão vivendo. Muitas carinhas emocionadas se abriram nesse espaço virtual de confiança, através do vídeo, e contaram seus mais diversos sofrimentos. Algumas pessoas disseram que já estão sem emprego, outras afirmaram que fazem parte do tal grupo de risco, muitas são as únicas responsáveis pelos pais idosos e havia ainda alguns profissionais da saúde por lá, bastante apreensivos.

No meio desse banquete de sofrimentos, surgiu a pergunta de Patricia, médica pneumologista: “É impressão minha ou ouvir o sofrimento do outro me tira do meu? Estou me sentindo forte agora, é normal isso?”. É normal, sim, e é por essa razão que o título pretensioso deste texto pede que paremos de lutar contra o que sentimos. Mas como fazer isso?

Quando nos abrimos para a dor do outro, um processo mágico acontece. Saímos de nosso sofrimento tão ensimesmado: minha vida, meu propósito, minha carreira… Sabe quando estamos completamente imersos em nossas pequenices e nos irritamos com tão pouco? A fala atravessada de alguém, o dia nublado, o saldo negativo… tudo isso ganha outra dimensão perto de sofrimentos tão diversos: não é menor nem menos importante, mas me vejo no outro e espelho o outro em mim. É aberta uma conexão muito simples e profunda: a humanidade comum que há entre nós.

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Depois, ganhamos a possibilidade de usar esse sofrimento imenso como combustível para uma ação bondosa no mundo. É como se finalmente estivéssemos enxergando a realidade. Afinal, se está tudo tranquilo em meu isolamento social em home office e não estou experienciando emoções dolorosas, talvez seja por não estar contemplando o tanto de sofrimento que está presente no mundo agora. Ao abrir os olhos, posso finalmente agir movido não pela aflição de estar sentindo medo, ansiedade ou frustração, e sim pela conexão que se estabeleceu e por desejar o fim do sofrimento do outro, exatamente como desejo o fim da minha dor.

Por que será, então, que é tão difícil abrir o jornal e ver as imagens do sofrimento na Itália, ouvir os medos da amiga ou até mesmo estar presente para o outro num momento de tristeza? Talvez porque tenhamos aprendido a lidar com nossas emoções de duas maneiras extremadas e desajeitadas.

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Geralmente, ao encontrar uma emoção, suprimimos o que sentimos ou nos expressamos desenfreadamente. O cineasta Ingmar Bergman pôs esta fala na boca de um personagem em Cenas de um Casamento:

“Somos analfabetos emocionais. Aprendemos anatomia e métodos de cultivo na África, sabemos fórmulas matemáticas de cor e salteado, mas não nos ensinaram nada sobre nossa alma”.

Basta refletirmos um pouco sobre nosso último surto emocional e teremos um panorama de como estamos lidando com nossas emoções: oscilando entre a supressão e a expressão. Se alguém fura a fila bem na minha frente no caixa do mercado, imediatamente eu me sinto preso entre duas possibilidades: devo gritar, ofender e fazer valer meus direitos daqui dessa raiva que se instalou em mim? Ou então deixo de lado, finjo que não vi e volto para casa remoendo a história?

Nossa cultura vê esses dois extremos de maneiras bem românticas. Quando conhecemos alguém que suprime uma emoção muito bem, que engole sapos, acreditamos que a ausência de uma emoção visível é sinônimo de equilíbrio emocional. Parece até que essa pessoa, aparentemente tão calma, não está sofrendo. No entanto, as mais recentes pesquisas científicas mostram que a supressão de uma emoção é muito maléfica e causa um alto pico de stress no corpo.

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James Gross, grande especialista em regulação emocional, em uma emblemática pesquisa, apresentou filmes com cenas fortes (de amputação e de tratamento de queimaduras) a três grupos. O primeiro foi orientado a apenas assistir aos filmes. Ao segundo, avisou: “Preparem-se, serão cenas fortes”. Já o terceiro grupo foi informado de que estava sendo filmado e seus integrantes, advertidos de que não poderiam esboçar reação alguma enquanto assistissem aos filmes. O resultado é gritante: vem do terceiro grupo, claro, o maior pico de stress. A emoção segue borbulhando dentro de nós, apesar da cara de paisagem.

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Se a supressão é maléfica mas parece equilíbrio emocional, também romantizamos a expressão desenfreada do que sentimos. Por vezes acreditamos que quem diz tudo o que pensa age de acordo com o coração. Ao não levarmos desaforo para casa, associamos esse comportamento impulsionado pela emoção a autenticidade. Mais uma vez nos enganamos acreditando que gritar na fila do mercado desopila o fígado. Não sei vocês, mas nunca cheguei em casa mais aliviada por ter brigado no mercado (só consegui colecionar inimigos na vizinhança). A professora Jetsunma Tenzin Palmo diz que, ao nos deixarmos levar pelo que sentimos, mostramos nossas tendências infantis escondidas: “A tragédia é que crescemos externamente e por dentro permanecemos emocionalmente com 4 anos de idade”.

É por causa desses extremos que surgem programas de inteligência emocional que prometem controlar as emoções, superar o medo ou livrar-se da ansiedade — como se as emoções fossem controláveis, estáticas e supérfluas para nossa existência! As emoções são vibrantes, fluidas e absolutamente necessárias para uma vida saudável. Não há fórmula mágica para lidar com o que sentimos. É aqui também que aparecem os conselhos genéricos de que devemos agir pelo coração. Se esse agir pelo coração é agir pelo que surge no instante em que sentimos, é melhor não. O psicólogo Paul Ekman diz que isso é, na verdade, agir durante o período refratário, os minutos em que estamos completamente tomados pelo véu com que a emoção nos cobre.

Existe uma metáfora maravilhosa para explicar os extremos emocionais que ouvi do professor Mingyur Rinpoche. Na expressão emocional, agimos como se as emoções fossem nossas chefes. Obedecemos prontamente, somos comandados pelo que a voz da raiva, do medo e da tristeza diz. Na supressão, agimos como se as emoções fossem nossas inimigas. Rejeitamos o que surge, escondemos as emoções de nós mesmos e lutamos contra elas.

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Entre reconhecer as emoções como chefes e encará-las como inimigas, há um espaço de lucidez: o entendimento de que elas são nossas amigas. Não precisam pautar nossos comportamentos, mas não devem ser escondidas embaixo do tapete.

As emoções colorem nossas experiências. Dizem coisas sobre o que é importante para nosso bem-estar. Senti-las é o resultado de estarmos completamente vivos. E algumas doem, sim, a gente sabe disso. Mas não precisamos adicionar aversão à sensação de estarmos com o coração aberto.

Nosso coração é paradoxal: quanto mais tentamos nos proteger das emoções perturbadoras, mais elas nos alfinetam, assombram e perseguem como monstros. É preciso fazer o caminho inverso, como Max no livro infantil Onde Vivem os Monstros: olhar nos olhos de cada um desses seres assustadores. Não à toa as escolas es- tão começando a trabalhar a educação socioemocional dos alunos, ensinando-os a nomear o que sentem. Só podemos ter escolhas perante o que sabemos.

É nessa familiarização com nosso mundo interno que, além de olhar para nossas dores, poderemos ser úteis aos que nos cercam. Vamos aceitar sentir tudo: da alegria à inveja. E, ao encontrar nossa própria vulnerabilidade, daremos de cara com nossa maior força. Aí, sim, podemos considerar agir pelo coração! Se agir pelo coração for não uma pronta resposta à emoção, mas uma ação no mundo baseada em qualidades maravilhosas como amor, compaixão, equanimidade e alegria empática.

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Por isso, Patricia, é um alívio parar de lutar contra o que sentimos, dividir nosso sofrimento e aceitar suas ressonâncias em nós. É desse espaço que nascem os movimentos capazes de salvar o mundo.

Isabella Ianelli: “Vamos aceitar sentir tudo: da alegria à inveja” (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Isabella Ianelli é formada em pedagogia e pós-graduada em arte-educação. Professora certificada do programa Cultivating Emotional Balance, conduz práticas de equilíbrio emocional no percurso on-line ocursodasemocoes.com.br e na comunidade olugar.org.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 15 de abril de 2020, edição nº 2682.

 

 

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