Renato Andrade recria a balada de Gisberta e aponta cinco outros personagens reais para o futuro
Existe a ficção, com personagens fascinantes e construídos sob medida para despertar sensações em quem os compra. Também há os tipos reais, que, com suas façanhas ou talentos, conquistam a admiração, o amor ou o ódio de muito gente e, logo, podem naturalmente render peça, filme ou livro. E as criaturas comuns? O quanto pode […]
Existe a ficção, com personagens fascinantes e construídos sob medida para despertar sensações em quem os compra. Também há os tipos reais, que, com suas façanhas ou talentos, conquistam a admiração, o amor ou o ódio de muito gente e, logo, podem naturalmente render peça, filme ou livro. E as criaturas comuns? O quanto pode ser interessante a vida de um simples mortal, que, por susto, bala ou vício, carrega em sua biografia uma virada capaz de matar de inveja criativos escritores.
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O dramaturgo e diretor Renato Andrade, de 39 anos, encontrou inspiração em Gisberta Salce Júnior, transexual paulista que deixou o Brasil rumo a Portugal para fugir da violência. Às margens do Rio Douro, no Porto, ela descobriu os prazeres e os infortúnios de ser quem realmente é, mas não conseguiu escapar de um desfecho trágico aos 45 anos. O resultado é o drama “Balada de Gisberta”, baseado em depoimentos, contos e fatos da vida dessa personagem real, que pode ser visto aos sábados e domingos no Espaço Parlapatões. Gisberta também serviu de inspiração para o compositor português Pedro Abrunhosa, autor da música “Balada de Gisberta”, que foi interpretada por Maria Bethânia no show “Amor, Festa e Devoção”.
Como você descobriu Gisberta?
Eu ensaiava “Bent”, do Martin Sherman, com os alunos do Indac e, ao pesquisar histórias de assassinatos de homossexuais e transexuais, deparei com uma notícia sobre os 10 anos da morte de Gisberta. Ali existia uma personagem incrível e um destino terrivelmente trágico. Foi necessário abandonar o holocausto presente na obra do Sherman para recontar a história de Gisberta. É um tema que permanece urgente, já que vivemos em um mundo onde 80% dos transexuais morrem por crime de violência antes dos 35 anos. A morte dela fez o país rever suas leis que envolvem os direitos LGBT.
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Personagens reais são mais interessantes, mas também mais difíceis. não?
O mais interessante em retratar personagens reais é o exercício da escuta, a tentativa de compreender alguém que realmente existiu. Além disso, acho prazeroso criar a dramaturgia sentindo e encaixando as “aspas” do personagem durante a trama. Gosto desse jogo e dessa responsabilidade.
Renato Andrade aponta, agora, cinco personagens reais pouco conhecidos possíveis de ganhar o palco.
+ Anderson Herzer
“Esta é outra grande história envolvendo um personagem trans, desta vez um homem trans. Anderson foi um poeta, que nasceu Sandra e ficou conhecido como ‘Bigode’ na Febem. Orfão, ele foi descoberto pelo deputado Eduardo Suplicy, que leu seus poemas e, encantado, dá visibilidade ao seu trabalho. Aos 20 anos, Anderson se suicida, se jogando do Viaduto 23 de maio. Suas histórias e poemas estão presentes no livro ‘A Queda para o Alto’”.
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+ Leonilson
“A primeira obra que vi de Leonilson foi a instalação composta pelas duas cadeiras revestidas de camisas bordadas. Eu parei diante daquelas cadeiras e não queria sair dali enquanto não entendesse tudo que estava por traz da obra. Esse desejo continua até hoje. É uma vontade egoísta de me aproximar deste grande artista, de aprender com a sua simplicidade vigorosa.”
+ Raul Pompeia
“Aos 14 anos, eu li ‘O Ateneu’, romance de Raul Pompeia, sobre a rotina de garotos de um colégio interno. Foi a primeira vez que li algo que retratava uma relação homoafetiva com sensibilidade. A história dos garotos era contada pelo protagonista adulto, que, ao que tudo indica, é o próprio Pompeia. Quero pesquisar a vida do autor, marcada pelas lutas abolicionistas e republicanas e encerrada aos 32 anos, vítima de um suicídio em plena noite de Natal.”
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+ Alla Nazimova
“Eu gosto de falar sobre o teatro e seus personagens e, no momento, estou obcecado pela história de Alla Nazimova, uma das maiores atrizes que o mundo já teve. De família judia, ela nasceu na Rússia, estudou teatro com Stanislavski e foi amiga de Tchecov e Gorki. Nos Estados Unidos, assinou um contrato milionário e virou estrela do cinema mudo. Entre os artistas, era famosa pela personalidade forte e pelas festas e orgias que realizava em sua mansão, chamada de O Jardim de Alá. Quando seu comportamento se tornou conhecido, ela passou a ser rejeitada pelo público e pelos grandes produtores. Terminou esquecida.”
+ Clarice Niskier relembra histórias de uma década de “A Alma Imoral”.
+ Leonardo Pareja
“Em 1995, eu morava em Salvador e acompanhei pela televisão o sequestro da sobrinha do governador da Bahia. O criminoso, com cara de bom moço, se chamava Leonardo Pareja e virou um popstar. Pareja conseguia despistar escoltas policiais, dominar a mídia e conquistar a simpatia da opinião pública. É um personagem sensacional, um cara que escutava Guns N’Roses enquanto assaltava postos de gasolina e, depois de liderar uma das maiores rebeliões do país, subiu na caixa-d’água do presidio pra cantar ‘Admirável Gado Novo’ do Zé Ramalho.”
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