“Mateus, 10” e a sedução através da palavra
Para sensibilizar o público, o ator precisa abraçar o personagem e transmitir emoção ao texto. Como um veículo para encantar multidões, um líder religioso também necessita de carisma na propagação de suas mensagens. Montagem do grupo Tablado de Arruar, o ótimo drama “Mateus, 10” levanta questões que podem ser aplicada ao teatro, religião, política ou […]
Para sensibilizar o público, o ator precisa abraçar o personagem e transmitir emoção ao texto. Como um veículo para encantar multidões, um líder religioso também necessita de carisma na propagação de suas mensagens. Montagem do grupo Tablado de Arruar, o ótimo drama “Mateus, 10” levanta questões que podem ser aplicada ao teatro, religião, política ou qualquer outra área em que a sedução pela palavra seja fundamental para o convencimento.
O autor Alexandre Dal Farra, também diretor ao lado de João Otávio, buscou referências no conto “Bartleby, o Escriturário”, de Herman Melville, e no romance “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski, para discutir os limites entre a consciência, a cegueira e insanidade. Ainda apresenta a influência bíblica no título, remetendo ao apóstolo Mateus, o coletor de impostos que abandonou a riqueza para seguir Jesus. Nessa diversidade de inspirações, o espetáculo levanta um oportuno debate relativo a questões como culpa, alienação e fé e ao poder da religião para ditar comportamento. Ainda mais nos dias de hoje, quando a palavra religiosa toma força cada vez maior e interfere diretamente na sociedade.
Em perturbadora interpretação, Vitor Vieira personifica o pastor Otávio, muito envolvido em tudo o que prega até o momento em que passa a questionar o valor daquelas ideias e as supostas verdades transmitidas em seus cultos. O dízimo lhe parece sujo, e ele planeja desenvolver uma doutrina própria. Em meio a uma crise, Otávio enfrenta turbulências com a sua mulher (a atriz Ligia Oliveira) e perde o controle dos atos, envolvendo-se com moradores do bairro e até em um assassinato.
Cartaz da Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro, a peça explora diversos ambientes do lugar. Os espectadores transitam – como fiéis atrás do mestre – por espaços que simulam a casa do protagonista, a igreja e até um churrasco na vizinhança. Os diretores aliviam a densidade do texto e o extremo realismo da encenação com episódios tragicômicos – representados pela atriz Amanda Lyra – e fazem uma costura entre a alienação e a necessidade de mascarar o presente. No bom elenco ainda figuram os atores Alexandra Tavares, Alexandre Quintas e Clayton Mariano, apoios fundamentais para a performance de Vitor Vieira.
P.S.: Leitores, nas próximas três semanas o blog estará de férias. Até o início de setembro!