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Marcos Damigo e as pertinentes discussões de “Deus É um DJ”

Parece premonitório. O dramaturgo alemão Falk Richter escreveu Deus É um DJ em 1998. Pouco depois disso, um fenômeno chamado Big Brother se espalhou pelo mundo, e o Brasil não ficou indiferente. Muito pelo contrário. O ator paulistano Marcos Damigo, de 39 anos, produz e protagoniza o espetáculo que entra em cartaz no Auditório do […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 27 fev 2017, 10h38 - Publicado em 29 Maio 2013, 17h05

Depois de temporada no Rio, Marcos Damigo estreia em São Paulo a peça Deus É um DJ (Foto: Gilvan Barreto)

Parece premonitório. O dramaturgo alemão Falk Richter escreveu Deus É um DJ em 1998. Pouco depois disso, um fenômeno chamado Big Brother se espalhou pelo mundo, e o Brasil não ficou indiferente. Muito pelo contrário. O ator paulistano Marcos Damigo, de 39 anos, produz e protagoniza o espetáculo que entra em cartaz no Auditório do Museu da Imagem e do Som (MIS), no Jardim Europa.  Ao seu lado está a atriz Guta Ruiz sob a direção de Marcelo Rubens Paiva. Na trama, um casal de artistas multimídia é contratado por uma galeria de arte. Com o apartamento tomado de câmeras, eles têm a rotina veiculada pela internet durante as 24 horas do dia. Agora é o Marcos Damigo quem fala um pouco mais.

Como você chegou a esse texto? 

Quem me mostrou o texto em 2001 foi a Annette Ramershoven, que assina a tradução junto com o Marcelo Rubens Paiva, uma alemã que morou no Brasil por muitos anos e voltou ano passado para Berlim. Confesso que quando li pela primeira vez achei um pouco caótico demais. Na época, eu estava em processo de montagem do Hamlet, que fiz com direção do Francisco Medeiros no Teatro do Sesi, então ele acabou ficando na gaveta por cinco anos. Em 2006 o Marcelo Rubens Paiva me chamou para uma leitura com a Bárbara Paz no Letras em Cena, projeto que acontece no Masp. E foi nessa ocasião, que o texto me arrebatou. Ali, na frente de uma plateia, eu pude entender a dinâmica que se processa, aparentemente casual, mas milimetricamente arquitetada, de enganar no bom sentido o espectador. Quando terminou a leitura, as pessoas estavam num tipo raro de excitação, desconcertadas. Minha jornada para tentar produzir a peça começou nessa noite.

De 2001 a 2006, a questão da vigilância da intimidade cresceu muito no Brasil. Isso deve ter lhe fascinado mais ainda, não?

O texto trata de questões bastante atuais, como o grau de exposição individual como medida para o sucesso e a diluição dos limites entre o público e o privado, mas pra mim é na linguagem que ele consegue traduzir muito do que estamos vivendo hoje. Esses tempos líquidos, como o sociólogo Zygmunt Bauman define tão bem em seus livros, foram teatralizados pelo Falk Richter com enorme potência. Os personagens foram tão além na questão da fabricação da própria identidade que talvez nem eles mesmos saibam quem são. Mas existe algo de filosófico nisso, pois no fim das contas, quem de nós realmente sabe?

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Todo mundo fala, todo mundo critica, mas veio o facebook, o instagram, o twitter e todo mundo hoje vive num reality show, querendo saber da vida alheia e escancarando a sua. Você acha que as pessoas têm essa noção? 

Tenho a sensação de que as questões levantadas pelo Richter no texto se potencializam no nosso país, com uma concentração de renda das mais altas do mundo, onde a ascensão social é almejada através de programas como Big Brother Brasil ou de uma carreira na televisão, ou ainda como jogador de futebol. Tudo isso a meu ver gera um mecanismo bastante cruel, em que a necessidade de um marketing pessoal coloca a aparência na frente de qualquer outro valor. Não à toa, o Brasil também é um país com altíssimos índices de frequência em redes sociais. Isso tudo dá força a um certo fetichismo, que eu considero muito forte na nossa cultura, do culto às celebridades, que se reproduz no comportamento das pessoas nas redes sociais.

Guta Ruiz e Marcos Damigo na peça do alemão Falk Richter (Fotos: Ruy Barbosa Jr.)

Hoje, a cultura da internet passa por uma falta de limites dos usuários. De que forma isso pode mudar, e a tecnologia ser mais bem utilizada por todos e para todos?

Como o próprio Falk diz no texto que escreveu para a nossa montagem (disponível em https://deusdj.net/carta-de-falk-richter/), a internet pode ser uma ferramenta poderosa na reivindicação de direitos dos cidadãos e na organização de movimentos populares. Um grande exemplo recente disso foi a Primavera Árabe. As pessoas conseguiram se organizar através da internet para lutar por mudanças. Além disso, a internet revolucionou o mundo pela velocidade com que as informações são trocadas. No Brasil mesmo, ações como a Lei da Transparência, que ainda sofre resistência por muitos setores da esfera pública, só são possíveis graças à internet. E também é claro que a internet serve para encurtar distâncias e manter as pessoas em contato umas com as outras. Mas existe o “lado B” disso tudo, que é a enorme quantidade de bobagem que veicula na rede. A questão, ao meu ver, é ser capaz de filtrar, nesse mar de informações disponível, o que é realmente relevante, e isso depende de uma formação educacional consistente, coisa que infelizmente o Brasil ainda está longe de ter.

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Você construiu sua carreira em São Paulo, participou de trabalhos importantes e mudou para o Rio. Lá você acha que encontrou um mercado mais amplo?

Minha mudança para o Rio foi na busca de uma qualidade de vida que São Paulo infelizmente não oferece, pela falta de espaços públicos, de verde, de natureza. Mas São Paulo é uma cidade fascinante, com uma vida intensa e diversa, e onde atualmente existem mais mecanismos de viabilização de projetos culturais. O Rio de Janeiro hoje vive uma situação muito séria, uma falsa prosperidade, pois é lugar-comum dizer que o Rio é a bola da vez, com os eventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos, mas a política pública é tão ineficiente e tão atrelada a interesses privados que nada disso se reverte efetivamente para a população. E pior… O custo de vida aumentou barbaramente! Eu amo as duas cidades, mas São Paulo atualmente é o lugar onde eu consigo dar mais vazão aos meus projetos.

Depois de interpretar o Hugo na novela Insensato Coração (2011) você sentiu que o interesse do público por você aumentou? Durante a temporada do Deus É um DJ no Rio ou de Dueto para Um em São Paulo, as pessoas chegavam até você com referência da novela ou você acha que pouco influiu?

É claro que fazer uma novela das nove na Rede Globo, o produto com maior audiência da televisão brasileira, te dá a possibilidade de estar em contato com uma gama muito mais ampla de pessoas. Ainda mais com um personagem que teve uma trama polêmica como a do Hugo, que trazia à tona a homossexualidade e a união estávelE isso, além de render algum espaço na mídia, faz com que as pessoas saibam quem você é e eventualmente queiram prestigiar seu trabalho no teatro. Mas fazer teatro no Brasil, salvo exceções, é um ato de coragem, pois não temos uma tradição teatral tão consistente como em outros países. E nesse sentido, sou mais um desses guerreiros apaixonados por esse ofício!

Sob a direção de Marcelo Rubens Paiva, Deus É um DJ trata da intimidade veiculada na rede

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