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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Antunes Filho dá uma aula de teatro e de vida: “Para ser mais que um bom funcionário você precisa ter cultura”

É difícil falar com Antunes Filho. Primeiro, ele está sempre ocupado, fazendo e pensando mil coisas. Depois, frente a frente, o cara fala sem parar. Mal abre espaço para o interlocutor encaixar uma nova pergunta. Não tem problema e nem precisa. Tudo o que Antunes Filho diz faz sentido e, como bom professor, consegue encaixar […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 22h45 - Publicado em 13 fev 2014, 17h31
Antunes Filho: dedicação a longo prazo para formar atores (Foto: Bob Sousa)

Antunes Filho: dedicação para formar atores (Foto: Bob Sousa)

É difícil falar com Antunes Filho. Primeiro, ele está sempre ocupado, fazendo e pensando mil coisas. Depois, frente a frente, o cara fala sem parar. Mal abre espaço para o interlocutor encaixar uma nova pergunta. Não tem problema e nem precisa. Tudo o que Antunes Filho diz faz sentido e, como bom professor, consegue encaixar seu raciocínio no que o outro quer ouvir. Aos 83 anos, o paulistano José Alves Antunes Filho é um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos. Vivo e de tamanho próximo ao do dele só mesmo Zé Celso Martinez Corrêa. Responsável pela formação de atores há pelo menos três décadas, ele toca com mão de ferro o CPT (Centro de Pesquisas Teatrais), vinculado ao Sesc, desperta paixões enlouquecidas e também muitos desafetos. Com dois espetáculos em cartaz, Toda Nudez Será Castigada e Nossa Cidade, Antunes insiste no teatro porque tem fé e acha que assim, sem nenhum clichê ou demagogia, ajuda a fazer um país melhor. Então, fala Antunes!

O mestre do CPT

“Eu dou a base para o início de carreira de um ator. Tenho cinco meses para começar e desenvolver um trabalho, um conhecimento em relação ao teatro. Meus atores são plantinhas. Boto água para que eles desenvolvam uma vida. E, durante essa vivência, você vai ou não se tornar um ator. Quando eu trabalho com os meninos, eu tento criar um sentimento neles. Eu os preparo para formar uma base. É como se fossem as primeiras aulas de direção para, um dia, eles saírem por aí guiando o próprio carro. Eu penso no que eles vão fazer no futuro. Penso em como vão aplicar essa base daqui uns quinze anos. Não é para ter pressa de nada.”

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Vivência

“A arte dramática é muito menos pesada do que se fala. Teatro é tudo. O que funciona no teatro é bom. O que não funciona é ruim, é chato. Os atores precisam de conhecimento e de uma técnica que permita fazer tudo com muito pouco. Dá gosto de ver um grande ator em cena. Não aqueles que apenas passaram pela vivência abstrata. Laura Cardoso é um exemplo. Ela adquiriu uma técnica extraordinária tanto de palco como de vida. Se não fosse isso, Laura não conseguiria fazer tudo o que faz até hoje. Não tem trejeitos, não é nada barroca, leva tudo com uma simplicidade impressionante. Nós trabalhamos duas vezes juntos. Em 1959, eu a conhecia dos corredores da TV Tupi e a chamei para fazer Plantão 21, ao lado do Jardel Filho, que era um ator genial. Em 1993, nos reencontramos em Vereda da Salvação. Laura é exigente, briga. Está certa porque precisa defender o que é dela. Muitas vezes, eu trabalho com gente jovem que não carrega experiência para poder expressar as coisas. Fica complicado.”

Os espectadores de hoje

“Não são apenas os atores que não carregam mais vivência. Hoje, os espectadores também. Vamos pensar nesse momento. Houve uma coisa extraordinária para o Brasil. A classe média aumentou significativamente. Muita gente saiu da pobreza absoluta. Mas e o outro lado? O governo não proporciona acesso à cultura. Eles oferecem o grupo escolar. A escolaridade é boa para você ter educação, claro. Isso educa o homem, mas o torna servil. O nível das nossas faculdades é baixo. Só a cultura e as relações que você faz são capazes de libertar. O Brasil só será grande através da cultura. A formação escolar é ótima, é fundamental para fazer os bons funcionários de amanhã. Mas para ser mais que um bom funcionário você precisa ter cultura. Eu acho que nossa preocupação deve ser estender a mão para o outro. No meu caso, faço teatro para que alguém aprenda alguma coisa. Principalmente para que o público desenvolva o prazer, a alegria da arte. As pessoas precisam descobrir essa transcendência que só o teatro proporciona.”

Antunes Filho: o diretor na sala de ensaios (Foto: Gui Mohallem)

Diretor: “faço teatro para que alguém aprenda alguma coisa” (Foto: Gui Mohallem)

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“Eu continuo fazendo teatro porque tenho fé. Não me resta outra alternativa. Se eu não tiver fé no teatro, parto para a bandidagem. Posso me relacionar de maneira pecaminosa no meio da cultura. Está cheio de movimentos estranhos por aí. Eu luto pelas coisas em que acredito. Eu mal consigo segurar uma plateia. Eu tento. Os atores também caem nessa. Querem fazer tudo e não fazem nada. É muita porcaria. Muita mistificação. A gente vive um momento de consumo absoluto. A mistificação está em tudo. Acho que nós temos o dever – antes de ser grande artista, bom artista ou médio artista – de estender a mão para o outro. E o Brasil precisa disso.”

O trabalho no Sesc

“Eu sou o cara que mais… O cara que mais trouxe coisas novas no teatro. Eu quero transcender esse objetivo de fazer teatro. Eu quero a arte! Mas não aceito fazer isso só para mim. Eu quero que as pessoas também acompanhem isso. Nunca vou fazer uma coisa só para a minha masturbação. O Sesc veio muito a calhar nesse caso. Preciso ver o outro e pensar no outro. Eu tenho que ter uma vivência para agarrar o outro e ser um pouco responsável por esse outro. Afinal, tenho um compromisso com o Sesc. Eu gosto da arte conceitual. Adoro! Mas não me serve nesse momento. Preciso de coisas que elevem as pessoas. É sacanagem eu me masturbar e fingir que meus espetáculos não importam a mais ninguém.”

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O país de hoje

“Eu quero estender a mão para parte do público e, assim, acredito que vamos fazer um país melhor. Está ficando muito perigoso viver. Precisamos deixar de lado um pouco as denúncias e pensar nas resoluções. Mas é preciso tomar cuidado com as resoluções. Não é fazer justiça com as próprias mãos como no Rio de Janeiro. Isso é terrível. Eu penso na arte. Eu quero navegar, sair fora de mim! Quero atingir o sétimo céu! A alienação positiva é importante. Denúncia hoje em dia não. Chega de denúncia! É todo dia no jornal, no rádio, na TV. Ninguém vai ao teatro para ver mais denúncia. Não estou negando a denúncia. Só é preciso viver mais a arte.”

“Eu sou uma besta que chora” 

“Quantas pessoas já foram embora do CPT brigadas comigo… Eu não posso prender ninguém aqui. Se ela quer ir embora, vai… Depois, tem gente que volta pedindo desculpas ou me encontra no meio da rua e me abraça. O que mais me incomoda é que eu choro quando isso acontece. Eu sou uma besta que chora. Fico muito comovido quando reencontro essas pessoas. Tem gente que me diz: ‘olha, você salvou a minha vida e me fez perceber tal coisa’. E muita gente seguiu outra profissão. De repente, esse cara faz algo que vai mudar a vida do outro em outra profissão, entende? E isso me dá uma enorme satisfação.”

O resultado  

“Eu vejo pessoas que comecei a preparar há muito tempo e acredito que, mais adiante, eles vão chegar lá. A maioria do elenco do espetáculo Nossa Cidade veio de testes do CPTezinho. Eles estão se preparando para se tornarem grandes atores. Mas já têm uma responsabilidade. Estão aqui dia após dia. Precisam vir aos feriados também. Você vai fazendo e aprendendo. O difícil é colocar essa noção de responsabilidade para dentro deles. Essa é a minha luta. O difícil é fazê-los descobrirem os livros, entenderem o bom cinema. O mundo lá fora conspira contra isso. Tudo o que é oferecido hoje em dia é comércio. E eu vou lá: ‘fulano, leia isso, veja aquilo’. No princípio, eles têm muita resistência. Acham os livros difíceis, sentem sono. E recomendo muitos filmes de arte, obras dos grandes diretores. Depois de um tempo, ele gosta e sei que passa só a assistir a esses filmes. Pô, que felicidade! Eles gostam. Só precisam ser educados. Os meninos descobrem um universo que têm dentro e não sabiam. E se uma pessoa descobre isso, meu Deus, já vale um curso inteiro. Imagina se você consegue convencer uns 20. Essa é a maior alegria que tenho. Não é o aplauso, não é ganhar um prêmio. E ver que eles estão se tornando gente.”

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Luiza Lemmertz, Naiene Sanchez e Amanda Mantovani: situações trágicas e cômicas escritas por Thornton Wilder (Foto: Emidio Luisi)

Teatro Anchieta: Luiza Lemmertz, Naiene Sanchez e Amanda Mantovani em “Nossa Cidade” (Foto: Emidio Luisi)

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