“Nossa Cidade” e o cotidiano por Antunes Filho
Maior encenador brasileiro vivo, o paulistano Antunes Filho vem de sucessivos mergulhos na alma nacional. Nos últimos sete anos, ele levou ao palco as obras de Ariano Suassuna (A Pedra do Reino), Nelson Rodrigues (Senhora dos Afogados, A Falecida e Toda Nudez Será Castigada) e Lima Barreto (Policarpo Quaresma). Com o drama Nossa Cidade, Antunes […]
Maior encenador brasileiro vivo, o paulistano Antunes Filho vem de sucessivos mergulhos na alma nacional. Nos últimos sete anos, ele levou ao palco as obras de Ariano Suassuna (A Pedra do Reino), Nelson Rodrigues (Senhora dos Afogados, A Falecida e Toda Nudez Será Castigada) e Lima Barreto (Policarpo Quaresma). Com o drama Nossa Cidade, Antunes e o Grupo de Teatro Macunaíma recuperam o texto do americano Thornton Wilder (1897-1975), lançado em 1938, em um processo batizado como “reconstrução”.
Centrada no cotidiano de um município – sintetizado em duas famílias –, a trama apresenta situações trágicas e cômicas, fragmentos do cotidiano dos moradores, a maior parte relacionadas à vida, morte e ao amadurecimento no começo do século XX. O diretor busca uma analogia com o imperialismo americano vinculado às guerras e também a todos – nações ou cidadãos – que rezam pela cartilha dos Estados Unidos.
Para isso, Antunes, como já é esperado por quem o acompanha, abraça a extrema simplicidade e foge de cenários ou adereços mais complexos. No palco, disfarçado de sala de ensaios, algumas cadeiras e uma cortina de fundo. Como se existisse uma fronteira, de um lado fica a casa da família Gibbs e de outro a da família Webb. A força está concentrada nas palavras e nas ações.
Como um maestro, o ator Leonardo Ventura representa o “diretor de cena” – misto de Wilder e, neste caso, de Antunes –, que, preso a uma cadeira de rodas, narra e costura os fatos para o espectador. Em contraste ao exercício da extrema ação, é justamente Ventura, em sua imobilidade, o ator que melhor aproveita o papel, com expressivas nuances de voz e uma dramaticidade por vezes emocionante. As atrizes Luiza Lemmertz e Naiene Sanchez, como Sra. Webb e Sra. Gibbs respectivamente, têm como melhor momento a cena em que simulam uma conversa enquanto se dedicam aos afazeres domésticos no quintal.
No mais, o elenco é marcado pela irregularidade, problema recorrente nas recentes encenações de Antunes. Gui Martelli e Mateus Carrieri não comprometem na pele de Dr. Gibbs e Sr. Webb, mas falta um peso dramático que os torne marcantes. O mesmo pode ser dito de Ediana Souza e Sheila Faermann. Falta à dupla uma técnica equivalente à relevância das personagens. Na proposta minimalista de Antunes, cabe ao ator explorar o subjetivo e convencer o público da presença de objetos invisíveis, criando imagens que sustentem a ambientação. Nem sempre, o resultado é pleno. Para isso, Antunes precisaria de intérpretes maduros e, com isso, nem sempre ele pode contar.