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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: Alice Maatok (1934-2020), fundadora e cozinheira do Monte Líbano

A matriarca, autora das melhores receitas árabes da capital e personalidade gastronômica por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER 2015, morreu em 3 de dezembro

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Atualizado em 20 jan 2022, 14h23 - Publicado em 5 dez 2020, 15h02

Eles eram namorados. Ela costureira e ele alfaiate. Quando ele decidiu deixar o Líbano por causa de mais um dos muitos conflitos armados que o país atravessava, fez uma promessa à noiva: se der tudo certo no Brasil, mando te buscar para nos casarmos. O ano era 1956 e quatro meses depois Halim Maatouk mandava a passagem para a noiva vir para São Paulo. Foi por causa desse amor que a então jovenzinha Alice Maatouk, fundadora e titular da cozinha do Monte Líbano, o melhor restaurante de cozinha árabe de São Paulo em 2020, trocou de pátria e de profissão. Dona Alice faleceu no último dia 3, aos 86 anos, em consequência de um câncer no pâncreas. A matriarca deixa um legado monumental para quem, como eu ama os requintes comoventemente simples da culinária libanesa.

Quando Alice chegou ao Brasil para se encontrar com o futuro marido, as coisas não foram fáceis. Mas o sonho de construir uma vida a dois era muito maior do que barreiras impostas, por exemplo, pela língua desconhecida. No começo, o casal trabalhou transformando aviamentos e tecidos em vestimentas. “Logo depois, eles começaram a cozinhar em casa, o que atraiu a atenção dos amigos. Meu pai também foi funcionário de vários restaurantes árabes como garçom”, recorda-se a filha Regina, que sempre esteve ao lado da mãe para tocar o restaurante instalado na sobreloja de um prédio comercial na região da Rua 25 de Março.

A possibilidade de ter o próprio negócio surgiu em 1973, quando o casal adquiriu um restaurante que já existia e montou o Monte Líbano no mesmo lugar onde está instalado desde a fundação. Halim partiu cedo, em 1986. Desde então, dona Alice assumiu o comando.

Monte Líbano
Dona Alice com a filha Regina: “Aprendi tudo com ela e com o meu pai. Esse é o legado que vou honrar” (Acervo Pessoal/Divulgação)

Tive a felicidade de conhecer dona Alice em 2011 numa situação inusitada. Fui almoçar no Monte Líbano e ninguém por lá sabia quem eu era: acreditem ainda tinha um rosto desconhecido e estava iniciando este blog. Era também o aniversário de 77 anos da matriarca dos Maatouk. Como cheguei perto do fim do serviço, por volta das 15h aparecem amigas de dona Alice e Regina, houve parabéns surpresa com um bolo de chocolate, servido gentilmente para quem estava no salão. Publiquei a história nesta página eletrônica (clique aqui para ler) e os leitores pediram a receita do bolo, que reproduzi depois em casa (clique aqui para ler a receita). Ah, que momento feliz!

Como se vê, dona Alice era incansável. Não arredava o pé do restaurante nem no aniversário. Batia cartão todos os dias para preparar receitas como o trio de pastas, composto de um homus sedoso, um babaganuche de aroma defumado e a coalhada seca, de leveza exemplar, assim como o  tabule com limão em dosada acidez. E o que dizer das miniesfirras folhadas de carne e quibinhos? Para manter contato com a genuína culinária árabe e estancar a saudade da família que continua na pequena Zgharta, viajava com frequência ao Líbano. Visitou o país pela última vez entre agosto e outubro do ano passado.

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Comer & Beber 2020/2021 - Restaurantes - Árabe - Monte Líbano
Fartura árabe: refeições sempre com jeito de banquete (Ligia Skowronski/Veja SP)

“Aprendi tudo com ela e com o meu pai. Esse é o legado que vou honrar”, diz Regina emocionada por telefone. Ela conta também que a mãe sempre teve uma saúde excepcional. “Tomava no máximo um remedinho para controle da pressão”. Em março deste ano, porém, começou a sentir um desconforto abdominal. Depois de uma tomografia, constatou-se um câncer agressivo no pâncreas, com metástase no fígado. “Embora o tumor tenha tido uma regressão de 30% no início do tratamento, voltou com tudo depois”, lamenta Regina.

Já bastante debilitada, dona Alice pediu a filha que lhe passasse um batom para assistir à festa do Comer & Beber em 19 de novembro. No final da cerimônia transmitida pelo YouTube, Regina me mandou uma mensagem por WhatsApp: “Essa homenagem e premiação veio em um momento muito difícil e triste que nos alegrou e mais ainda deixou minha mãe extremamente feliz! Ela está muito doente! Foi uma homenagem linda que vou guardar pra sempre! Principalmente por ter a certeza que você é totalmente imparcial e profissional.” Hoje, quando me contou da partida da dona Alice, chorei junto com ela pelo telefone.

Numa era de culto a chefs, dona Alice, uma cozinheira, deixa uma contribuição inigualável à gastronomia paulistana. Sem nunca ter vestido dólmã, nem ter feito alarde no Instagram e outras redes sociais, demonstrou que o que é bom na culinária pode ser repetido cotidianamente no menu, provou também que menos é mais. Deixa ainda uma semente frutificada nos filhos Regina e Marcilio Halim, que tem um delivery de comida árabe. Sua herança se estende aos netos Mariana, Daniel e Guilherme.

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