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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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A capa que revelou Alex Atala e outros chefs que desejavam a profissão

Como observador privilegiado, acompanhei a revolução na gastronomia paulistana e vi a função de cozinheiro ganhar nobreza

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Atualizado em 20 jan 2022, 14h23 - Publicado em 25 set 2020, 03h22

Há pouco mais de duas décadas, começava uma verdadeira revolução. Algo inédito acontecia em restaurantes paulistanos, um movimento que a posteriori se espalhou por todo o Brasil. Não ocorria a olho nu. Passava-se nos bastidores, longe da atenção dos clientes.

As cozinhas, lugares quentes e epicentro de tensão nesse tipo de estabelecimento, deixava de ser o destino profissional para quem não tinha opção. Até então, era um trabalho pesado, braçal, que ocupava migrantes de outras partes do país, em especial os nordestinos. Naquele momento, porém, começava uma tremenda mudança. Jovens da classe média queriam ostentar o título de chef, profissão que nunca havia tido nenhum reconhecimento oficial — o registro na Carteira de Trabalho era, no máximo, de cozinheiro.

Havia, sim, na cidade algumas estrelas internacionais, como os franceses Laurent Suaudeau e Emmanuel Bassoleil e os italianos Luciano Boseggia e Maria Zanchi de Zan. Dos restaurantes onde estavam os chefs citados e que brilhavam como referência gastronômica na época, só o Fasano sobreviveu.

Passei a me dedicar à cobertura gastronômica em junho de 1992 — minha primeira crítica foi ao então restaurante mais antigo da capital, o centenário Carlino — e, três anos depois, percebi que havia um novo tipo de aspirante que queria literalmente pilotar o fogão.

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O cozinheiro em foto atual: reconhecimento internacional (Ricardo D'Angelo/Divulgação)

Levei a proposta de uma grande reportagem ao editor daquele tempo, que me pediu, com justo rigor, dados concretos. Havia uma lista de meia dúzia de jovens talentosos que apontavam a tendência. Esses poucos nomes eram encabeçados por Fernando Miceli. Filho do Paxá, pianista conhecido por tocar em bares e boates paulistanas, Miceli tinha estagiado na Itália e liderava a equipe do Buonarroti, restaurante com influência da nuova cucina italiana de Gualtiero Marchesi, aberto em 1995 no Jardim Paulista, e que fora batizado com o sobrenome do gênio Michelangelo.

Embora demonstrasse que entendia do assunto, o jovem de 25 anos se deixou seduzir pelo sucesso fácil e abandonou a carreira promissora para se associar ao segmento de bares de vida efêmera, dos quais não vale lembrar nem o nome. Embora minha proposta tenha ruído naquele primeiro momento, mantive-me firme como observador desses estreantes numa época distante na qual assessorias de imprensa não vendiam storytellings prontas sobre seus clientes. Valeu a convicção. No ano seguinte, começaram a se multiplicar os personagens reais e, finalmente, na primeira semana de fevereiro de 1997, chegava às bancas e às casas dos leitores a Vejinha com a capa “A moçada das panelas”.

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Capa da primeira semana de fevereiro de 1997: revelações de chefs (Divulgação/Veja SP)

Na foto, estavam sete profissionais. Dois deles tinham feito estudos profissionais na Le Cordon Bleu de Paris, o paulistano João Vergueiro Leme, do extinto Limone, e a carioca Renata Braune — tinha uma mulher na turma, ufa! —, nessa época comandando a equipe do Le Chef Rouge, e atualmente instrutora da filial brasileira da Le Cordon Bleu na Vila Madalena. Dois eram estrangeiros, o italiano Alessandro Segato, que veio para o Gero, do Grupo Fasano, e o alemão Deff Haupt, convidado para o Cantaloup, cujo cardápio tinha sido criado por Laurent Suaudeau. O grupo se completava com os paulistanos Edo Komori, à frente do Danang, Carlos Siffert, chef e sócio do Tambor, e Alex Atala, do Filomena, um trio de ótimos endereços que não existem mais.

Renata Braune: hoje na Le Cordon Bleu de Paris (Elena Vetorazzo/Veja SP)

Atentem para um detalhe: não havia faculdade de gastronomia — a primeira delas, a Anhembi Morumbi, surgiu só em 1999. Mesmo com o curso, não se chegava em casa e dizia para a família “Quero ser chef”. Como pontificou Laurent no momento da publicação: “Ninguém queria ser cozinheiro, era uma vergonha”. Desse grupo, Atala tornou-se o grande astro, e não só no Brasil. Obteve reconhecimento internacional apenas parecido com o dos craques do futebol. Já me perguntaram sobre ele em países tão diferentes quanto Itália, África do Sul e Tailândia.

Carlos Siffert: foi chef e sócio do Tambor (Rogerio Montenegro/Divulgação)

O titular do D.O.M. surpreendia desde o início promissor. Numa época em que as pessoas ainda saíam para comer estrogonofe em restaurantes pretensamente chiques e a sobremesa que chamava atenção era o pirotécnico crepe suzette flambado no salão, ele propunha uma manga grelhada com sal e pimenta-branca ao molho de maracujá, publicada na matéria que tinha o título “As novas faces dos comandantes das cozinhas”. Quando eu o perfilei pela primeira vez, 23 anos atrás, ele já usava bem frases de efeito: “Eu me senti tocado pelo dedo de Deus quando tive de limpar um salmão pela primeira vez”. Depois desse início voltado para a fusion food, flertou com a vanguarda espanhola, chegando a decalcar os passos de Ferran Adrià. Aos poucos, foi desenvolvendo receitas cada vez mais pessoais a partir de ingredientes nacionais, até se tornar o mais autoral dos chefs brasileiros. Eu estava lá desde o início e acompanhei, como observador privilegiado, toda essa evolução, não só de Atala, mas da gastronomia paulistana nas últimas três décadas.

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