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No tempo dos nossos avós: histórias para se emocionar

Da escritora Ruth Rocha, que transformou meninos em personagens de livro, a neta que fez tatuagem com cena de seu aniversário de cinco anos

Por Guilherme Queiroz
Atualizado em 26 jul 2021, 12h22 - Publicado em 23 jul 2021, 06h00

Incêndio em passeio de balão, carro predileto do avô restaurado e netos transformados em personagens de livros. De figuras conhecidas, como a nonagenária escritora Ruth Rocha, a desconhecidos (tem até repórter da Vejinha), a relação entre os de pele enrugada e seus descendentes sempre rende boas histórias. Aqui, essas lembranças para celebrar o Dia dos Avós, em 26 de julho, também vão despertar sua memória afetiva.

Minha avó é famosa e eu também

A escritora Ruth Rocha, 90, tem na memória quem a introduziu no mundo dos clássicos infantis: seu avô, Francisco, ou Vô Ioiô, como ela o apelidava. Com a próxima geração, ela foi um pouquinho além. Tornou-se referência no mundo dos livros, mas, claro, não esqueceu de incluir os netos nas dezenas de universos de que também é matriarca. Miguel e Pedro, os tatus da coleção de livros Comecinho, são inspirados nos seus dois netos. “Eu adorava saber que era um personagem, contava para todos os colegas da escola”, lembra Pedro Colzani, 23, que herdou da avó a paixão insaciável pela leitura e as artimanhas do buraco, jogo de carteado.

“Eles passavam os fins de semana comigo. Espalhavam almofadas pelo chão e pulavam em cima, jogavam bola dentro de casa. Eu deixava tudo”, lembra Ruth. Miguel Colzani, 26, puxou do avô, Eduardo Rocha (1929-2012), o talento de ilustrador. Craque no traço, dava cores às histórias da esposa. Passos que serão seguidos por Miguel, que, em breve, vai ter desenhos de sua autoria em uma obra de Ruth. Além das páginas, gosto de vô e vó, para Pedro, é pão com azeite e sal e, para Miguel, bobó de camarão. “A Ruth é, secretamente, fã de programas tipo CSI. Já o meu avô adorava filmes de ação, sou fã do Jason Statham por causa dele”, lembra Miguel, sobre as tardes assistindo à televisão ao lado do casal.

ruth rocha com seu marido, eduardo rocha, e seus netos pedro e miguel, sorrindo posando para a foto. pedro está sentado no colo de ruth, que está sentada ao lado de eduardo. miguel está de pé atrás deles com um braço nas costas de cada avô
Ruth Rocha com Pedro, no colo. À direita, Eduardo Rocha e, ao fundo, Miguel (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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Tá Pegando fogo, bicho!

O neto Felipe Nascimento, 28, foi o único que levou a sério o sonho de Joanna Nascimento, 84: andar de balão. Ela queria alcançar o mundo dos aviões, ver as nuvens aconchegada em um cesto. Felipe, engenheiro de produção, desenhou a empreitada em uma manhã de sábado em Boituva, no interior paulista, em fevereiro de 2017. “A gente chegou e o sol estava nascendo ainda”, lembra Felipe. Tirando um pequeno susto na hora de levantar dona Joanna para o cesto (ela machucou levemente a costela), a subida aos céus e a contemplação foram dentro do planejado. “Lindo, lindo, muito bom”, lembra Joanna, feliz da vida, da vista lá do alto.

Na hora de descer, no entanto, a emoção cobrou: o vento, forte demais, não deixou o baloeiro controlar a volta para o chão. Na primeira tentativa de pouso, o cesto quicou e virou quase em 90 graus. O balão voltou a subir, e o “piloto” precisou desviar de postes de energia elétrica. E piorou um tanto: a regulagem da chama travou e o balão começou a pegar fogo! “Tudo isso durou uns dois minutos de puro desespero, achei que ia matar minha avó!”, diz Felipe. Depois de passar da cerca, no entanto, o gigante pousou. O coração de dona Joanna ficou acelerado, mas ela garante: “Eu iria de novo! Vi o fogo, mas isso não me deu medo não”, conta ela, causando gargalhadas na família.

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felipe e joanna nascimento posando para a foto em campo em Boituva, com balão vermelho ao fundo
Felipe e Joanna: sonho do passeio de balão virou história de aventura (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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Retrato para todo o sempre

Nhoque, sopa de agnolini e leite na cama no Rio Grande do Sul: gosto de vovô e vovó para a produtora de conteúdo Thaís Zimmer Martins, 29, hoje paulistana. Uma foto de seu aniversário de 5 anos foi eternizada no antebraço esquerdo. “O vestidinho vermelho que uso ali minha avó mandou fazer na costureira”, conta. “Quando eu era pequena, eu não gostava de leite, mas meu avô sempre vinha com uma xícara de leite e uma bolacha de maisena quando dormia na casa deles, eu achava aquilo tão bonito que nunca reclamava”, lembra.

Vizinhos, ela cresceu entre os braços de José Martins (1931-2020) e Zilda Maria Martins, 86. José, que morreu após um infarto, deixou saudades na neta do seu semblante sempre perfumado. Por videochamadas, Thaís mostra para Zilda sua coleção de plantas (ela tem uma bromélia, influenciada pela vovó) e, por vezes, se arrisca no nhoque de farinha, ovo e água, com molho que leva carne vermelha, tomate e cebola: receita também de Zilda.

thais abraçada com os avôs José e Zilda, em sua festa de aniversário de 5 anos. à frente deles, uma mesa com bolo e docinhos
Aniversário de 5 anos de Thaís e tatuagem (abaixo) da foto para eternizar a lembrança em seu braço (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)
foto do braço de thais que mostra a tatuagem que reproduz a cena dela sendo abraçada pelos avós
(Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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Minha avó era palhaço

Maria Eliza Alves dos Reis (1909-2007) rodava o Brasil no Circo Teatro Guarany com sua família, levando gargalhadas ao lado do seu chimpanzé. Quando o mundo dos palhaços era estritamente masculino, nos anos 1940, Maria Eliza se transformava em Xamego. “Cresci ouvindo as histórias da minha avó, do macaco, que ela era cantora, as viagens, que eles rodavam o país levando o circo em vagões de trens fretados”, lembra a cineasta Mariana Gabriel, 39, que sente saudades de tocar piano ao lado de Maria Eliza. A idosa, antiga frequentadora da Feira de Artes da Vila Pompeia, teve suas aventuras mirabolantes registradas nas telinhas: o documentário Minha Avó Era Palhaço, de 2016, foi dirigido por Ana Minehira e Mariana e atualmente é exibido no Canal Brasil. Mesmo sem ter ideia do filme, quando criança, a neta vislumbrava seu futuro: deu para a avó um livrinho, de sua autoria, com desenhos circenses e o mesmo título do documentário. “Esse eu consegui mostrar para ela”, lembra a cineasta.

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mariana de perfil olhando para tras, onde está sendo projetado o documentário de sua avó, com uma cena em que sua avó aparece vestida de palhaço
Mariana na frente de retrato da avó Maria caracterizada como palhaço (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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A (vice) Miss Caipirinha

Lyria Gimenez, 95, é fã da igreja e das festas de terceira idade. Mas, com a pandemia, a antiga dona do título de vice-miss caipirinha de festas juninas da terceira idade da Zona Leste ficou, claro, isolada. “Me puseram um vestido bonito, todo cheio de babados”, lembra, feliz, Lyria, das farras. A neta Bárbara Gimenez, 28, atriz e arte-educadora, se incumbiu da missão de não deixar a idosa perder o sorriso. “No começo eu me dei conta de que conseguia pensar em inúmeras possibilidades de entreter uma criança, mas não a minha avó”, lembra ela, que ajuda a mãe, Arlete, com os cuidados com a idosa.

De visão fraca, o passatempo favorito de dona Lyria foi para o brejo: as palavras cruzadas. O jeito foi ir para o sensorial: massinha de biscuit. “No começo ela falou que não queria, mas depois foi fazendo formas. Fez uma flor que parecia o coronavírus e a gente apelidou de ‘coronaflower’, foi uma forma que encontramos dela se expressar”, diz Bárbara. Como o clichê manda, Lyria se diverte mesmo é com o seu privilégio sênior. Ficar sentada na área da frente da casa, olhando os carros irem e virem, dando bom-dia a todos que passam na rua.

bárbara abraçando lyria, que está fazendo biquinho e piscando com um olho para a foto
Bárbara e a avó Lyria: atividades na pandemia (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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Máquina costurada no braço

“Tcheki, tcheki, tcheki”, grita a máquina de costura. Pezinho atento no pedal, óculos que lutam para se equilibrarem no nariz e mãos grossas pela idade, mas incrivelmente delicadas. Sindária Pereira de Queiroz, 72, fica com o rosto amarelado sob a luz do aparelho, pegando seu bronze, já que nunca foi fã do sol. A capa preta e, por vezes, empoeirada da máquina de costura comprada em 1971 acompanha o aparelho de minha avó por todas as casas em que moramos juntos, desde que me entendo por gente. Fiel escudeira, presente do ex-marido (meu avô, Anézio, 97), sempre fez minhas barras de calças, remendos e lençóis de cama.

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Minha avó aprendeu a costurar com outra vó: dona Salviana, falecida professora do ofício em Ponte Branca, interior brabo de Mato Grosso. Fez as aulas aos 16 anos a pedido de seu pai, Manoel, e, com a mãe, Videlina, confeccionava camisas para quem encomendasse. Nunca foi exatamente muita gente, já que a cidade sempre foi minúscula (no último Censo tinha 1500 habitantes). Amor de avó não é amor de mãe, é amor de avó: é quibe, plantas medicinais e insistência em usar roupas furadas. Os óculos, trocou centenas de vezes, mas da máquina nunca se desfez. Tatuei no braço o artefato de vovó, na esperança de que ela não me esqueça também.” Relato de Guilherme Queiroz, repórter de VEJA SP

guilherme posando para a foto com sua avó, sindária. na foto, aparece basicamente apenas o rosto dos dois. ele está com um sorriso tímido e ela está com uma expressão séria
Guilherme Queiroz e a avó, Sindária. Abaixo, tatuagem da máquina de costura feita por ele em homenagem a ela (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)
foto do braço de guilherme, com o desenho de uma máquina de costura tatuado em seu braço
(Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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Não vendo a caranga do vovô

Lucas Soana, 23, e Manuel Rodrigues da Cruz (1928-2013) nunca foram próximos, mas nos pequenos gestos o amor de avô acendeu uma das paixões do graduando em engenharia ambiental: o amor pelo automobilismo. Seu Manuel aproveitava as datas comemorativas para encher o neto de pistas de autorama e carros em miniatura. Dono de um posto de gasolina na Freguesia do Ó desde 1965, mesmo com Alzheimer, Manuel insistia em ir trabalhar todos os dias, até que morreu atropelado a caminho do serviço.

Deixou duas relíquias, abraçadas por Lucas. Uma Mercedes fabricada em 1962, que ficou sem uso por trinta anos, e um Fiat Uno de 1985, caprichosamente restaurados pelo neto. “A gente não tinha muito contato, então eu sinto que arrumando os carros, deixando em ordem, é uma forma de ter uma ligação com ele. Sinto que, onde ele estiver, sabe que eu estou cuidando dos carros”, diz Lucas, que desde 2018 já gastou mais de 17 000 reais nas carangas. Já lhe ofereceram 40 000 na Mercedes, quando o carro nem andava. “Mas não quero vender, só em caso de extrema necessidade financeira.”

lucas posando para a foto encostado na frente do mercedes herdado de seu avô
Lucas Soana e a Mercedes 220 S, de 1962: relíquia deixada pelo avô (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

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O bolo era quase fake

“Meus avós eram daqueles casais apaixonados, que se uniram no matrimônio e no companheirismo. Em 2010, dona Elvira e seu Lúcio Teixeira de Almeida (1927-2015) completaram cinquenta anos de casados. A festa familiar foi coroada pela partilha do bolo de três camadas, dificílimo de cortar. Quem começou tentando foi meu avô, que logo desistiu resmungando e passou a tarefa à esposa. Quando ela conseguiu perfurar a pasta americana, com palpites vindos dos convidados, percebeu que o primeiro andar era falso, feito de isopor. Todos caíram em gargalhadas até finalmente arrancarmos a parte superior e encontrarmos o pão de ló ali, na base quadrada.” Por Gabriela Del’Moro, repórter de VEJA SP.

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gabriela junto de seus avós, lúcio e elvira, com o bolo dos avós na frente. eles estão cortando o bolo, com as mãos juntas na faca. gabriela e elvira estão de pé e sorriem, enquanto lúcio está com expressão fechada
Cinquenta anos de casados de Elvira e Lúcio Teixeira de Almeida, avós da Gabriela Del’Moro: a gafe do bolo de isopor (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

Colaborou Fernanda Campos Almeida

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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de julho de 2021, edição nº 2748

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