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Médicos alertam sobre importância do diagnóstico e tratamento do câncer, afetados na pandemia

Medo da Covid-19 afastou pacientes oncológicos; especialistas falam sobre riscos da interrupção de acompanhamento clínico

Por Artur Alvarez
Atualizado em 9 abr 2021, 18h37 - Publicado em 9 abr 2021, 18h31

Estudos recentes quantificam o impacto que a pandemia está causando nos pacientes de câncer, no Brasil e no mundo. Depois de um ano que o novo coronavírus é realidade, a detecção de novos casos de câncer e a evasão do tratamento por parte dos pacientes já diagnosticados continua. Por isso, para especialistas da oncologia, no Dia Mundial do Combate ao Câncer 2021, celebrado na quinta-feira (8), a palavra da vez é conscientização.

Clarissa Mathias*, médica oncologista, diz que o setor enfrenta uma batalha para tentar remediar a situação. Ela julga que no Brasil é muito possível que a situação esteja semelhante à mostrada em pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), que acusava que, entre março e maio de 2020, 50 mil brasileiros deixaram de receber diagnóstico de câncer. Além disso, uma pesquisa nacional realizada pela SBOC entre seus associados, realizada entre julho e agosto de 2020, afirma que 74% dos médicos participantes tiveram um ou mais pacientes que interromperam ou adiaram o tratamento por mais de um mês.

O temor da presidente da SBOC se confirma em um estudo realizado pelo Hospital Sírio-Libanês em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicado este ano na revista JCO Global Oncology, da ASCO, que revelou que desde o começo da pandemia, em todo o mundo, 52,6% dos pacientes de câncer atrasaram cirurgias ou tratamentos como quimioterapia e radioterapia; 77,5% interromperam os cuidados; e houve queda de 77% de novos diagnósticos, ou seja, pessoas que têm câncer e ainda nem sabem disso. Ao estudo, 76% dos profissionais de saúde também reportaram atraso nas cirurgias.

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O estudo ainda levantou os principais motivos pelo atraso ou interrupção dos tratamentos oncológicos: para os pacientes, o medo de se infectar com o coronavírus e, consequentemente, contrair a Covid-19 foi a principal causa.

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“A situação que o estudo do Sírio/OMS expõe é muito triste, porque com essa redução de diagnósticos no mundo todo, incluindo o Brasil, não sabemos o que vai significar no longo prazo, a nível de controle de câncer. O grande atraso na detecção e no início do tratamento da doença são determinantes para a probabilidade de sucesso no tratamento, e esse retardo faz com que vários pacientes não possam ser curados. A gente realmente não sabe o impacto de tudo isso nas curvas de sobrevida de câncer”, analisa Clarissa.

A estatística levantada sobre detecção de novos casos de câncer pela pesquisa do Sírio Libanês com o órgão sanitário internacional chama atenção. “A demora no diagnóstico compromete o resultado do tratamento e, consequentemente, a sobrevida e a qualidade de vida do paciente”, diz Vânia Hungria**, onco-hematologista. Segundo Clarissa, quando há a detecção de um tumor, muitas vezes há grandes chances de cura se em estágio inicial, mas, se o paciente for diagnosticado no estágio avançado de câncer, a chance de cura cai. 

Para Vânia, o medo de infecção faz com que um paciente que depende de exame de rotina para detecção de câncer seja prejudicado. “As pessoas atrasaram seus exames de rotina e de prevenção de câncer”. A onco-hematologista ainda diz que as pessoas deixaram o tempo passar para se consultarem porque não se imaginava que a pandemia seria tão duradoura. “Por isso, vemos a diminuição no número de diagnósticos e quando [os pacientes] chegam, já têm a doença em estágio mais avançado”, completou.

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Tanto Clarissa quanto Vânia também mencionam que, nas experiências delas, no cenário pandêmico, os pacientes acabam chegando mais graves, o que pode estar relacionado com diagnósticos tardios de câncer. “A classe tem reparado, nas reuniões que participa, que isso tem sido um assunto mais recorrente na conversa”, relatou Clarissa.

A questão do câncer na cidade de São Paulo, segunda a Secretaria Municipal de Saúde, preocupa. Em 2019 houve 18 067 registros de internações hospitalares ocorridas com diagnóstico de tumor. Em 2020, esse número abaixou pouco, cerca de 3%: foram 17 677 registros. Em 2021, até o dia 7 de abril, foram contabilizadas 3 479 internações. Em uma estimativa média mensal de casos de internação hospitalar na capital, a partir dos números, é possível afirmar que, neste ano, as internações mensais correspondem a apenas 60% das internações dos dois anos anteriores.

Exemplo prático – câncer de pulmão

Um perigo para este cenário de evasão do tratamento e diagnósticos tardios de câncer, segundo Clarissa, são os tumores mais silenciosos, que só se manifestam em sintomas quando a doença já está espalhada em um grau maior. Um exemplo disso é o câncer de pulmão, mais letal entre os brasileiros, segundo a presidente da SBOC. Em 2019, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) apurou que essa doença matou 29 354 brasileiros, o que corresponde a 13,8% e 11,4% de mortes provocadas por câncer no Brasil em homens e mulheres, respectivamente.

Uma pesquisa encomendada pela biofarmacêutica Bristol Myers Squibb e publicada no final de 2020 acusa que cerca de 70% dos pacientes brasileiros estão no no estágio 4 (último dentre 5 estágios), ou doença avançada, de câncer de pulmão, em que “o tumor se espalhou para os dois pulmões, o revestimento do pulmão ou do coração ou para outra parte do corpo”.

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Segundo o estudo, em um cenário pré-pandemia, 44% dos pacientes em estágio 3 da doença evoluem para o estágio 4, em um tempo médio de 10 meses. Agora, no cenário pandêmico, esses mesmos 44% devem levar 3,3 meses para evoluir do 3 para o 4. Isso representa uma progressão três vezes mais rápida da doença e a pesquisa menciona que o contexto de atraso no diagnóstico e na ruptura do tratamento da doença são grandes contribuintes

Além disso, a diferença nos custos de tratamento do câncer de pulmão variam conforme a gravidade, e a pesquisa acusa o salto de demanda monetária para tratar um paciente em diferentes estágios. Para se ter uma ideia, o tratamento quimioterápico anual de um paciente no estágio 2 e 3 é de R$ 4.774,00, enquanto que um paciente no último estágio da doença vai custar R$ 476.347 no mesmo período.

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Equilíbrio

Segundo a pesquisa da SBOC, cerca de 1% dos médicos entrevistados afirmou que nenhum procedimento oncológico sofreu consequências por conta da pandemia. Vânia corrobora com a tese na medida em que revela que os pacientes diagnosticados com câncer em tratamento em sua clínica não pararam de chegar.

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“Quem tem diagnóstico sabe que sua sobrevida está muito dependente de seu tratamento. Então, esses pacientes não faltaram nem deixaram de vir à quimioterapia. Medo todo mundo tem, mas o paciente que já estava em tratamento quando começou a pandemia não falta, também por medo”, relatou a onco-hematologista.

Outro exemplo é o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) que, por meio de sua assessoria, disse que houve impacto mínimo da pandemia na assiduidade de seus pacientes. Entretanto, também disse que houve um trabalho intenso do hospital para os conscientizar a não interromperem o tratamento, o que por vezes foi feito via consultas à distância.

Como tentar reverter a situação?

Segundo o INCA, pessoas com câncer que estejam em tratamentos de quimioterapia, radioterapia, que tenham feito cirurgia há menos de um mês ou que façam uso de medicamentos imunossupressores também fazem parte do grupo de risco para a Covid-19. 

Apesar dessa ameaça maior que o coronavírus oferece, Clarissa chama atenção para o fato de que os laboratórios de diagnóstico são ambientes seguros. “As pessoas precisam saber que é muito mais seguro um paciente ir fazer um exame de rotina, que pode detectar algum câncer, do que ir ao supermercado. Isso porque esses locais asseguram para seu público todas as recomendações sanitárias do Ministério da Saúde e da OMS”, disse Clarice.

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Também argumentou ao citar a vacinação. “As clínicas, hoje, estão com os profissionais de saúde vacinados, isso dá uma segurança maior para os pacientes procurando esse serviço de saúde. Além disso, os pacientes oncológicos em tratamento entraram na lista de prioridade da vacina”.

Vânia e Clarissa fazem coro para que a população siga os protocolos de higiene e distanciamento recomendados pelas autoridades sanitárias nacionais e internacionais para que as pessoas voltem a procurar serviços de saúde para exames de rotina, de modo que o impacto da Covid-19 em outra doença, o câncer, diminua.

*Clarissa Mathias é médica oncologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e do Comitê de assuntos internacionais da Sociedade Norteamericana de Oncologia Clínica (ASCO, em inglês).

**Vânia Hungria é onco-hematologista, cofundadora da International Myeloma Foundation (IMF, em inglês) e da Clínica oncológica São Germano, em São Paulo.

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