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O bóson do Brasil

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 16h56 - Publicado em 25 ago 2012, 00h31

Nunca me esqueço do início das noites no Grande Hotel, onde morei em 1976, na praça da igreja de Dourados, em Mato Grosso (hoje do Sul). Começava com o pôr do sol. Seu Vittório, proprietário do estabelecimento, puxava uma daquelas cadeiras de fios de plástico coloridos, comuns no interior da época. Sua família, amigos e os hóspedes do hotel se juntavam na calçada para aproveitar a trégua do calor trazida pela Lua e jogar conversa fora. Serviase Campari, com limão e gelo, que ninguém é de ferro e seu Vittório era italiano.

Nada entendia eu no começo. Demorei a falar português. Mas do Campari gostei de imediato. A certa altura todos ali se levantavam e passavam para o salão do hotel, onde nos aguardava mais gente, entre funcionários e hóspedes, amigos outros e as adolescentes, mais novas, que não participavam muito dos papos na calçada. Iria começar a novela. E, até onde consegui observar, ninguém, em Dourados, perdia a novela. Nem o padre.

Poderia eu citar nosso Washington Olivetto e dizer que da primeira novela brasileira ninguém esquece. Mas no meu caso havia um agravante. A trilha sonora era centrada no roquinho conhecido em português como “Estúpido Cupido,” que também dava nome ao drama televisivo. Se você não a conhece, imagine uma daquelas musiquinhas dos anos 50 e início de 1960 de dançar junto — mas com entusiasmo juvenil. O homem joga a mulher para trás, traz para a frente, passa debaixo dos seus braços e até, em casos extremos, entre as pernas e em cima da cabeça. E, acredite se quiser, eu sabia fazer isso tudo. Juro. Tivera aula na Califórnia. Era o único preparado para dançar “roquinho” em Dourados, quiçá em todo Mato Grosso, durante a administração Geisel. Ensaio alguns passos até hoje, aliás.

As adolescentes, cada uma mais linda do que a outra, faziam fila para dançar comigo durante a abertura e o fecho da novela em 1976. Tinha eu 17 anos de idade. Vai ver que foi a partir dali que comecei a gostar tanto do Brasil. Anos depois, fiz amizade com Mario Prata, autor de “Estúpido Cupido”. Sempre disse que lhe devia essa. Aquela musiquinha ajudara a minha adaptação ao país. Hoje, o filho dele, Antonio, colabora em “Avenida Brasil”.

Pensei nisso, na semana passada, ao ver nos telões da Linha Amarela do metrô em São Paulo o resumo das novelas do momento. Deve ser este o único país que oferece por escrito uma lista dos avanços no enredo dos programas dramáticos de televisão dentro do transporte público. Ou você já viu algo semelhante em outro lugar? Passa entre os gols da rodada e o horóscopo.

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Só confirma a minha teoria de que a novela, ao lado do futebol, está para a cultura brasileira como o bóson de Higgs está para o Brasil. Para quem não sabe, o bóson de Higgs, também conhecido como partícula de Deus, foi descoberto recentemente no Grande Colisor de Hádrons (GCH), na Europa. É coisa de físicos de “altas energias”. O GCH vem a ser uma pista para acelerar partículas (a menor unidade de realidade conhecida pelo homem). Tem 27 quilômetros de circunferência, cavada em um túnel 175 metros abaixo da terra. É o Indianápolis dos aceleradores de matéria. Sua construção custou bilhões de euros.

Mas valeu a pena. Deu um passo adiante em nossa compreen são de como funciona o mundo. Segundo li na internet, a descoberta do bóson de Higgs nos ajuda a entender como a natureza decide se dará ou não massa às partículas.

É mais ou menos isso o que fazem as novelas e o futebol, penso. Vão formando as teias da “matéria escura” da nossa cultura, ligando uma coisa à outra. Determinam o que tem peso, o que é relevante.

Tal como o horóscopo.

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