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Cadê o crooner?

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 16h59 - Publicado em 4 ago 2012, 00h51

Estive pensando numas figuras que sumiram. Atividades que desapareceram, bicos, particularidades de certas profissões que se perderam. Nada muito remoto, como palafreneiro, moleiro, acendedor de lampiões; pensava em figuras que conviveram com todos nós, ou com vossos pais, se sois jovens, figuras que estavam aqui pouco antes de a banda passar.

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O crooner era uma delas. Flor noturna da música popular, figura ligada às boates, aos trios, aos beijos no escurinho. Eu me lembro de um: Dick Farney. Outro: Lúcio Alves. Amigos meus beberam com os penúltimos artistas dessa classe. Esse tipo desapareceu quando a boate intimista perdeu o bonde, quando o pessoal parou de beber uísque de contrabando e passou a cheirar, quando chegou a discoteca, chegaram os instrumentos elétricos, os DJs, as bandas, o barulho.

Outra figura sumida: o contrabandista particular. As pessoas tinham o “seu” contrabandista. Dizia-se o meu contrabandista como quem diz o meu médico, o meu dentista, o meu contador. O contrabandista de cada um trazia a calça Lee encomendada, ou a Levi’s, o banlon, a maquiagem, o perfume, o scotch legítimo do Paraguai…

O bicheiro é outro que sumiu. Sei muito bem que a jogatina não acabou, está aí o Cachoeira mostrando a força do setor, e a diversificação milionária. Acabou foi o “nosso” bicheiro, aquele que nos procurava no escritório, nas repartições públicas, na frente das fábricas, levando seu bloquinho e papel-carbono, que recolhia as apostas e pagava os prêmios sem falhar, porque a confiança era a alma desse negócio. Na redação do “Jornal da Tarde” aparecia um que cantava belos tangos, entre uma fezinha e outra. Hoje, só políticos corruptos têm bicheiro particular.

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Aquele doleiro mais chegado, nosso, onde está? Na época de ouro do mercado paralelo da moeda, ter um doleiro era um grande negócio, contava-se vantagem quando a cotação que o “nosso” conseguia era imbatível. Como o bicheiro, ele ia às repartições, aos escritórios, às redações, aos locais de trabalho da classe média em ascensão. Era o dólar delivery. O doleiro nosso de cada dia sabia das inquietações do mercado, aconselhava como um corretor de hoje: “Compra que vai subir”.

O médico de família não existe mais — aquele que ia às casas quando havia doentes, conhecia as mazelas dos meninos e dos velhos, tomava café com bolo na mesa da cozinha… Estão querendo trazê-lo de volta, mas como? Seriam necessárias centenas de milhares de médicos, ganhando pouco, coisa muito distante dos ideais dos jovens médicos de hoje.

A mulher do cerzido invisível, que recuperava fio por fio as roupas rasgadas; a marmiteira que “cozinhava para fora” e entregava a comida em marmitas de alumínio empilhadas… O leiteiro, o condutor, o motorneiro… Boa gente ultrapassada.

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O fotógrafo lambe-lambe dos parques municipais, onde foi parar? Os celulares fotográficos o derrotaram. O vendedor de enciclopédias e de coleções, sofrida figura de repente à sua porta, com aquele peso nas mãos. A pedra que aquele Sísifo carregava ladeira acima até nossa casa era a “Barsa”, “O Livro de Ouro” de alguma coisa. O Google e que tais o livraram do castigo.

A vendedora de Tupperware de porta em porta, lembra-se? Aparecia com aqueles folhetos, trazia variados recipientes para demonstração. Hoje, qualquer lojinha de bairro tem. A gente se pergunta onde é que as donas de casa guardavam as sobras do almoço ou do jantar, macarrão, feijão, refogados. Nas panelas mesmo? Em pratos? Em tigelas?

Vários meios de vida estão chegando à situação desses atropelados pela tecnologia e pelo mercado. Quais? O ascensorista, restrito a prédios de serviços públicos e outros poucos. O alfaiate, a modista-costureira, o camiseiro, o cambista de bilhetes de loteria, que perambulava atrás dos fregueses; o carregador de malas; o engraxate, encontrável somente no aeroporto e em alguns shoppings, derrotado pelos tênis… O mecânico de confiança, as pessoas tinham um, o “seu”, antes das autorizadas, hoje coisa de excêntricos ou da periferia, onde foram parar os carros idosos.

Em compensação, surgem novas figuras: o técnico de internet, o vendedor por telemarketing, o passeador de cachorros… É, a fila anda.

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E-mail: ivan@abril.com.br

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