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O jacaré e o computador

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h16 - Publicado em 6 abr 2012, 09h01

Soa improvável, sei, mas de acordo com alguns autores a maior ameaça à humanidade não são as bombas nucleares nem as mudanças climáticas. São os computadores. Dizem que eles ficarão mais inteligentes do que a gente, se isso já não aconteceu, e assumirão o controle. Sempre achei essa ideia duvidosa. Consigo entender o perigo dos explosivos atômicos, e as mudanças climáticas me aterrorizam, mas os computadores? Basta puxar o fio da tomada.

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Ou não. Foi o que pensei, dia desses, durante um evento sobre energia renovável no simpático teatro do Centro Britânico, em Pinheiros. Falava um doutor inglês (Ph.D.) dos mais competentes. Logo mais, dizia ele, vamos economizar eletricidade através de informática caseira. Ela vai nos cobrar tarifas diferenciadas de acordo com a função de cada eletrodoméstico e o horário. Ligar o secador de cabelo na hora do pico, entre 18 e 22 horas, por exemplo, vai custar uma nota. Já quem quiser ver televisão durante a manhã vai pagar pouco.

Os preços serão organizados por um telão feito pela Nintendo, ou, talvez, outro fabricante de videogames ou celulares, explicou. Todos nós poderemos competir para ver quem economiza mais energia. Não estou inventando nada. Ouvi tudo isso do inglês. Ganharemos pontos — e dinheiro — se atrasarmos o funcionamento do ar-condicionado, por exemplo, ou se deixarmos de utilizar a escova de dentes elétrica, optando pelo modelo manual.

Tive uma epifania paranoica nesse momento. É assim que as máquinas tomam o poder, pensei, ao lado do doutor, no palco. Mas logo afastei a ideia. Sou fã da informática. Gosto dos computadores, até mais do que eles gostam de mim, desconfio.

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Discutíamos, ali no teatro, o futuro, a sustentabilidade, que se resume em energia, água, biologia e filosofia. É meu tema predileto. Dedico-me a ele no projeto Planeta Sustentável, da Editora Abril (que publica VEJA SÃO PAULO). Na semana anterior, pegara o avião em Guarulhos e fora até Manaus discutir a sustentabilidade na Amazônia durante três dias gloriosos em um cruzeiro no Rio Negro, junto com uma centena de pessoas interessadas no mesmo assunto. Amazônia é forte. O clima e a geografia ficam bem ali na sua frente. Há água por toda parte. Mais água do que energia. Nós, no barco, entramos com a parte filosófica. A biologia pulsa em volta.

Na sexta-feira à noite, todos nós do cruzeiro vestimos coletes de cor laranja e descemos de escada de alumínio para pequenas embarcações, as voadeiras. Saímos em busca de fauna noturna. Sem luzes em volta, em meio ao rio e à selva, o céu explode. Estava com saudade das estrelas e não sabia.

Nossos guias conhecem a região. Foram criados ali, em meio a sucuris e jacarés, botos e bichos-preguiça. Diferentemente do que acontece no Baixa Augusta, por exemplo, a fauna se esconde à noite. Com a ajuda de uma lanterna forte, conseguimos ver um boto, algumas aves. Também ouvíamos sapos por toda parte. Mas o nosso guia, Rafael, queria mesmo era nos mostrar um jacaré. Jogava a luz forte da sua lanterna nos olhos dos animais e tentava encostar o barco neles. Mas eles se afundavam de imediato. Entramos com o barco na selva vezes e mais vezes com o mesmo resultado. Os jacarés fugiam. Estava ficando tarde da noite.

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“Estão se abaixando com muita rapidez hoje”, reclamou Rafael, depois de muito tempo. Um de nós na voadeira perguntou o motivo. “É uma noite muito clara?”, especulou alguém. Ao que ele respondeu, com naturalidade: “Acho que é muito ecologista junto. Eles têm medo de palestra”.

Dei uma risada tão alta que levei bronca. Rafael disse que espantaria os bichos.

No futuro, espero, jacarés, computadores e ecologistas vão conviver em paz.

E-mail: matthew@abril.com.br

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