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As naus dos afortunados

Litoral paulista está repleto de iates espetaculares, que chegam a valer dezenas de milhões de reais. Conheça alguns dos maiores e mais valiosos

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 18h20 - Publicado em 13 jan 2012, 23h50

O maior dos andares tem 42 metros de comprimento e até 8 de largura, o que resulta em cerca de 300 metros quadrados de área. Somados os outros três pisos, são no total nove quartos (sete deles, suítes), uma pequena piscina na cobertura e aparelhos de academia de ginástica. Maior iate do litoral brasileiro, o modelo batizado de Hemisphere 140 está sendo produzido no Guarujá e deve estrear nas águas paulistas nos próximos meses. Poderia ser considerado, sem hesitação, um imóvel de luxo se fosse um apartamento. Mas, como se trata de algo móvel (desloca-se a 35 quilômetros por hora), torna-se ainda mais impressionante. Esse colosso dos mares não custará menos de 40 milhões de reais — o estaleiro MCP não comenta preços ou detalhes do projeto, assim como o autor da encomenda, Giovanni Delle Sedie (dono da Autostar, rede de concessionárias paulistanas que inclui bandeiras como BMW, Land Rover, Volvo, Harley-Davidson e Kia).

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No mundo das joias náuticas, a aversão à divulgação desses bens (que nem sempre estão no nome de seus principais usuários) é praticamente unânime. Porém, quando seus donos estão entre os iguais, nas marinas e clubes, a regra se inverte. “Ali vira uma guerra de egos, todo mundo querendo mostrar que a sua compra é melhor que a do vizinho”, resume um frequentador das antigas. 

Hoje, um dos barcos mais admirados no estado é o Why Not, de Joesley Batista, do grupo JBS-Friboi. Trata-se de uma máquina que vale cerca de 30 milhões de reais e mede 100 pés (ou 30,4 metros — cada pé equivale a 30,48 centímetros). No começo do ano passado, ele causou furor ao ser apresentado no evento Rio Boat Show. Os visitantes só puderam observá-lo de longe, à exceção de alguns poucos selecionados pelos representantes do fabricante, o luxuoso estaleiro italiano Azimut, que puderam conferir detalhes como a parede espelhada atrás da cabeceira da cama na suíte principal, de 20 metros quadrados, e a decoração com esculturas de cachorrinho assinadas por Romero Britto. A velocidade chega a quase 60 quilômetros por hora, notável para uma embarcação desse tamanho. Seu endereço fixo, por assim dizer, são as Marinas Nacionais, no Guarujá, o que faz dele uma exceção entre as principais joias da nossa costa, que ficam quase sempre no Iate Clube de Santos, também no Guarujá. 

Gráfico - Barcos - 2252
Gráfico – Barcos – 2252 ()

Ali, ao lado de 300 embarcações dos mais variados tamanhos, repousa, por exemplo, o maior rival do Why Not: o Cancale, de Eduardo Brenner, ex-vice-presidente da Bovespa. Com 95 pés e valor estimado de 30 milhões de reais, inclui banheira de hidromassagem a céu aberto e quatro suítes. Fica ancorado próximo ao Nera, do estaleiro Technema, que passou a valer cerca de 15 milhões de reais após ter sido reformado minuciosamente por José Eduardo Kalil, que já foi presidente da Unisoap (do sabonete Francis) e hoje atua no mercado imobiliário. “Troquei até os parafusos”, diz ele sobre o projeto, que levou três anos para ser concluído e resultou em um gigante de 105 pés, de casco preto e vermelho. “A cor escura dá um ar imponente, enquanto uma das grandes vantagens do branco é disfarçar imperfeições”, compara, em relação ao tom quase unânime entre os vizinhos. “O Nera é veloz e confortável, com cinco suítes, mas sem exageros, já que só o uso entre quinze e vinte dias por ano.”

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De fato, ao contrário dos modelos extravagantes comuns no Oriente Médio, ornamentados com lustres nababescos e piso de mármore, a maioria dos brasileiros tende a seguir a decoração original de fábrica. Na lista dos que deram toques pessoais ao barco está Celso Moraes, dos chocolates Kopenhagen, que instalou um piano na sala de estar. 

Barco Cancale - capa 2252
Barco Cancale – capa 2252 ()

Como as águas visitadas por essas pérolas costumam ficar bem longe das areias ocupadas pelos praianos mortais, os navios particulares são raramente apreciados por gente de fora da casta dos embarcados. Uma exceção aconteceu com o Midnight, o Ferretti de Walter Torre, 76 pés, da construtora WTorre. O barquinho ganhou fama ao levar o craque Neymar para um passeio ao lado de amigos e belas mulheres, no início de novembro. Santista roxo, o empresário pediu em troca apenas um par de camisas autografadas. Depois que o passeio caiu nas lentes dos paparazzi, e deu o que falar nos sites de fofoca, a gentileza acabou rendendo dor de cabeça ao dono da embarcação — sua mulher ficou irritada com a hipótese de o jogador ter feito sexo ali com a modelo Carolina Abranches, fotografada no grupo.

“Ela quis até colocar o Midnight à venda”, relata um amigo. Carolina tranquiliza e diz, aliás, que achou o Midnight “superfamília”. “Tinha TV de plasma, sala de jantar para um monte de gente, era praticamente uma casa”, descreve a moça. Pelo menos a tarde de sol serviu para que o jogador tomasse gosto pela coisa. No fim do ano passado, longe dos olhos da imprensa esportiva, o pai de Neymar desembolsou 3 milhões de reais por um Intermarine usado, de 60 pés. “Não confirmo esse valor”, ele despista. Outra celebridade à procura de um Intermarine é o apresentador Gugu Liberato. 

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Barco Midnight - capa 2252
Barco Midnight – capa 2252 ()

Quem entra nesse mundo restrito está geralmente mais interessado em relaxamento e badalação do que em brincar de Amyr Klink — tais naus nem são apropriadas para grandes travessias. Ao sul, elas dificilmente se deslocam para além de Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ao norte, não costumam ultrapassar Angra dos Reis. Nos dois sentidos está uma faixa onde o litoral brasileiro é calmo, o que torna a viagem aprazível. “Só agora as pessoas estão começando a tomar gosto por explorar a natureza preservada em locais como Ilha Comprida”, diz o corretor náutico Aloísio Christiansen, de família tradicional nesse meio. Walter Hader, que atua na área, concorda: “Explico aos compradores que há muitas coisas a fazer lá além de beber caipirinha”. 

Neymar - barco - capa 2252
Neymar – barco – capa 2252 ()

Quem prioriza a máxima de ver e ser visto costuma navegar rumo a Angra, onde está, por exemplo, o Pershing de 115 pés avaliado em 85 milhões de reais do bilionário Eike Batista, o mais caro do país. “Lugares como a Praia do Dentista viram uma festa flutuante, com música alta e gente dançando em cima do barco”, descreve o empresário Álvaro Garnero, que não tem iate mas costuma frequentar o dos amigos. Com sua calmaria, o Cantão do Indaiá, em Bertioga, perto da Riviera de São Lourenço, é outro lugar que se transforma em clube sobre as ondas nos fins de semana desta época, especialmente para modelos de pequeno e médio porte. Veranistas mais ricos e donos dos maiores flutuantes, porém, tendem a achar essa cena um tanto “farofa”.

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As embarcações mais luxuosas têm entre seus points o píer da unidade do restaurante Dalmo Bárbaro no quilômetro 14,5 da Estrada de Bertioga. Cerca de 90% da clientela chega por mar (há duas dezenas de boias para ancoragem) ou por ar (nos dois helipontos). Nem as instalações (confortáveis, mas simples) nem os preços bem razoáveis (a saborosa pescada na manteiga para três pessoas sai por 130 reais) indicam que lá está parte relevante do PIB paulista. “Mas, se ajustarmos os valores, esse público reclama, porque dá extremo valor a cada centavo”, explica Rafael Dalmo, da família de proprietários.

Muitos clientes preferem ser servidos na própria embarcação. “Especialmente quando suas companhias não são as esposas”, sopra um funcionário. Em dezembro, um milionário de folga decidiu se arriscar. Chegou de helicóptero e foi até a mesa com três garotas, enquanto o marinheiro o aguardava ao lado do píer. Minutos depois, teve de sair em disparada com as moças para a água, ao deparar com a cunhada, que fez questão de telefonar de imediato para a irmã traída, em cena constrangedora, presenciada pelos outros comensais. 

Barco Cisne - capa 2252
Barco Cisne – capa 2252 ()
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Se as suítes flutuantes se mostram mais do que inspiradoras para dias e noites de amor, elas servem também para o sexo pago. “Já pensei em fundar o Bahamas Boat”, conta o notório Oscar Maroni Filho, criador do clube noturno Bahamas, fechado em 2007 pelo poder público. Se levasse a ideia adiante, ele teria de passar longe do refinado Iate Clube de Santos. Nas suas dependências, quem fere o clima respeitoso deixa de ser bem-vindo. Como os barcos são território do dono, contudo, há quem dê seu jeitinho discretamente. É célebre o caso de um frequentador de idade avançada que viaja sempre ao lado de prostitutas. “Ando com elas porque torcem para eu viver e continuarem recebendo michê, enquanto minha família torce para eu morrer e ficar logo com a herança”, costuma repetir aos amigos.

Entre a maioria dos sócios, no entanto, o uso dos barcos é feito com recato e discrição. “Não tem nada que una mais a família”, diz Marcio Christiansen, que comanda a Ferretti Brasil. “Ao contrário de uma fazenda, onde cada um se espalha para um canto, no mar todo mundo permanece junto.” A convivência forçada, que pode de fato ser motivo de união, às vezes é capaz de azedar as relações. “Conheço amigos que passaram o fim de semana juntos navegando e nunca mais se falaram”, comenta a socialite Val Marchiori, que já exibiu no reality show “Mulheres Ricas” seu Azimut de 60 pés. “Um simples perfume forte pode se tornar insuportável num lugar tão limitado”, explica.

Entre as dicas de etiqueta para quem for convidado a passar uma tarde em um iate, está a de economizar recursos hídricos (as caixas-d’água são pequenas), circular sem sapatos e carregar o mínimo de bagagem possível. “E recomendo levar toalhas brancas, e não coloridas, pois interferem na decoração ao ser estendidas”, diz o corretor Oswaldo Dores.

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São regras de comportamento, às vezes nem tão óbvias, que têm sido aprendidas por um número crescente de brasileiros privilegiados. Hoje, esse mercado fervilha no país. Enquanto estaleiros internacionais penam para desovar estoques, diante da crise, aqui os investimentos impressionam. Em junho do ano passado, a Ferretti inaugurou em Vargem Grande Paulista, na região metropolitana, uma fábrica de 145.000 metros quadrados, cuja meta é chegar a 2014 com uma produção de 100 unidades por ano. Com cerca de 700 funcionários, a empresa italiana soma-se a mais de outras vinte estrangeiras instaladas no país.

A opção tornou-se ainda mais vantajosa depois que o setor conseguiu que o governo aumentasse o imposto dos importados de 20% para 35%, uma reação ao boom de embarcações compradas direto do exterior pelos brasileiros que aproveitavam a boa maré da economia nacional. No estado, a frota aumentou de 21.000 unidades em 2007 para 27.000 no ano passado — na Ferretti, o crescimento foi de 105% no período.

Para quem consegue desembolsar alguns milhões na compra de um brinquedinho só seu, é preciso considerar os custos de operação e manutenção. Um barco de 100 pés, por exemplo, consome 4.000 reais de combustível em uma viagem só de ida do Guarujá a Ilhabela. Encher o tanque para aproveitar o verão fica na casa de 60.000 reais (isso mesmo, mais que o valor de um CrossFox novinho, cheio de opcionais). Uma máquina desse porte também necessita de um capitão (salário médio de 7.000 reais, a depender da experiência) e mais três tripulantes (2.500 reais para cada um).

“Esse mercado, mais do que glamour, representa boas oportunidades de emprego”, afirma Eduardo Colunna, dono de um estaleiro batizado com seu sobrenome e presidente da Acobar, a associação de fabricantes. Segundo a entidade, a construção de um barco cria em média cinco empregos diretos e três indiretos. Depois de pronto, ele precisa de profissionais como Gilberto Oliveira, de 36 anos, que comemora as oportunidades do setor em São Paulo. Com apenas o ensino fundamental, está tirando licença de capitão. Atualmente, ele já tem a permissão de mestre amador, o que lhe rende um salário médio de 3.000 reais por mês. Com mais um pouquinho, já dá até para pagar o diesel rumo a Ilhabela. 

ÁGUAS SALGADAS

Gastos com manutenção de um barco de 100 pés

Mensalidade em marinas no litoral paulista: cerca de 8.500 reais

Funcionários: um comandante (salário médio: 7.000 reais) mais três tripulantes (salário médio: 2.500 reais para cada um)

Combustível: ir do Guarujá a Ilhabela consome em média 4.000 reais em diesel. Só para a ida

Tinta venenosa (produto que evita que crustáceos grudem no barco): em torno de 27.000 reais uma aplicação, que deve ser repetida uma vez por ano

 

POR DENTRO DE UM COLOSSO

O Hemisphere 140, em fase final de construção no Guarujá, é anunciado como o maior iate do Brasil. Hoje são raros os que passam de 115 pés, como o de Eike Batista (85 milhões de reais), que continua a ser o mais valioso do país

 

Barco Hemisphere - capa 2252
Barco Hemisphere – capa 2252 ()

PERFIL DA EMBARCAÇÃO

De quem: Giovanni Delle Sedie (rede de concessionárias Autostar)

Altura: 8,2 metros

Largura: 42 metros

Tamanho: 140 pés

Marca: MCP

Valor estimado: 40 milhões de reais

Interior: Aparelhos de academia de ginástica, sala de reuniões, quatro mesas de jantar que somam 34 lugares e nove quartos, sete deles suítes

Velocidade máxima: 35 km/h (19 nós)

Tanque de combustível: 35.000 litros (óleo diesel)

Autonomia: 6.482 quilômetros

Quantidade de pessoas para pernoite: dezenove

 

PERSPECTIVA ARTÍSTICA DO HEMISPHERE 140

 

ETIQUETA A BORDO

Donos de iate costumam se irritar com convidados que…

■ Levam excesso de bagagem, especialmente malas duras e quadradas, que não podem ser dobradas quando vazias

■ Insistem em circular de sapatos pela embarcação

■ Desperdiçam água potável (os reservatórios geralmente são pequenos)

■ Passam óleo bronzeador, que mancha os estofados e lambuza as áreas comuns

■ Usam perfume forte, que pode se tornar insuportável num lugar onde a convivência será intensa

■ Bebem em excesso

■ Chegam para o passeio com convidados-surpresa

■ Levam pratos complicados de preparar, como lagosta. A não ser que haja um chef experiente, o barco é lugar de comidas fáceis de fazer

 

ITALIANOS FEITOS AQUI

A fábrica das marcas Ferretti e Pershing

Fábrica das marcas Ferretti e Pershing - capa 2252
Fábrica das marcas Ferretti e Pershing – capa 2252 ()

Localização: quilômetro 48 da Raposo Tavares (Vargem Grande Paulista)

Inauguração: junho de 2011

Funcionários: 700

Área total: 145.000 metros quadrados

Produtividade atual: 40 barcos por ano

Meta para 2014: 100 barcos por ano

Modelos fabricados: entre 53 e 83 pés, com custo de 3,6 a 15 milhões de reais

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