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Caviar sem culpa

Colhidas numa fazenda da Letônia sem causar sofrimento ao peixe, as ovas de esturjão conquistam cada vez mais visibilidade

Por Nana Caetano, de Riga
Atualizado em 5 dez 2016, 17h36 - Publicado em 21 nov 2011, 18h26

Desde setembro, um ingrediente se destaca no cenário de produtos da Selfridges, loja de departamentos em Londres. No mezanino, diante da seção de bolsas, o restaurante Hix serve caviar negro sobre ostras, sobre ovos de pata ou puro, acompanhado de torradas e manteiga. Elaboradas por Mark Hix, chef entusiasta da comida “ecofriendly”, as receitas causam estranheza. Como pode um cozinheiro preocupado com sustentabilidade utilizar o caviar, uma iguaria acusada do risco de extinção do esturjão? O cardápio desvenda o segredo: “Mottra sustainable caviar”. A Mottra é um criadouro que extrai as ovas de um dos maiores peixes de água doce (alguns chegam a 5 metros de comprimento) sem submetê-los a cirurgia ou sacrificá-los. “Comparado a outros tipos de caviar, é mais saboroso e menos salgado”, diz Hix, defensor da fazenda no subúrbio de Riga, a capital da Letônia.

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Depois da Rússia, a Inglaterra é o maior consumidor da versão “do bem” do produto, encontrado nas prateleiras da Harvey Nichols, em restaurantes como o japonês londrino Pearl e nos endereços do principal chef da Cornuália, Rick Stein. Outro feito foi figurar nos coquetéis do campeonato de golfe Alfred Dunhill, na Escócia, um dos mais importantes da Europa. “O compromisso com a preservação do peixe é consenso entre meus colegas”, diz Robert Thompson, uma estrela “Michelin” pelo The Hambrough, na Ilha de Wight. Considerado o mais valioso do mundo justamente pelas ovas, o esturjão é vítima da pesca predatória e da poluição no Mar Cáspio, onde são encontrados perto da costa. A entidade de conservação ambiental World Wild Life prevê para breve o colapso da produção. Os mais pessimistas, entre eles estudiosos da Universidade de Paris, apontam 2012 como o último ano em que será possível coroar blinis com beluga — um entre os 25 tipos listados pelo Convention on International Trade in Endangered Species (Cites), acordo que regula o comércio de espécies em extinção.

Em pisciculturas tradicionais ou na pesca selvagem, a fêmea, agonizante, é submetida a uma cesariana ou morta para a extração das ovas não fertilizadas. Na Mottra, certificada pelo Cites, o método se compara a um parto normal induzido por massagem. O peixe fica fora da água por até dois minutos e volta, depois, para o tanque. Em dois anos, está pronto para produzir de novo, respeitando seu ciclo. As ovas são extraídas como numa desova natural, coletadas numa bacia, lavadas em água fresca e salgadas. O caviar é, então, embalado a vácuo, para garantir a validade de um ano, desde que mantido a uma temperatura de 2 graus centígrados negativos.

Para determinar onde estão as ovas e facilitar a massagem, entra em cena um aparelho de ultrassom posicionado em meio a dezenas de piscinas enfileiradas dentro de um galpão de concreto. É uma operação complicada examinar as fêmeas, que “moram” em turmas de 1.500 em tanques de 330 metros cúbicos — os machos são criados à parte. Dois homens fortes pescam os esturjões com redes e os levam ao ultrassonografista Vladimir Ausienkov, que faz em média 500 exames numa jornada. O ar ali dentro é úmido. A temperatura constante de 23 graus centígrados contrasta com o frio do lado de fora num dia de outono — no inverno, não é incomum o termômetro despencar para 25 graus negativos.

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Fundada em 2002 pelos engenheiros russos Sergejs Tracuks e Vladimir Sidelnykov, a Mottra produz caviar há quatro anos — o esturjão só “amadurece” depois de, em média, cinco anos. Ambos trabalhavam construindo fábricas em Astrakhan, cidade russa na beira do Rio Volga e próxima ao Mar Cáspio, quando a União Soviética entrou em crise. Perderam tudo e decidiram investir na produção de carne de esturjões osetra, o mais utilizado para caviar. Ali aprenderam a técnica da massagem, usada por pequenos produtores para garantir ovas para a reprodução dos peixes. “Evoluímos o procedimento e criamos um jeito de conservar o caviar obtido dessa maneira”, diz Dmitrijs Tracuks, administrador da fazenda e filho de Sergejs. Hoje, o criadouro tem 50.000 peixes osetra e sterlet — variação mais rara — e uma produção média de 1 tonelada por ano, quantidade irrisória diante das 155 toneladas de caviar exportadas por ano (95 toneladas só de caviar selvagem, das quais 44% provêm do Irã).

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Não é só a menor concentração de sal, como aponta Hix, que chama atenção: o caviar “de ordenha” é mais granulado (as bolinhas são separadas) e mais firme. Questão de natureza: como as ovas saem pelas vias “normais”, as casquinhas têm de ser mais resistentes, senão explodiriam no processo. “Estava bastante acostumado com o caviar russo e confesso que não gostei na primeira vez em que provei o Mottra”, afirma o chef Martins Ritins, do Vincents, o melhor restaurante de Riga. “Hoje, como direto do pote, de colherada, como se fosse geleia.” Ritins pode ser condenado pela gula. Mas pelo menos comete esse pecado de boca cheia e sem culpa.

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