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Nascimento e morte de uma balada

Sem alarde, a Pacha fechou, cumprindo a sina dos negócios do ramo: viva intensamente, desapareça jovem e lucre o que puder nesse período

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 1 jun 2017, 18h29 - Publicado em 6 ago 2011, 01h00

Foram inúmeras noitadas memoráveis em quase cinco anos de baladas na Pacha, franquia nacional de uma das mais conhecidas boates de Ibiza, na Espanha. Em sua versão paulistana, o circo de diversões eletrônicas tomou corpo dentro de um galpão de 7.000 metros quadrados na Vila Leopoldina, na Zona Oeste, nas redondezas da Ceagesp. Ao longo de sua história, teve rega-bofe com a presença de estrelas globais, grandes farras comandadas por DJs renomados e muitas madrugadas animadas nos camarotes frequentados por filhos de milionários, modelos e toda sorte de celebridade (certa vez, até um príncipe do Catar foi visto por lá). Enquanto isso, a plebe, feliz da vida, fervia nas três pistas, com capacidade para receber até 5.200 pessoas.

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A casa hoje não lembra em nada essa fase gloriosa, abrigando apenas eventos de empresas. Sem alarde, realizou em junho o último agito aberto ao público. Esse final não deve ser encarado como um fracasso. Muito pelo contrário. O ciclo curto de vida é uma das características desse tipo de negócio. A Pacha estreou com sucesso estrondoso, usou de artifícios para se manter no mercado e enfrentou a inevitável decadência. Acabou durando mais que o dobro do tempo de outros concorrentes (a média é de dois anos). “As pessoas enjoam rapidamente dos lugares”, afirma Edson Pinto, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo. “Por isso, a rotatividade de endereços é a regra no ramo.”

Em 2006, os amigos Fernando Filho, Paulo Zegaib e Carlinhos Kalil, que comandavam o clube Sirena, em Maresias, no Litoral Norte, decidiram abrir um novo empreendimento em São Paulo. Com investimento de 6 milhões de reais, puseram de pé a Pacha, na Vila Leopoldina. Preocuparam-se em dar a ela um ar sofisticado, a começar pelos preços da entrada: 40 reais para as mulheres e 80 para os homens, valores que estavam entre os mais altos na época. “A coisa bombou desde o começo”, lembra Rodrigo Ferrari, DJ residente. Os proprietários não abrem os números, mas pessoas ligadas aos negócios da noite estimam que o investimento inicial de um empreendimento bem-sucedido do ramo costuma ser recuperado em menos de um ano de atividade.

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Muitos empresários dessa área, no entanto, amargam prejuízos, por conta de erros cometidos nos primeiros dias. Há quem tenha muita pressa em começar e não dê bola para a legislação municipal. A Mynt Lounge, por exemplo, abriu as portas em 2007. Depois de apenas seis meses, foi lacrada porque ocupava uma área residencial do Itaim. Outros empreendedores, quase sempre sem experiência no ramo, permitem que as obras consumam mais dinheiro do que o previsto e põem o ponto para funcionar sem a reserva de uma verba para futuros reparos.

Capítulo 2 — O apogeu

Nos dois primeiros anos, a Pacha se revelou uma mina de ouro. Cerca de 3.000 pessoas davam as caras a cada noitada. O investimento em super-DJs gringos valia pelo retorno de frequentadores fiéis. Em fevereiro de 2007, o inglês Fatboy Slim, capaz de encher estádios, faturou 250.000 reais para assumir os pickups. Logo em seguida vieram Boy George, ex-vocalista do Culture Club, David Guetta e outras dezenas de astros. Pela pista dançava não só a nata da sociedade, mas também famosos que estampavam as colunas sociais. Felipe Massa, Giselle Itié, Julia Petit, Mário Garnero e Angelita Feijó figuravam na lista. O sucesso fez com que duas outras filiais brasileiras ganhassem cartaz, em Búzios e Florianópolis.

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Não é fácil, entretanto, permanecer no topo da disputada cena baladeira. Para isso, existem alguns truques. As tão odiadas filas na porta para dar impressão de casa cheia mesmo quando ela se encontra vazia, por exemplo, não são mito. Seleção de público costuma funcionar. “É comum ter uma lista negra”, afirma Rafael Setrak, sócio das danceterias She Rocks e Wood’s, referindo-se às relações para barrar caloteiros ou brigões.

Tonico Novaes - Pacha
Tonico Novaes – Pacha ()

Conflitos de sócios também se mostram comuns. Além de problemas com o alvará, a luxuosa Pink Elephant enfrentou desacordos entre seus oito acionistas. Com faturamento mensal que oscilou de 300.000 a 2 milhões de reais, a casa, que teve investimento inicial de 5 milhões de reais, funcionou somente durante pouco mais de dois anos. Também a Pacha começou a se separar do Grupo Sirena, em 2009, por divergências entre os donos. A partir daí, o negócio perdeu um pouco o rumo.

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Alguns conseguem adiar o fim direcionando o negócio para nichos de público. A Limelight abandonou o posto de point de bacanas que ocupou de 1991 até 1998, na Rua Franz Schubert, e reabriu repaginada na Vila Olímpia, em 2002, apostando em habitués mais velhos, na faixa de 30 a 50 anos. Outro herói da resistência, o Asia 70 tem morte anunciada para o dia 30 de novembro — mas com planos de ir para novos ares. Depois de sete anos, a balada do Brooklin, que ainda conta com clientela fiel, muda de endereço no ano que vem para renovar o fôlego. “A regra é não deixar nunca o negócio estagnar”, receita o sócio Luiz Segre. A Pacha até que tentou o mesmo, mas sem sucesso.

Vale-tudo - balada
Vale-tudo – balada ()

Capítulo 3 — O fim

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A abertura da Pink Elephant, em 2008, e a enxurrada de casas de luxo de marcas importadas que se seguiu, no estilo da Mokaï e da Kiss & Fly, estiveram entre os fatores determinantes para a Pacha perder seu status de point absoluto do agito na capital. Essa concorrência fez a casa sangrar aos poucos, noite após noite. A primeira luz de alerta de que algo errado estava acontecendo se acendeu nos camarotes. Em determinado momento, o número de hostesses para recepcionar os vips caiu simplesmente pela metade. O motivo: corte de custos para compensar a queda do movimento na bilheteria. Em seguida, outro sinal de que o barco estava com vazamento: a casa passou a fechar às sextas-feiras e a abrir somente aos sábados.

Na fase final, tentou recuperar o público com atrações especiais. Em 2010, um de seus ambientes ganhou o nome de Warehouse. Os organizadores queriam separar a marca Pacha dos eventos de todos os naipes que aconteceriam ali. No espaço, rolaram desde lutas de MMA, conhecido antigamente como vale-tudo, até shows de duplas sertanejas. A jogada, porém, não conseguiu reverter o processo de decadência. No dia 19 de junho, foi realizado o derradeiro baile: um after hours do festival Skol Sensation marcou a última festa aberta. “É uma balada que vai deixar saudade”, diz o cirurgião-dentista Breno Murai, de 26 anos, que, nos últimos tempos, ia lá duas vezes por mês. “Não há mais nenhuma casa desse porte na cidade.”

O galpão que abrigou o negócio continua disponível para contratação. O último cliente a promover uma festa por ali foi uma empresa de televisão a cabo, no mês passado. Leo Sanchez, Tonico Novaes e Eduardo Papel detêm a marca Pacha na América Latina e seguem com noitadas esporádicas na capital. A primeira delas aconteceu no último dia 22, no refinado Terraço Daslu. “Queremos retomar o glamour dessa grife”, afirma Novaes. Por volta de 2013, eles prometem abrir um hotel-butique de mesmo nome por aqui. Estão também a todo o vapor criando filiais em outras cidades brasileiras. Há planos de inaugurar ainda neste ano a Pacha Goiânia e, logo depois, a previsão é repetir a dose no Rio de Janeiro.

Madrugada de fôlego

 

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