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Triplica o número de inquéritos ambientais em São Sebastião

Ação mais recente, aberta no último dia 20, envolve um condomínio que seria construído em terreno do vice-governador do estado

Por Maurício Xavier
Atualizado em 1 jun 2017, 18h33 - Publicado em 30 abr 2011, 00h50

A luta pela preservação das belezas do Litoral Norte paulista produziu algumas vitórias importantes nos últimos anos. Em São Sebastião, município que reúne 33 praias, entre elas algumas das mais deslumbrantes da região, como as de Camburi, Barra do Sahy e Baleia, essa batalha provocou uma redução significativa no ritmo de devastação. No período de 2005 a 2010, o lugar perdeu 33 hectares de matas, o equivalente a duas vezes a área do Estádio do Morumbi. É muito ainda, claro. Mas, em comparação ao que ocorreu entre 2000 e 2005, isso representou uma queda de quase 40% no ritmo do desflorestamento. A pressão exercida pela sociedade levou o poder público a agir com mais rigor. Nos últimos anos, o total de grandes operações de fiscalização da Polícia Ambiental aumentou, chegando a uma média de 46 por ano. Ocorreram também mudanças importantes na legislação, como a aprovação em 2006 da Lei da Mata Atlântica, que restringiu a exploração econômica de novos empreendimentos imobiliários na região. 

 
Apesar dos avanços, a situação continua muito delicada, em decorrência do acúmulo de estragos desde a década de 70, quando foi aberta a Rodovia Rio-Santos, e das pressões demográficas crescentes sobre o local. De vinte anos para cá, a população de São Sebastião cresceu 117%, sete vezes a taxa registrada na capital no mesmo período. Esse aumento expressivo não foi acompanhado dos devidos investimentos em infraestrutura. Menos da metade das residências conta com os serviços de saneamento básico (na capital, o índice é de 97%). Com isso, o esgoto é despejado sem tratamento, contaminando rios e praias. O número de locais impróprios para banho mais que triplicou entre o início da década de 90 e os dias de hoje, segundo estudos da Cetesb. A ocupação irregular dos morros é outro problema grave. De acordo com a prefeitura, há hoje cerca de 22.000 pessoas vivendo em favelas, quatro vezes as estimativas de 2001.

Leandro Saadi

A Vila Sahy: uma das 52 favelas que se espalham na área do município

Boa parte desses moradores integra a brigada que trabalha nas construções e nos serviços de manutenção dos endereços de veraneio. Novas obras continuam brotando em grande quantidade, apesar do endurecimento das regras de ocupação. Somente na Praia de Juquehy, surgiram quinze condomínios nos últimos três anos. Como consequência do avanço desenfreado das empreiteiras, que insistem em tratar a região como um pote de ouro inesgotável, triplicou a quantidade de inquéritos ambientais registrados pelo Ministério Público desde 2001. O mais recente deles, iniciado há dez dias, envolve o polêmico projeto de um condomínio de cinquenta casas numa área de 128.000 metros quadrados na Praia da Baleia. Esse terreno pertence ao vice-governador Guilherme Afif Domingos e foi cedido à KPB Empreendimentos Imobiliários, empresa ligada à construtora Construgar e à incorporadora Kara José. O negócio em questão teve o pedido de licenciamento indeferido em 2009 pela Cetesb, mas os responsáveis não desistiram e continuaram exercendo pressão. No dia 11 de janeiro deste ano (ou seja, dez dias após a posse de Afif no Palácio dos Bandeirantes), a Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, baseando-se num novo estudo de impacto ambiental, liberou o negócio. “O terreno está com a minha família há 37 anos, mas foi incorporado pela construtora, não tenho nada a ver com isso”, afirma o vice-governador. “Não vamos iniciar nenhuma obra enquanto o Ministério Público tiver dúvidas em relação ao empreendimento”, diz Edison Kara, da incorporadora Kara José.
Segundo o Ministério Público, que entrou com uma ação no último dia 20 pedindo a revisão da licença, a área de Afif deveria ser classificada como zona de preservação permanente por estar a menos de 200 metros de distância de um curso d’água (no caso, o Rio Preto) com largura entre 200 e 600 metros. Além disso, o local seria habitat de duas espécies de mamíferos (a lontra e a paca) e quatro de aves (o jacuguaçu, o macuco, a anhuma e o gavião-pombo-pequeno), todas listadas entre as espécies ameaçadas de extinção em São Paulo. “Queremos cancelar a aprovação do projeto imobiliário, tendo em vista impedir danos ambientais futuros”, afirma o promotor Matheus Jacob Fialdini, responsável pela ação. Até a quinta passada (28), o caso aguardava a apreciação do juiz da 1ª Vara Cível de São Sebastião.

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Leandro Saadi

Condomínio em Juquehy - 2215
Condomínio em Juquehy – 2215 ()

Condomínio em Juquehy: denúncia de altura acima do padrão permitido

Em muitos casos, porém, usando como arma a indústria de liminares, as construtoras avançam no desflorestamento. Não raro, anos depois da entrega das chaves aos proprietários a discussão sobre os empreendimentos continua correndo na Justiça. Alguns casos são célebres na região, como o do Condomínio Aldeia da Baleia, quase vizinho ao terreno do vice-governador. Com cerca de 220 lotes, suas unidades começaram a ser entregues aos proprietários em 1994. A ação que questiona a legalidade do empreendimento, entretanto, tramita desde 2009 na 1ª Vara Cível de São Sebastião. O Morro do Capuçu, ao lado da Barra do Sahy, é outro exemplo. “Todas as casas construídas naquela área são irregulares, mas estão lá há anos”, diz o secretário do Meio Ambiente, Eduardo Hipólito do Rego. Quando uma empreiteira perde uma causa dessas, a lei determina a extinção do condomínio. O número de demolições de obras irregulares no município até que vem aumentando: foram 23 em 2009, 34 em 2010 e doze só nos quatro primeiros meses deste ano. Mas, além de ocorrer depois que o estrago já foi feito, tal tipo de ação está longe de resolver o problema. “As derrubadas avançam em progressão aritmética, enquanto as construções ilegais aparecem em progressão geométrica”, lamenta o promotor Fialdini.

Leandro Saadi

Barra do Sahy - 2215
Barra do Sahy – 2215 ()

Morro na Barra do Sahy: exemplo de ocupação irregular

Problemas semelhantes ocorrem com frequência em outros destinos turísticos no Brasil e no mundo. A diferença é como os poderes locais lidam com essas questões. Em muitos países, anos de omissão nos assuntos ambientais produziram estragos permanentes em localidades como o balneário mexicano de Cancún. A cidade sofre com o acúmulo de prédios construídos bem próximo à costa, o que impediu a manutenção da flora e aumentou a erosão das praias. Segundo especialistas do Centro de Investigação e Estudos Avançados (Cinvestav) de Mérida, no México, a única forma de reverter a tendência seria a demolição de todas as edificações coladas ao litoral. Por outro lado, regiões muito castigadas no passado, como a costa sul da Califórnia, viraram referência internacional ao conseguir mudar a situação nas últimas décadas graças à adoção de medidas de controle da qualidade de ar e, principalmente, a uma política de planejamento territorial focada na exploração do turismo sustentável. É cada vez mais urgente que São Sebastião siga o exemplo correto.

As Marcas da Ocupação - 2215
As Marcas da Ocupação – 2215 ()

 O DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE
Confira bons e maus exemplos de como alguns países lidam com turismo e preservaçãoPOSITIVOSBrisbane (Austrália)
Resultado de cuidadoso desenho urbano, que inclui a presença de ciclovias sobre deques flutuantes, a cidade, capital do estado de Queensland, tornou-se um ícone de boa ocupação costeira.
Califórnia (EUA)
Várias praias no sul do estado e vizinhas a grandes cidades, como San Diego e Los Angeles, apresentam exemplar ocupação urbana, fruto de planejamento territorial e incentivo ao turismo consciente. O desenvolvimento equilibrado deve-se, em parte, a ações da secretaria de ambiente do governo da Califórnia implementadas desde 1950, quando surgiu um dos primeiros programas de qualidade do ar no mundo.
NEGATIVOS
Cancún (México)Urbanistas apontam a cidade mexicana como um emblema dos estragos que o crescimento imobiliário pode causar no litoral. A infraestrutura hoteleira teve grande desenvolvimento a partir dos anos 70 e muitos prédios ficaram próximos demais do mar. A situação levou à deterioração da flora, causando erosão nas praias. Especialistas do Centro de Investigação e Estudos Avançados (Cinvestav) de Mérida defendem a demolição total dos prédios para permitir o retorno da vegetação.
Marbella (Espanha)
A cidade, em Málaga, é um dos pontos turísticos mais famosos da Costa do Sol espanhola, mas sofre com a explosão demográfica verificada a partir dos anos 70, que foi impulsionada pela especulação imobiliária focada em turismo voltado para as classes média e alta. Ambientalistas locais têm realizado manifestações contra a degradação de suas praias.

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