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Um ano

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h43 - Publicado em 2 jul 2010, 21h39

Escrevo a dois dias do primeiro aniversário da morte de Michael Jackson. Suponho que a mídia terá mais uma vez falado do homem recluso, da sua dependência de comprimidos, do seu talento, da família, do pai amoroso que foi, dos filhos, dos processos, de quanto os mercados do entretenimento ganharam e perderam com sua morte.

Não sei se terão falado da sua delicadeza, não da fragilidade, mas da delicadeza. A diferença entre as duas é que a fragilidade — e não se nega que era frágil — é psicológica, resulta de medos e pressões, e a delicadeza é uma escolha, aprendizado, polimento da natural aspereza, opção de vida.

Quando um homem, um rapaz, escolhe a delicadeza, o que ele faz é rejeitar modos estereotipados das pessoas do seu sexo; modos que para muitos representam a qualidade masculina. Rejeita a agressividade, o domínio do território, a submissão dos frágeis, das fêmeas, o brandir da espada em riste.

A delicadeza o tornava uma pessoa superior. É encantadora — não encontro outra palavra, e uso esta que pertence ao campo dos atributos femininos — a sua atitude diante do repórter de uma televisão inglesa, o primeiro que conseguiu entrevistá-lo depois dos processos por suspeita de pedofilia e da consequente autorreclusão em Neverland. Falando baixinho, de apenas se ouvir, quase sussurrando, ele rebateu as perguntas de rude franqueza do repórter, dizendo docemente coisas como “Você fala cama com uma conotação sexual, esquece que cama é um lugar de dormir, de descansar e de sonhar”.

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A gentileza, quase consequência da delicadeza, sublinhava sua atuação profissional, como se pode ver nos ensaios do último show que preparava. Não deixava que sua exigência quanto ao trabalho resvalasse na rispidez: repetições, correções, repetições, sempre solicitadas com paciência, gentileza e rigor técnico. Era suave.

Talvez isso tenha sido revelador para pessoas que não tiveram tempo de acompanhá-lo nos anos 1970, 80 e 90, por estarem absorvidas pelo ganhar dinheiro, como meu amigo Roberto, de 79 anos.

— Vou dizer uma coisa pra você. Não conhecia. Cantor, bailarino, coreógrafo, compositor, um gênio! E uma coisa que me impressionou nas entrevistas dele: fino! Finíssimo, com aquela fama toda. Uma flor! Como é que isso pôde passar por mim sem eu perceber? Comprei tudo dele.

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— Tadinho, ele era tão frágil, tão sensível — comenta a atriz Ana Paula, falando da incompatibilidade dele com o mundo real. Numa festa recente de casamento, quando o DJ tocou ‘They Don’t Care about Us’ e um primo veio todo animado tirá-la para dançar, ela recusou: “Não, não dá, ainda estou de luto”.

Outros se tocaram com a dramaticidade da história dele, a de uma criança aprisionada dentro de um homem. E lembram sua sutil procura, consciente ou não, de fazer amizade com pessoas que, como ele, se tornaram estrelas muito cedo, consumiram a infância na carreira, como a primeira namorada, Tatum O’Neil, a paquerinha Brooke Shields, as “tias” Liz Taylor e Liza Minelli, o amiguinho Macaulay Culkin.

“Eu sou Peter Pan”, disse numa entrevista. Esse é um dos traços que fascinam uma psicanalista de São Paulo. Até a morte dele, há um ano, ela se habituara a cultuar Mozart junto com amigos, em reuniões, saraus, audições. Hoje, faz o mesmo com Jackson. Curiosamente, Mozart foi também um menino aprisionado dentro de um homem.

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Embora Michael fizesse bravatas em música — “I’m bad” (Sou mau) —, ele escolheu ser o contrário disso: bom menino, bem-educado, fino, delicado, em contraste com a grosseria que cerca seu meio e nos cerca.

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